O Globo
Os
seis milhões de votos a mais que Lula teve na votação de primeiro turno mantêm
o seu favoritismo, mas não lhe garantem a vitória
Se
Lula for eleito nesta disputa de segundo turno terá que montar um governo mais
para o centro, até para garantir a governabilidade. A direita se fortaleceu no
parlamento, ele, portanto, terá que fazer isso. O cenário de Jair Bolsonaro
reeleito é o de um governo que terá mais força no Congresso para dobrar a
aposta autoritária. Todos os autocratas esperaram o segundo mandato para
realizar o seu verdadeiro projeto de solapar as bases da democracia e instalar
o continuísmo com alguns dos ritos de um regime constitucional. Mas quem está
mais perto de vencer?
O
favorito ainda é Lula. Ele está na frente e é normal que logo no início da
campanha as forças se reorganizem, e sempre o mais votado abre vantagem. Na de
2018, Bolsonaro terminou o primeiro turno com 46% dos votos válidos e logo na
primeira pesquisa do segundo turno ele pulou para 58%.
— Normalmente a primeira pesquisa é fulminante, não sei se as pesquisas vão repetir esse padrão, até porque elas estão sob críticas agora — diz o cientista político Jairo Nicolau.
Ele
escreveu o livro “O Brasil virou à direita”, para explicar a eleição de 2018, e
agora acha que essa tendência continua, por isso rejeita a ideia de que tenha
havido uma onda. Jairo Nicolau prefere entender o fenômeno como o da existência
de um conservadorismo estrutural brasileiro que vai muito além do voto
evangélico e que precisa ser mais bem estudado.
Houve
nesta eleição um avanço da extrema-direita, acima do que era previsto e
projetado, e vitória da direita nas eleições parlamentares, mas é preciso
entender as nuances, nem tudo entra na conta do presidente. Bolsonaro ficou
abaixo do percentual que teve em todos os estados do Sudeste em relação ao que
teve em 2018. Os seis milhões de votos a mais que Lula teve na votação de
primeiro turno mantêm seu favoritismo, mas não lhe garantem a vitória.
Novos
parlamentares, como Damares Alves, Hamilton Mourão, Eduardo Pazzuello, entre
outros, são da cota de Bolsonaro. Mas o fato de o PL ter a maior bancada não é
o mesmo fenômeno. O centrão ficou maior e mais forte e prefere a eleição de
Bolsonaro que deu a ele o orçamento secreto. Mas o PL já integrou a base do
ex-presidente Lula. Não se pode entender todos eles como se fossem o
fortalecimento da mesma extrema-direita que é definida como bolsonarismo.
Bolsonaro
e Lula têm enormes desafios para o segundo turno. Mas não se pode perder a
perspectiva de que Lula tem vantagens nesta disputa por estar com 6,1 milhões
de votos à frente. O capital político que está em disputa não é muito grande,
9,9 milhões de votos. Ciro e Simone tiveram 8,5 milhões. Soraya e D’Ávila, mais
1,1 milhão, e 200 mil se espalharam por cinco menores. Bolsonaro teria que
herdar dois terços desses votos e ainda torcer para que o terço restante não
vote no petista, anulando ou não comparecendo às urnas.
—
Agora é uma eleição em que tudo pode ser decisivo. O confronto dos debates é um
para um. A abstenção pode fazer diferença, porque ela geralmente cresce no
segundo turno. Minas é um estado importante e não terá segundo turno. Haverá
abstenção maior? São muitos pontos de incerteza —disse Jairo.
O
mercado financeiro ontem comemorou com a maior alta na bolsa em dois anos e uma
forte queda do dólar, no entendimento de que há a probabilidade de vitória
de Bolsonaro, e o programa liberal seria enfim cumprido. Além disso, acredita
que, mesmo na vitória de Lula, um Congresso conservador iria barrar aumento de
gastos.
O
mercado é binário e a realidade é complexa. No governo Bolsonaro, supostamente
fiscalista, houve aumento grande de despesas, um atendimento clientelista
descarado com a adoção do orçamento secreto, e a farra de gastos para ganhar a
eleição. A única parte da análise mais ouvida no mercado que faz sentido é que
Lula, para ganhar, terá que ir mais para o centro e isso significa esclarecer
melhor o seu programa econômico. Como o PT já acertou na economia e já errou
muito, a dúvida faz sentido.
As
próximas semanas serão intensas. Não é apenas uma luta entre dois grupos
políticos, um mais à esquerda, um mais à direita. Desta vez a clivagem é mais
grave. Bolsonaro, fortalecido, com o mandato renovado e com um Congresso mais
conservador, ficará livre para realizar seu projeto autoritário. A questão mais
do que nunca é a democracia.
É,tudo pode acontecer.
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