Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
Celso Rocha de Barros reconstitui a
trajetória do partido que tanto emergiu quanto viveu a maior crise quando o
país parou de melhorar. Ausente da “transição pelo alto”, aposta na
recomposição dos trilhos da democracia
Ambos são conhecidos pelo diminutivo de
seus nomes, presidiram os maiores sindicatos de metalúrgicos do país, de São
Bernardo do Campo e de São Paulo e, no mesmo ano, elegeram-se para comandar as
duas maiores centrais sindicais do país, CUT e Força Sindical. Em 2 de outubro,
o destino dos deputados federais Vicente Paulo da Silva (PT-SP) e Paulo Pereira
da Silva (SD-SP) voltou a se cruzar.
Depois de cinco e quatro mandatos
consecutivos, respectivamente, tanto Vicentinho quanto Paulinho ficarão fora da
próxima legislatura. Some-se aí o insucesso da reeleição de Orlando Silva
(PCdoB-SP), o parlamentar mais próximo de uma terceira central sindical, a CTB,
e se configura o quadro de desempenho da bancada sindical. Do auge, em 2010,
quando fez 81 parlamentares, restarão 33, uma redução de um quarto em relação à
atual legislatura da Câmara dos Deputados.
No mesmo 2 de outubro, Luiz Inácio Lula da Silva fez seu melhor primeiro turno das seis eleições presidenciais de que participou, mas foi surpreendido pela resiliência do bolsonarismo que colocou o presidente da República no segundo turno a uma distância inferior à projetada pela campanha petista e pelos institutos de pesquisa.
O resgate daquilo que se passou entre a
emergência dos metalúrgicos na política e a vantagem apertada de Lula na nona
disputa presidencial do partido é tema de Celso Rocha de Barros em “PT, uma
história” (Companhia das Letras, 2022). Como previu Perry Anderson, ao
defini-lo como o único partido de massas surgido do movimento sindical depois da
Segunda Guerra Mundial, nunca foi uma história previsível.
O livro, concluído em março deste ano, é
baseado em 56 entrevistas e levou três anos para ser escrito na prosa direta e
provocativa do sociólogo. Doutor em sociologia em Oxford, servidor federal, Rocha
de Barros começou a escrever sobre conjuntura no site “Na prática, a teoria é
outra”, até virar colunista na “Folha de S.Paulo”.
“Sua jornada, de Garanhuns a São Bernardo,
representava o auge do processo varguista de industrialização”, diz o sociólogo
na abertura do capítulo sobre a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à
Presidência. Oito anos antes, Fernando Henrique Cardoso havia se despedido do
Senado dizendo que seu desafio no Palácio do Planalto seria a superação da era
varguista.
FHC cumpriu parte do desmonte com as
privatizações. Lula, apesar de ter ascendido no movimento sindical com o
vaticínio de que a “CLT é o AI-5 do Trabalhador”, não apenas preservaria a
contribuição sindical como manteria, sob seu alcance, as centrais sindicais. A
ampliação da estrutura sindical não o impediria de perder as rédeas da nova
organização do mundo do trabalho, principalmente no setor de serviços.
Quem acabaria por colocar uma pedra na era
Vargas seria a dupla Michel Temer-Jair Bolsonaro, um com a reforma trabalhista
e o segundo ao ampliá-la a partir da Lei da Liberdade Econômica. Quando a
covid-19 aportou no Brasil, esse novo arcabouço já vigia. Foi assim que a
economia dos aplicativos ganhou corpo, deu gás ao nanoempreendedorismo e
forneceu ao bolsonarismo sua tessitura social.
Além de ampliar a desregulamentação do
trabalho iniciada por Temer, Bolsonaro também ampliou, para os miseráveis, o
crédito que Lula havia aberto para os mais pobres, com o consignado para o
Auxílio Brasil. O livro recupera a adoção da política pelo governo Lula. Um
dia, o ex-presidente virou-se para seu então ministro da Fazenda e disse:
“Palocci, quer subir o juro, sobe, f..-se, quer dar juro alto pro mercado,
f..-se, mas você vai ter que aumentar um juro para os trabalhadores que seja bem
mais baixo”.
Se a expansão do crédito, à época de Lula,
teve a interferência decisiva dos sindicatos, que negociaram o limite dos
juros, a da era Bolsonaro foi feita sem intermediários, até mesmo dos grandes
bancos, que temeram o risco reputacional e caíram fora do mercado.
Não foi apenas a desintermediação das
políticas públicas na Era Bolsonaro que impactou na redução da bancada
sindical. Mais importante parece ter sido a crise no financiamento sindical e a
novilíngua da política. Os movimentos sociais que ascenderam à Câmara dos
Deputados ou que lá se mantiveram o fizeram sem subvenções e na disputa pelas
redes sociais.
Foi neles que o eleitor identificou o
contraponto ao poder de plantão. Os sem-terra mantiveram sua representação mas
os sem-teto e o movimento LGBTQ+ estarão melhor representados do que jamais o
foram.
Se a campanha de Lula tem sido vítima, mais
uma vez, do discurso de costumes, não é pela ausência de familiaridade com a
pauta. O livro resgata os primórdios da adesão dos movimentos identitários ao
PT, ainda nos anos 1980, das feministas aos gays, passando pelos negros - “Era
o partido mais aberto para os movimentos e, o que parecia decisivo, não tinha
um grande ‘dono’ carismático”.
O partido teve, inclusive, que apartar a
luta interna dos próprios movimentos nos trabalhos da Constituinte. Numa
audiência pública, um militante negro do PT, também servidor da Câmara, reclama
que as questões de gênero tenham sido objeto de uma comissão, enquanto as de
raça haviam sido relegadas a uma subcomissão: “Quero que alguém me prove se nos
navios negreiros, nos quilombos, nas senzalas existiu a prática do
homossexualismo, que desconheço no meio da nossa raça”.
