Correio Braziliense
Juridicamente, a Operação Lava-Jato morreu de
morte matada, mas a questão ética está vivíssima em termos eleitorais, como
comprova a eleição do ex-juiz Sergio Moro ao Senado, pelo Paraná
Um dos organizadores da edição brasileira
dos Cadernos do Cárcere, de Antônio Gramsci, sob a liderança de Carlos Nelson
Coutinho e a participação de Luiz Sérgio Henriques (obra que acaba de ser
reeditada pela Editora Civilização Brasileira), o cientista político e
professor livre docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Marco Aurélio
Nogueira, a propósito da coluna publicada ontem, intitulada Guerra de posições,
fez observações muito pertinentes sobre a disputa pela direção intelectual e
moral da sociedade.
Transcrevo a seguir seus comentários sobre a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) nesse terreno: “Você usa o conceito de direção intelectual e moral, que é utilíssimo na formulação da hegemonia. Mas acho que não está certo falar que ‘o segundo turno das eleições opõe, de um lado, o domínio político do governo Bolsonaro e, de outro, a direção intelectual e moral da sociedade protagonizada pela oposição liderada por Lula’. Você acrescenta que ‘Quem conseguir juntar domínio, pela via eleitoral, e direção, exercendo o poder, governará o país pelos próximos quatro anos’. E mais: ‘O chefe do Executivo já tem o domínio, mas perdeu a direção moral, que tenta recuperar'”.
Depois desse resumo, Nogueira comenta:
“Duas coisas me vieram à mente. (1) Bolsonaro não perdeu a direção intelectual
e moral: 50% dos eleitores estão com ele e o seguem justamente como
‘dirigente’. (2) Lula está disputando essa direção, mas ainda não a tem. Numa
eleição, vence quem dirige, não quem domina. E o poder é uma situação típica de
domínio, não necessariamente de direção. Quem exercer o poder pode dirigir
também, mas desde que busque fazer isso, não automaticamente. Por isso, Gramsci
fala que antes de se chegar ao poder, seria conveniente que se tratasse de
conquistar a direção”.
São observações que ilustram a complexidade
do cenário eleitoral, no qual Bolsonaro, neste segundo turno, estabeleceu como
eixo de campanha exatamente a disputa pela “direção moral” da sociedade, com
uma estratégia na qual empunha as bandeiras da ética, da família unicelular
patriarcal, da fé em Deus e da liberdade individual. Com isso, conseguiu
reduzir a vantagem de Lula no primeiro turno, que mantinha uma liderança
folgada até às vésperas da votação.
Senso comum
Bolsonaro estruturou sua campanha em torno
dessas bandeiras e organizou uma base política orgânica nas redes sociais, que
tem revelado grande poder de mobilização e protagoniza a radicalização política
e ideológica na sociedade desde as eleições de 2018. O uso de fake news para
aumentar a rejeição de Lula e reduzir a sua própria vem sendo recorrente na
campanha do presidente, mas isso não elimina, e até reforça, o fato de que
ancora seus ataques ao petista no senso comum da população, que é
majoritariamente conservador.
Conversando sobre isso, Nogueira chamou-me
a atenção para o fato de que a campanha de Lula está focada, principalmente, na
comparação dos resultados econômicos de seus dois mandatos com os de Bolsonaro,
que pleiteia a reeleição. Ou seja: o petista privilegia o terreno das questões
econômicas. Até agora, vem tendo sucesso ao escolher esse terreno de batalha,
porém, é inegável que as ações do governo para melhorar o ambiente econômico
estão influenciando os eleitores, como comprovam as pesquisas, que mostram
redução da rejeição de Bolsonaro e da desaprovação de seu governo. Isso limita
o peso da economia na decisão de voto.
É bom lembrar que o governo é a forma mais
concentrada de poder e Bolsonaro não tem o menor pudor em utilizar a máquina
federal para alavancar sua candidatura. O fato de estar no poder, ou seja, numa
situação de domínio, é uma vantagem estratégica na campanha eleitoral dos que
concorrem à reeleição, porque controla estruturas capazes de mudar a correlação
de forças eleitorais. Mas, no caso de Bolsonaro, isso ocorre de forma sem
precedentes, devido à aprovação do “estado de emergência” pelo Congresso, que
possibilita a realização de gastos e outras ações governamentais em plena
campanha eleitoral.
Nesse cenário, o que pode fazer a diferença é a tal capacidade de liderança intelectual e moral da sociedade. Lula chegou a exercê-la, em razão da alta rejeição de Bolsonaro, até o resultado das urnas em 2 de outubro. Já no primeiro turno, revelou dificuldades nos debates para lidar com as agendas negativas do mensalão e do petrolão. Juridicamente, a Operação Lava-Jato morreu de morte matada, mas a questão ética está vivíssima em termos eleitorais, como comprova a eleição do ex-juiz Sergio Moro ao Senado, pelo Paraná. Esse é o maior obstáculo a ser enfrentado por Lula no segundo turno contra Bolsonaro.
Sérgio Moro continua sendo ídolo de muita gente.
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