quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Maria Hermínia Tavares* - A nova cara das direitas

Folha de S. Paulo

O antipetismo eleitoral deixou de ter a sua personificação na direita tucana, democrática, civilizada

Logo depois da vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton, em 2016, Ezra Klein, colunista do New York Times, perguntou ao cientista político Larry Bartels, da Universidade Vanderbilt, o que ocorrera de incomum, capaz de explicar por que o improvável candidato republicano tivesse levado a melhor.

Respeitado especialista em estudos eleitorais e autor, com Christopher Achen, do instigante livro "Democracy for realists"(Democracia para realistas), Bartels respondeu que não acontecera nada de anormal: a distribuição de votos daquele ano se parecia muito com a das disputas de 2012, 2008 e 2004 —Trump era, sim, um candidato bizarro; os resultados das urnas, não.

No Brasil, os mapas eleitorais com a votação para presidente por estado, publicados nesta Folha na segunda (3) e na terça (4), exibem continuidade semelhante: a recente votação para a chefia do governo não só se parece muito com a de 2018, como ainda reproduz, quase ponto a ponto, os resultados de 2014 e 2006. Ou seja, na última década a política brasileira virou de ponta-cabeça, mas quase nada mudou do ponto de vista da escolha dos eleitores, que seguem rachando o país em dois hemisférios nítidos e estáveis: o dos que votam no PT e o dos que rejeitam o partido de Lula.

Faz tempo que os cientistas políticos Cesar Zucco, da Fundação Getúlio Vargas, e David Samuels, da Universidade de Minnesota, constataram que petismo e antipetismo dão forma e conteúdo à contenda pelo Palácio do Planalto.

Então, tudo como dantes no quartel de Abrantes? Não exatamente.

Desde meados da década passada, um vendaval político varreu o campo da direita, levando de cambulhada a legenda que até então organizava e dava fisionomia às hostes do antipetismo na disputa pelo Executivo federal. O PSDB, que havia minguado em 2018, agora juntou-se às pequenas e irrelevantes siglas com assento no Congresso.

O antipetismo eleitoral deixou de ter a sua personificação na direita tucana, democrática, civilizada —e elitista. A sua nova cara é a do chefe da extrema-direita populista, Jair Bolsonaro. Fruto contingente das crises da última década, nem por isso cabe imaginar que o fenômeno seja passageiro. Desta vez, as variadas experiências de vida, as demandas, as crenças, as decepções e os ressentimentos que confluem na rejeição às bandeiras e valores da esquerda, encontraram um líder popular que as expressa na língua bárbara —chula, raivosa e antidemocrática— falada nos mais primitivos grotões morais da pátria.
Confirmar no segundo turno o resultado do primeiro, por essencial que seja, será apenas o começo.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap

 

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