O Globo
A guerra suja da campanha colocou a Justiça
Eleitoral numa encruzilhada. De um lado, é preciso impedir a disseminação de
mentiras e desinformação. De outro, há que preservar o pilar de qualquer
democracia saudável, a liberdade de expressão.
Desde o trauma provocado pela onda de fake
news que contaminou o pleito de 2018, consolidou-se na sociedade o consenso de
que a liberdade de expressão termina onde começa a difusão de mentiras. Essa é
a base sobre a qual o Judiciário vem orientando sua atuação. Mas esse consenso,
hoje, parece insuficiente.
Ninguém de boa-fé discordará que é preciso
tomar providências enérgicas. A questão é como fazer isso.
Para barrar a disseminação de fake news, o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mandou retirar do ar conteúdos divulgados
pela campanha de Jair Bolsonaro que associavam Lula ao satanismo, assim como os
vídeos de Lula sugerindo que Bolsonaro praticava canibalismo.
Peças de Bolsonaro que diziam que Lula é
favorável ao aborto também foram vetadas, assim como as divulgadas por Lula
associando a fala do presidente sobre garotas venezuelanas à prática de
pedofilia, no episódio que ficou conhecido como “pintou um clima”.
Até aí, tudo dentro dos conformes.
Então, o ministro Paulo Sanseverino decidiu que a campanha de Bolsonaro não poderia exibir um vídeo chamando Lula de ladrão ou de corrupto, porque ele não é mais um condenado e tem direito à presunção de inocência. Isso mesmo considerando que o vídeo da campanha exibia o trecho de uma entrevista do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello em que ele afirma que Lula não foi inocentado, e sim que seus processos foram anulados.
A decisão de Sanseverino foi ratificada
pelo tribunal, que também decretou que Bolsonaro pode, sim, ser chamado de
genocida, mesmo não tendo nenhuma condenação por genocídio na Justiça.
Deixando de lado que “corrupto” e “ladrão”
são acusações das mais comuns em campanhas eleitorais — independentemente da
folha corrida do alvo da injúria —, se a questão é a presunção de inocência,
não faz sentido considerar que “genocida” está no campo da crítica política e
“ladrão” não está.
Ainda assim, Lula ganhou no TSE direito de
ocupar o tempo de 226 inserções de Bolsonaro na TV —o que engrossou a grita dos
aliados que acusam o TSE de atuar a favor de Lula. Seria leviano fazer uma
afirmação dessa natureza sem considerar que o PT já entrou com 62 ações, ante
sete do PL de Bolsonaro. Quem pede mais, tem mais chances de ganhar mais, não
tem jeito.
Isso não quer dizer que não exista um
problema a resolver.
Ao dar um direito de resposta a Lula contra
a Jovem Pan, o tribunal também proibiu que os comentaristas da emissora digam
que ele mente, que não foi inocentado ou que perseguirá cristãos. O debate a
esse respeito no TSE não foi tranquilo.
A relatora do caso, Maria Cláudia
Bucchianeri, afirmou que, “apesar de grosseiras e rudes”, as falas eram “
típicas críticas políticas” e que elas deveriam ser respondidas dentro do
próprio ambiente político. Foi derrotada, numa decisão comemorada por quem
esperava que o ímpeto da emissora, francamente bolsonarista, fosse contido.
Os mesmos que comemoravam, porém, não se
sentiram nada felizes quando Alexandre de Moraes mandou retirar do ar o vídeo
em que o PT associava Bolsonaro à pedofilia por causa do “pintou um clima”. No
despacho, Moraes ordenava também que os petistas “se abstivessem” de fazer
comentários públicos sobre o caso. Por causa disso, Lula deixou de provocar
Bolsonaro a respeito do assunto no debate da Bandeirantes.
Logo após a eleição de 2018, em nome de
impedir que a mentira corroa lentamente a democracia, já se aceitou que o mesmo
juiz que abre um inquérito também realize a investigação, relate o caso e ainda
o julgue, numa clara subversão da boa prática jurídica.
Prisões foram feitas, multas foram
aplicadas, acordos foram firmados com plataformas digitais para evitar que o
show de horrores de 2018 se repetisse agora. E, no entanto, vivemos uma
situação que o próprio presidente do TSE, Moraes, chama de “ desastre de
desinformação”.
O ministro, que se reuniu ontem com
representantes de plataformas digitais em Brasília, reclamou da demora dessas
redes em remover conteúdos falsos e afirmou que planeja aprovar uma resolução
do TSE ampliando seu próprio poder de ação.
Os últimos acontecimentos mostram, porém,
que talvez não falte ao TSE mais poder. É preciso, isso sim, construir um novo
consenso sobre onde termina a proteção da democracia e onde começa a censura.
E, de preferência, submeter-se a ele.
Nunca vi a comentarista apontar a omissão do TSE diante das escandalosas ilegalidades cometidas pelo incumbente contra a Constituição e a legislação eleitoral!
ResponderExcluirA Constituição brasileira está em frangalhos e ela falando de figuras no combate a fake News.
ResponderExcluirAcho muito razoável a análise feita pela colunista! Também não vejo sentido em permitir que Bolsonaro seja chamado de GENOCIDA, que ele realmente é, e Lula não possa ser chamado de ladrão ou corrupto, que ele provavelmente é. Não são situações julgadas legalmente, são opiniões de quem supõe conhecer algo e que se sente no direito de expor seu julgamento ou sua conclusão. Acho que impedir tais manifestações/opiniões é CENSURA!
ResponderExcluirVc não vê diferença entre seu "realmente é" e o seu "provavelmente é"? Essa é sua opinião. Vc escreveu acima. A solução sobre Impedir um ou outro é censura na sua opinião; pra mim é justiça; não jogo palavras fora ' pra mim, há ENORME DIFERENÇA ENTRE realmente e provavelmente. Ainda mais qd a imprensa não deixa claro qd é REAL e qd é PROVÁVEL.
ExcluirSó para corrigir: firulas, e não figuras.
ResponderExcluirCorrigindo: firulas, e não figuras.
ResponderExcluirOfensas,dos dois lados,de nada resolve,só piora o quadro geral da nação.
ResponderExcluir