A parlamentar encarregada de responder ao
militante, Benedita da Silva, também é a prova de que o PT, apesar de ter, nas
Comunidades Eclesiais de Base, um de seus pilares, também trouxe para dentro do
partido a emergência dos evangélicos na sociedade. Se captou, desde a formação
do partido, o fenômeno evangélico no país, o PT não parece ter sido capaz de
acompanhar as metamorfoses de sua ascensão, como a campanha presidencial está a
demonstrar.
Num café da manhã no domingo antes do
primeiro turno, Gilberto Carvalho, uma das lideranças que entrou no partido
pela via do operariado católico e se tornaria um dos petistas mais próximos de
Lula, comentaria as dificuldades da campanha dizendo que só uma “teologia da
libertação evangélica” resolveria esse divórcio do PT com a denominação
religiosa.
Se os petistas conhecem há décadas as
ciladas da pauta de costumes que a campanha bolsonarista tem espalhado em seu
caminho, sua passagem pelo governo também deveria ter sido suficiente para
aquilatar o impacto que a elevação do consumo dos mais pobres tem nesta
eleição, graças ao atropelo das leis eleitorais e da Constituição.
A crítica de Gilberto Carvalho, partilhada
por muitos petistas, de que o PT foi capaz de criar milhões de consumidores e
não de forjar cidadãos, é contraposta aos estudos de Rosana Pinheiro-Machado e
Lucia Scalco, sobre o impacto da elevação de renda em comunidades periféricas
de Porto Alegre entre 2009 e 2014.
Entre os achados das pesquisadoras,
recuperados no livro, está a ruptura de atitudes de subalternidade causada pelo
orgulho de consumir os mesmos bens, frequentar os mesmos lugares que ‘as
madames’ e ‘entrar pela porta da frente’. É arriscado, diz Rocha de Barros,
apostar na despolitização deste consumo: “Afinal, nos anos 1970, muita gente na
esquerda achou que os metalúrgicos do ABC eram integrados demais ao capitalismo
para liderar um movimento de contestação”.
Não foi a primeira vez que o PT se deparou
com o impacto sobre o consumo de políticas propostas por adversários. Em
entrevistas ao autor, petistas bem postos reconhecem o quanto foram pegos de
calça curta pelo Plano Real. Depois da adesão uníssona a Lula da equipe que o
implantou em 1994, o reconhecimento parece até natural, mas três décadas atrás
parecia completamente improvável.
O PT já havia começado a moderar o discurso
com a ascensão de seus sindicalistas a representantes de fundos de pensão nos
conselhos de administração das empresas, mas custou a depurar o conflito
vaticinado pelo ex-governador Franco Montoro - e se o PT resolvesse moderar o
discurso, o que seria dos “social-democratas” do PSDB? Como o primeiro turno
demonstrou, quem acabaria por engolir os tucanos seria Bolsonaro.
Militante do PT na juventude, Celso Rocha
de Barros pisa sem rodeios nas feridas da legenda. Não tem dúvida de que os
desvios da Petrobras são
o “episódio mais vergonhoso” da história de um partido que diz ter deixado como
maior contribuição para a Constituinte a formulação autônoma do Ministério
Público, gestada, ironicamente, na “Carta de Curitiba”, em 1986.
O ímpeto moralizador que elegeu Fernando
Collor de Mello, lembra, não era estranho ao PT. Tanto que, um ano antes, Maria
Luiza Fontenelle, que tomou posse na prefeitura de Fortaleza no mesmo ano que
Luiza Erundina assumiu a de São Paulo, demitiu “funcionários fantasmas” com o
mesmo ímpeto com o qual o ex-presidente dizia “caçar marajás”.
Apesar do Orçamento Secreto, das
“rachadinhas”, do sigilo de 100 anos de Bolsonaro, o PT chega a mais uma
eleição perseguido pelo estigma da corrupção. E a razão, resgatada de um fundador
do PT, Juarez Guimarães, é simples: “Corrupção é a expressão mais clara da
privatização do Estado”.
O Centrão parece dar razão à tese esboçada
por Rocha de Barros de que o PT, como único partido a ser punido no exercício
do poder, como o foi no “mensalão” e no “petrolão”, levou os corruptos a buscar
refúgio na direita, onde o poder político, econômico e judicial já demonstrou
ter mais capacidade de blindagem.
Tudo isso colabora para tornar inexplicável a ausência de uma proposta clara e contundente de uma reforma do estado eficaz no combate à corrupção. A duas semanas do segundo turno, o melhor lembrete parece ser aquele do velho trotskista e fundador do PT Mario Pedrosa, resgatado no livro: “Partido de massa não tem vanguarda, não tem teorias, não tem livro sagrado. Ele é o que é, guia-se por sua prática, acerta por seu instinto. Quando erra, não tem dogmas e, pela autocrítica, refaz seu erro”.
Bons e maus momentos (e movimentos) do PT... De única alternativa ética entre os partidos a mais um partido como outro qualquer. Com a diferença que não tinha dono no começo e agora depende de (ou pertence a) Lula! E é no momento a única alternativa ao GENOCIDA...
ResponderExcluirExplicando: única alternativa ética entre os partidos era como os petistas se enxergavam e se autoproclamavam... A humildade nunca foi o forte deles! Em 2018, tudo o que queriam era ser vistos como um partido igual aos outros, não como o partido que comandou o mensalão e o petrolão, enquanto Lula tirava férias forçadas na sala especial da PF em Curitiba...
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