O Globo
Na época da ditadura militar, um censor,
furibundo com alguns diálogos de uma peça teatral, convocou o autor a dar
explicações. Por razões conhecidas, Shakespeare não pôde comparecer.
Nestes tempos michelenescos, o afável
arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, se viu obrigado a explicar por que
usa vestes vermelhas. O inquisidor ouviu algo mais ou menos assim:
—É a cor dos cardeais, meu filho.
No Twitter, dom Odilo cravou:
— Conheço bastante a História. Às vezes,
parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários,
especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora!
Dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus,
buscou inspiração em trecho de “Irmãos Karamazov”, de Dostoiévski, para cravar
sua incredulidade diante da terra arrasada pelo Bolsolão:
— Quem mente a si mesmo e escuta as
próprias mentiras chega ao ponto de já não poder distinguir a verdade dentro de
si mesmo.
É possível que algum eleitor de Damares ou
um pastor que prega nos cultos contra os homossexuais venha a chamar os
Karamazov de comunistas, mas, vá lá, é da vida: o chefe deles já disse que -5%
+ 4% são 9% positivos. Perdoai-o, mas com Oscar Wilde na cabeça:
—Os loucos às vezes se curam; os imbecis, nunca.
Desde a redemocratização, pela primeira vez
a Igreja Católica, trazida à vida terrena, se vê às voltas com laivos
autoritários. Na ditadura militar não ocorreu; mas no regime nazista aconteceu
algo semelhante às cenas de 12 de outubro. No dia de Nossa Senhora Aparecida, a
milícia bolsonarista perseguiu padres em Aparecida , vaiou a homilia da missa
principal, gritou palavrões e ainda fez brindes com latas de cerveja dentro da
igreja.
A turba ensandecida saiu das redes sociais,
incensada pelos pastores bolsonaristas, e, inspirada pelo desamor exalado por
seu capitão, agora se comporta como milícia armada —e mira o contingente de
fiéis católicos.
Ali pelo século IV e V, os protocristãos,
perseguidos pela ignorância e pelo ódio, eram jogados aos leões, em espécie de
sádico prazer. O sadismo se manifesta diante do infortúnio alheio — por
exemplo, imitar alguém sufocado pela Covid-19. Ou na descrição libidinosa,
detalhada e colorida, com brilho nos olhos, de crianças com dentes arrancados
para fazer sexo oral. O prazer doentio se revela nas interjeições.
A milícia atual vigia, e ameaça e caça,
conceitos vagos ditados por uma sombra escura de inclemência e ressentimento.
Reagem, à semelhança dos ratos de Pavlov, quando explodem em seus ouvidos
palavras como miséria, fraternidade ou empatia. Por desconhecerem o Evangelho,
atacam os padres durante os sermões. E destroem imagens de santos. E correm
atrás de quem veste batina.
As palavras de Cristo, em ensinamentos
gravados na Bíblia, são ouvidas agora como acintes da esquerda. A turba esquece
que Jesus Cristo acabou crucificado por seu tom solidário e generoso,
verdadeiro incômodo ao poder da época: “Não roubarás; não matarás”; e, sentiram
as meninas venezuelanas, “não desejarás a mulher do próximo”.
O problema de quem vaiou a catequese no
Santuário de Aparecida é ter lido apenas a orelha dos Evangelhos e/ou acreditar
na má-fé dos pastores bolsonaristas, religiosamente incultos e ideologicamente
comprometidos. O cristianismo (como filosofia) nasceu em meio ao descalabro da
escravidão, da pobreza brutal e da miséria civilizacional —pedofilia,
satanismo, matanças entre os clãs, abuso de poder.
Demorou para a Igreja Católica ser enredada
e reagir, de maneira ainda capenga, à instrumentalização da fé religiosa como
base partidária. Os cães bolsonaristas há tempos vociferam a postura
intolerante de jogar os adversários aos leões. É a mesma toada da turba romana.
Os ataques às homilias e aos padres em diversas igrejas Brasil afora ocorrem
quando ecoam os ensinamentos contra a violência, a intolerância e a mentira. De
novo, Dom Leonardo Steiner:
— Usar a religião como ameaça a fim de
angariar voto tem cheiro de imoralidade.
O manejo descarado e argentário da
religião, se no momento atiçou parte da cúpula católica brasileira, obrigada a
reagir ao retrocesso civilizacional (“quero todo mundo armado”), agora gera
mobilização entre as denominações não embolsadas. Desde dias atrás, o projeto
de poder messiânico de Michelle e Damares é desafiado dentro de seu quintal,
encarnado pelo hit gospel “Messias”, cantado por Leonardo Gonçalves, entre os
maiores sucessos no YouTube. Vale muito ouvir. A letra deve azedar as manhãs
delas:
E tudo isso por causa de política/Por causa
de um falso pânico moral/Promovido pelos donos de igreja/Que tiveram o perdão
de uma dívida /De 1,4 bilhões de reais/Decretado pelo presidente da República
(…)/A gente tem fome e sede de justiça.
Para os religiosos independentes, tem nome
e endereço o satanás.
"As palavras de Cristo, em ensinamentos gravados na Bíblia, são ouvidas agora como acintes da esquerda"
ResponderExcluirEh, gado, bolsonaro rompeu os dutos do esgoto social e vcs emergiram com fedor insuportável.
Acintes da esquerda - brilhante!
Nem vou comentar mais. Bolsonaro, vc e sua súcia são horrorosos! Q nojo!
ResponderExcluirPedofilia é CRIME! Mas Michele e Damares acham que não é pecado... Quando vem do capitão, tudo é perdoado!
ResponderExcluirVou procurar a música,aliás,já achei.
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