Correio Braziliense
Mesmo que não estejam de acordo com o
comportamento da nova geração, a maioria não deseja que haja uma regressão aos
costumes de sua adolescência, quando a virgindade era um tabu
Depois de algumas tentativas frustradas,
consegui comprar na Livraria da Travessa, em Brasília, o livro Os Anos
(Fósforo), premiadíssimo, da escritora francesa Annie Ernaux, ganhadora do
Prêmio Nobel de Literatura deste ano. É uma mistura de crônicas do cotidiano e
filosofia, numa “autobiografia impessoal” que reconstitui a evolução dos
costumes da sociedade francesa, num período de 60 anos, que vai do imediato
pós-guerra ao atentado às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001.
Talvez a leitura nos ajude a entender um pouco melhor porque a maioria das mulheres não vota no presidente Jair Bolsonaro (PL), embora ele tenha duas cabos eleitorais poderosas — a primeira-dama Michelle Bolsonaro e a recém-eleita senadora pelo Distrito Federal Damares Alves (Republicanos), ambas evangélicas.
“A vergonha era uma assombração na vida das
mulheres. A maneira como se vestiam e se maquiavam era sempre acompanhada por
um “demais”: curto, longo, decotado, justo, chamativo etc. A altura dos saltos,
com quem anda, as saídas e voltas para casa, o fundilho da calcinha no fim do
mês, tudo era objeto de uma vigilância generalizada da sociedade. (…) Nada, nem
a inteligência, nem os estudos, nem a beleza, contava mais para a reputação
sexual de uma moça, isto é, seu valor no mercado do casamento, do qual as mães,
a exemplo das próprias mães, eram as guardiãs: se fizer sexo antes do
casamento, ninguém vai querer ficar com você — ficava claro, nas entrelinhas,
que só alguém em condição parecida poderia aceitar, isto é, a escória
masculina, um doente, um louco ou, pior, um divorciado. A mãe solteira não
tinha nada a esperar, só a abnegação de um homem que aceitaria colher seu erro”.
“Até chegar o casamento, as histórias de
amor aconteciam escondidas do controle e julgamento dos outros”, completa Annie
Ernaux, ao descrever o mundo no final dos anos 1950. De lá para cá, muita coisa
mudou, houve uma revolução nos costumes, protagonizada pelas mulheres, que hoje
ocupam espaços no mercado de trabalho e até nas forças armadas, em igualdade de
condições. Algumas profissões, muitas das quais tiranizaram secularmente as
mulheres, como a medicina, por exemplo, estão sendo dominadas por elas.
Entretanto, muita gente vive e pensa como naquela época, o que provoca um
choque de gerações.
Uma jovem, atualmente, vive de forma
completamente diferente, embora tenha muito o que agradecer às mulheres mais
velhas como Annie Ernaux, que romperam as barreiras do preconceito e da
discriminação, enfrentando o machismo e os preconceitos em condições
absolutamente desiguais. As jovens de hoje têm um cardápio afetivo de acordo
com as circunstâncias, que muda como as nuvens noturnas que escondem e desvelam
a lua e as estrelas: tem o “crush”, o “peguete”, o “ficante” e o até o “friends
with benefits” (amigos com benefícios), que funciona como uma espécie de
delivery afetivo. O namoro, o noivado e o casamento são coisas muito sérias
para serem vinculadas apenas ao sexo. É um mundo virado de pernas para o ar.
Dois mundos
O mundo que Michelle e Damares oferece às
mulheres, na disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e
Bolsonaro, é aquele descrito por Ernaux na sua juventude — não tem nada a ver
com a realidade dos dias atuais, em que as jovens mulheres vivem a plenitude de
uma revolução de gênero, na qual a orientação sexual é uma opção individual
garantida por direito. Também não é a realidade das mães dessas jovens, que
viveram os dois momentos e, mesmo que não estejam de acordo com o comportamento
da nova geração, não desejam que haja uma regressão aos costumes de sua
adolescência e juventude, quando a virgindade era o tabu que alicerçava todas
aquelas “vergonhas” descritas por Ernaux.
“Ela é a mulher com blush no rosto, os dois
rapazes de trinta e poucos anos são seus filhos, a mocinha é namorada do filho
mais velho, a do mais novo foi quem tirou a foto.(…) Tem vontade de continuar
sendo provedora do conforto material dos filhos, para compensar a eventual dor
do peso da existência que eles possam sentir e da qual ela se julga
responsável, já que colocou os dois no mundo. Ela se acostumou com a ideia de
que eles devem aproveitar a vida apesar da situação precária dos dois, com
contratos temporários em trabalhos inferiores à formação que têm, com
seguro-desemprego, dependendo do mês, alguns bicos, em um eterno presente feito
de música, seriados norte-americanos e videogames, como se eles prosseguissem
indefinidamente uma vida de estudante ou artistas sem dinheiro, e, uma boemia
de antigamente, tão distante da ‘situação’ dela na idade deles. (Ela não sabe
dizer se a indiferença social deles é real ou fingida)”.
Nas palavras de Ernaux, eis uma cena típica da classe média, que vota majoritariamente com Bolsonaro, embora a maioria das mulheres, em razão do machismo e atitudes misóginas do presidente, se recusem a fazê-lo. Talvez a eleição esteja sendo decidida nesse universo, no qual observamos confrontos extremos de comportamento social. Entre as mulheres, segundo o DataFolha (19/10), Lula vence de 51% a 42%. Em termos geracionais, vence entre os mais jovens, de 16 a 24 anos (50% a 41%), na faixa de 45 a 59 anos (51% a 44%) e entre os com 60 anos a mais (52% a 43%).
As mulheres têm sensibilidade e instinto maternal. Percebem a ameaça que Bolsonaro e seus milicianos representam para o povo brasileiro. Elas não se interessam pelas armas e mentiras que o genocida espalhou entre nós!
ResponderExcluirGostaria de ver uma percentagem sobre os gays,parece que mais de 70% rejeitam Bolsonaro,que,ao meu ver,precisa de oração e não de votos.
ResponderExcluirSim,eu faço orações ao Bolsonaro e sua família todos os dias,mas na hora de votar...
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