Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
Pelos resultados do primeiro turno, a
hipótese da terceira via não foi vencida
O primeiro turno das eleições confirmou a
polarização política que setores de uma corrente centrista e antilulista
buscaram superar com a tentativa tardia de encontrar uma terceira via para os
nossos impasses políticos. Queriam, também, livrar-se de Bolsonaro e do
bolsonarismo, das incertezas quanto aos rumos da sociedade brasileira em
decorrência de uma orientação política sectária e intolerante. E de uma
orientação econômica que agravou as carências sociais, da insegurança alimentar
à irresponsabilidade do modo como foi tratado o problema da covid-19.
Pelos resultados da votação, a hipótese da
terceira via não foi vencida. As primeiras pesquisas de opinião eleitoral já
indicavam que Lula aparecia como uma opção popular de terceira via alternativa.
Lula comparece às eleições como o candidato
de possibilidades objetivas, que dependem de mediações complexas para chegar à
consciência do eleitor e da pessoa comum. Ele é interpretado como um vir a ser.
Já Bolsonaro é visto como o que tem sido e
é, o antes e não o depois. Comparece ao pleito como refém de seu mandato e da
visibilidade de uma personalidade que se mostrou radical, intolerante,
transgressora de valores do bem comum, das normas da democracia e das
prescrições do mandato que recebeu.
Mas a vitória de Lula por mais de 6 milhões de votos sobre Bolsonaro, na eleição do dia 2, indica o país ainda polarizado. Bolsonaro continua bolsonarista e parece ter tocado o teto de suas possibilidades. Dos dois candidatos, as circunstâncias sugerem ser Lula o que personifica um campo relativamente aberto à assimilação de propostas complementares e inovadoras às de suas concepções de governo. Depende da consciência que desenvolver desse chamamento.
Bolsonaro e seu governo expuseram suas
invisibilidades e ocultações na deplorável reunião de 22 de abril de 2020, um
governo que teima na prática da iniquidade social e no oportunismo de
aproveitar a desatenção gerada pela pandemia para deixar passar a boiada das
transgressões.
Elas indicam que o confronto se expressará
na disputa entre personificações alternativas de dois destinos sociais,
políticos e econômicos antagônicos. Estamos numa encruzilhada, entre
civilização e barbárie.
Nela, o país se defronta com os efeitos
políticos da promiscuidade de três variantes de capitalismo articuladas e
contraditórias, que ao longo de nossa história têm se alimentado
reciprocamente. Uma é a do capitalismo do típico e mais evoluído empresário
capitalista, o empresário industrial, o empresário socialmente criativo e
economicamente inovador, que se expressa nas novas tendências de pensamento
econômico crítico.
Uma segunda variante é a do agronegócio e
do domínio da economia pelas commodities. Esse ramo não tem o potencial de
criação produtiva e social da economia industrial. É mediado pela renda
fundiária, cujos custos introduzem na economia a irracionalidade de uma fonte
especulativa de lucro, a terra. Pela destinação da produção ao mercado externo,
o mercado interno preterido com a elevação do custo dos alimentos na reprodução
da força de trabalho, o que afeta o capital industrial.
Há ainda, aqui, um subcapitalismo residual
de acumulação primitiva, que, entre nós, se expandiu e ainda se expande,
territorialmente, por meio da violência de um novo trabalho escravo, no
processo de implantação de novas fazendas, por meio da devastação ambiental, da
violência étnica contra as populações indígenas, tanto as já conhecidas quanto
as ainda não contatadas, da grilagem de terras e da expulsão das populações de
posseiros de sua terra de trabalho. Uma larga criminalidade fundiária foi
característica do período do regime militar, expressa nesses traços anômalos da
expansão territorial da economia, e persiste.
A reunião de governo Bolsonaro, no dia 22
de abril de 2020, foi voz e expressão dos resíduos desse período da história do
Estado brasileiro e indica a força do poder do atraso que compôs a contraface
do Estado militar e autoritário.
Estas eleições não decidirão entre
candidatos de perfis opostos, entre Lula e Bolsonaro. Decidirão entre um modelo
capitalista de desenvolvimento econômico e industrial com desenvolvimento
social, e um modelo subcapitalista e rentista associado a uma pobreza anômica e
anticapitalista.
Em consequência dessa combinação de arcaico
e moderno na economia e na sociedade e seus desdobramentos no poder, a eleição
de 30 de outubro poderá ser a última chamada do povo para começar a remover os
fatores da injustiça do atraso e da minimização da condição humana entre nós.
Última chance para este capitalismo livrar-se de suas irracionalidades
políticas, econômicas e sociais.
*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "As duas mortes de Francisca Júlia - A Semana de Arte Moderna antes da semana" (Editora Unesp, 2022).
Leitura URGENTE para a campanha de Lula!
ResponderExcluirA disputa é entre um capitalismo semidemocrático que tolera Lula e um feudalismo que mitifica ou até endeusa Bolsonaro! Os trabalhadores perderão muito mais com a vitória do miliciano mentiroso, o capitão das rachadinhas...
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