terça-feira, 4 de outubro de 2022

Míriam Leitão - O que está em jogo no 2º turno

O Globo

Os seis milhões de votos a mais que Lula teve na votação de primeiro turno mantêm o seu favoritismo, mas não lhe garantem a vitória

Se Lula for eleito nesta disputa de segundo turno terá que montar um governo mais para o centro, até para garantir a governabilidade. A direita se fortaleceu no parlamento, ele, portanto, terá que fazer isso. O cenário de Jair Bolsonaro reeleito é o de um governo que terá mais força no Congresso para dobrar a aposta autoritária. Todos os autocratas esperaram o segundo mandato para realizar o seu verdadeiro projeto de solapar as bases da democracia e instalar o continuísmo com alguns dos ritos de um regime constitucional. Mas quem está mais perto de vencer?

O favorito ainda é Lula. Ele está na frente e é normal que logo no início da campanha as forças se reorganizem, e sempre o mais votado abre vantagem. Na de 2018, Bolsonaro terminou o primeiro turno com 46% dos votos válidos e logo na primeira pesquisa do segundo turno ele pulou para 58%.

— Normalmente a primeira pesquisa é fulminante, não sei se as pesquisas vão repetir esse padrão, até porque elas estão sob críticas agora — diz o cientista político Jairo Nicolau.

Ele escreveu o livro “O Brasil virou à direita”, para explicar a eleição de 2018, e agora acha que essa tendência continua, por isso rejeita a ideia de que tenha havido uma onda. Jairo Nicolau prefere entender o fenômeno como o da existência de um conservadorismo estrutural brasileiro que vai muito além do voto evangélico e que precisa ser mais bem estudado.

Houve nesta eleição um avanço da extrema-direita, acima do que era previsto e projetado, e vitória da direita nas eleições parlamentares, mas é preciso entender as nuances, nem tudo entra na conta do presidente. Bolsonaro ficou abaixo do percentual que teve em todos os estados do Sudeste em relação ao que teve em 2018. Os seis milhões de votos a mais que Lula teve na votação de primeiro turno mantêm seu favoritismo, mas não lhe garantem a vitória.

Novos parlamentares, como Damares Alves, Hamilton Mourão, Eduardo Pazzuello, entre outros, são da cota de Bolsonaro. Mas o fato de o PL ter a maior bancada não é o mesmo fenômeno. O centrão ficou maior e mais forte e prefere a eleição de Bolsonaro que deu a ele o orçamento secreto. Mas o PL já integrou a base do ex-presidente Lula. Não se pode entender todos eles como se fossem o fortalecimento da mesma extrema-direita que é definida como bolsonarismo.

Bolsonaro e Lula têm enormes desafios para o segundo turno. Mas não se pode perder a perspectiva de que Lula tem vantagens nesta disputa por estar com 6,1 milhões de votos à frente. O capital político que está em disputa não é muito grande, 9,9 milhões de votos. Ciro e Simone tiveram 8,5 milhões. Soraya e D’Ávila, mais 1,1 milhão, e 200 mil se espalharam por cinco menores. Bolsonaro teria que herdar dois terços desses votos e ainda torcer para que o terço restante não vote no petista, anulando ou não comparecendo às urnas.

— Agora é uma eleição em que tudo pode ser decisivo. O confronto dos debates é um para um. A abstenção pode fazer diferença, porque ela geralmente cresce no segundo turno. Minas é um estado importante e não terá segundo turno. Haverá abstenção maior? São muitos pontos de incerteza —disse Jairo.

O mercado financeiro ontem comemorou com a maior alta na bolsa em dois anos e uma forte queda do dólar, no entendimento de que há a probabilidade de vitória de Bolsonaro, e o programa liberal seria enfim cumprido. Além disso, acredita que, mesmo na vitória de Lula, um Congresso conservador iria barrar aumento de gastos.

O mercado é binário e a realidade é complexa. No governo Bolsonaro, supostamente fiscalista, houve aumento grande de despesas, um atendimento clientelista descarado com a adoção do orçamento secreto, e a farra de gastos para ganhar a eleição. A única parte da análise mais ouvida no mercado que faz sentido é que Lula, para ganhar, terá que ir mais para o centro e isso significa esclarecer melhor o seu programa econômico. Como o PT já acertou na economia e já errou muito, a dúvida faz sentido.

As próximas semanas serão intensas. Não é apenas uma luta entre dois grupos políticos, um mais à esquerda, um mais à direita. Desta vez a clivagem é mais grave. Bolsonaro, fortalecido, com o mandato renovado e com um Congresso mais conservador, ficará livre para realizar seu projeto autoritário. A questão mais do que nunca é a democracia.

 

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