Valor Econômico
Vitória de Lula no 2º turno passa por
entender por que Bolsonaro ganhou onde a pandemia mais matou
Fica difícil juntar lé com cré ante a
notícia de que Jair Bolsonaro venceu a eleição em Manaus. Mas o desnorteio não
para por aí. Levantamento do Valor
Data mostra que, das 40 cidades com maior mortalidade por
Covid (Manaus é a 40ª), o presidente ganhou em 38. Dos 1.498 municípios que
registraram uma mortalidade por Covid-19 acima da média nacional, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva ganhou em menos de um terço. Some-se ainda
a eleição avassaladora do ex-ministro Eduardo Pazuello (PL) para a Câmara e a
reeleição do deputado Osmar Terra (MDB), apóstolo da cloroquina.
Que país é esse? A frente ampla que, finalmente, começa a se formar em torno de Lula neste 2ª turno não deveria adiar as respostas. É um país que já não aguentava as máscaras, diz um, e já esqueceu a mortandade, diz outro. Certamente não é aquele previsto até por governistas onde cada morto produziria 100 enlutados de oposição, entre amigos e parentes. Fosse assim, Lula teria tido 68,6 milhões de votos e estaria eleito, com folga, no 1ºturno.
Se foi CPI da pandemia que pavimentou a
candidatura da senadora Simone Tebet à Presidência, o espaço conquistado
deveu-se mais ao desempenho esclarecido e destemido na campanha, confirmado
ontem na recusa à neutralidade no 2º turno.
O reprise das cenas em que Bolsonaro imita
um paciente terminal, zomba da vacina e dos coveiros da Covid certamente
elevaram sua rejeição. Mas o tema não reverberou como se apostava. Há muitos
recados no 1º turno, mas um deles parece ter sido o de que há uma parcela
expressiva da população que rejeita o Estado-cerceador.
Não é apenas o “fique em casa que a
economia a gente vê depois” que tem aderência, mas a percepção de que o Estado,
ao regulamentar, fiscalizar e multar restringe a capacidade de as pessoas
batalhar pela sobrevivência. Isso não é fascismo, mas uma visão libertária
derivada de fracassos na mediação do bem comum.
Não é preciso fazer concessões à extrema
direita para entender isso. Ignorar as motivações de 51 milhões de eleitores
não dificulta apenas a obtenção de seu voto, mas também transforma a tarefa de
governá-los e bem informá-los numa pedreira.
Bolsonaro abriu a maçaneta que tirou essas
motivações do armário e não vai ser fácil encontrar a chave para recolocar cada
coisa em seu lugar. Muitos dos motociclistas multados por dirigir sem capacete
passaram a alegar, em seus recursos, que o presidente da República tampouco o
faz.
Nos grupos qualitativos que acompanhou ao
longo da campanha, Esther Solano testemunhou a reprise do discurso de Bolsonaro
em pessoas que se viram cerceadas em seu direito de sair de casa para trabalhar
com liberdade pelo ganha-pão da família.
A mesma intransigência pelo direito de sair
de casa parece se aplicar a quem nela pode entrar. Entre as agruras enfrentadas
pelos recenseadores do IBGE está a recusa da população a recebê-los e a
responder a um questionário que inclui até o CPF.
O mote “da minha vida cuido eu”, que, na
pandemia, abreviou a carreira política de João Doria e, por tabela, tirou seu
sucessor do 2º turno em São Paulo, ainda invadiu a percepção sobre outra
política pública civilizatória, as câmeras nos uniformes policiais.
A posição de Tarcísio Freitas, frontalmente
contrária às câmeras, não o impediu de passar à liderança na disputa. Os 9,8
milhões de votos obtidos pelo candidato bolsonarista em São Paulo demonstram
que não se trata de uma cultura restrita aos clubes de caçadores, atiradores e
colecionadores.
Se as câmeras, comprovadamente, reduzem a
letalidade policial e, por isso, precisam ser mantidas, lideranças comunitárias
nas redes sociais se manifestaram contrariamente à iniciativa durante a
campanha por desconfiarem de seu uso contra a população negra e periférica.
Essa cultura do empreendedorismo
anti-Estado se manifestou no arrastão bolsonarista dos palanques estaduais e
proporcionais. E ainda em estados como Minas, governado pelo mesmo espírito,
vide a reeleição de Romeu Zema, o comerciante-governador que encarna o Estado e
sua negação, do confinamento à revogação da reforma trabalhista.
Essa validação de uma coisa e de seu
contrário invadiu a composição da Câmara, onde tanto aumentou a bancada dos
sem-terra quanto a da bala. Entre os dois extremos, proliferou o pântano dos
sócios do bolsonarismo, de olho na estatização dos seus prejuízos.
Se em Minas esse espírito não impediu que
Lula ganhasse, é em São Paulo que se levanta um paredão contra o PT, sobretudo
no interior, cujos votos se sobrepuseram aos da capital e selaram a derrota
tanto de Lula quanto de Fernando Haddad.
O repúdio vai do grande empresário que
resiste a abrir mão de bilionárias renúncias fiscais a pequenos e médios
empreendedores que veem no petismo a tríade regulamentar, fiscalizar e multar.
O empréstimo consignado aos beneficiários
do Auxílio Brasil, regulamentado às vésperas do 2º turno, quis incutir o
espírito do empreendedorismo em quem só tem a miséria como caução.
Na adesão a Lula, com um discurso que há muito não se via na política, uma das cinco propostas de Simone foi a da bolsa-empreendedorismo para alunos do ensino médio. É pouco, mas sinaliza uma reinvenção de quem entrou no jogo a partir da pandemia. A consolidação da vantagem lulista neste segundo turno passa mais por encontrar sua pegada no tema do que pela cilada dos costumes.
Inimaginável - que país é este?
ResponderExcluirO GENOCIDA ganhar em 38 das 40 cidades com maior mortalidade por Covid mostra a falta de memória e análise dos eleitores brasileiros.
País de gente estranha,onde morreu mais gente por covid já era bolsonarista e continuou sendo.
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