O Globo
Foi reeleita a engenharia de rapto do
Orçamento da União por meio do orçamento secreto. Foi reeleito o orçamento
secreto – o maior vencedor do primeiro turno, instrumento do qual outras
vitórias são tributárias. Não terá sido somente Bolsonaro o grande eleitor.
Reeleito o orçamento secreto, reelegeu-se o
pior Parlamento da história. O pior e o mais rico, donde o mais independente.
De contrato assinado com a tinta do
orçamento secreto, a sociedade de Bolsonaro com o consórcio parlamentar
Lira/Nogueira triunfou. O presidente da Câmara encaminhou bem a sua reeleição
ao comando da Casa.
Senado incluído, o Brasil terá um
Parlamento eleito pelo tripé bolsonarismo, antilulopetismo e orçamento secreto.
Será um Congresso de caráter sectário, com natureza fundamentalista, e de motor
autoritário na distribuição orçamentária. Essa é, aliás, a conjunção que
impulsiona a competitividade de Bolsonaro.
Reeleito o pior Parlamento da história; reeleito sobretudo pelo esquema do orçamento secreto; reeleita a estrutura que dá nova altitude a Bolsonaro.
Como é que o Supremo cassa agora o
orçamento secreto? Omitiu-se com a plantação de que enfrentaria o tema –
constitucional por excelência – depois das eleições. A matéria nunca admitiu
cálculo político. Aí está. Agora, como é que o STF enfrenta o vencedor das
eleições?
O vencedor das eleições, orçamento secreto,
compôs um Congresso de governabilidade sem precedentes para Bolsonaro;
Parlamento potencialmente hostil a um governo Lula. Não será barato reverter
esse perfil. O cenário e a história autorizam supor Lula se comprometendo com o
orçamento secreto. Como é que, uma vez eleito, ante esse Congresso, sustentaria
a promessa de acabar com o bicho? Não lhe seria mais fácil, presidente do
governo sob o qual houve o mensalão, viabilizar a relação abraçando o troço?
O mundo real se impõe.
O pior Parlamento da história se reelegeu.
A votação legislativa foi dura sobre a presença da pandemia nas urnas. Quase
nenhuma. A formação do Congresso consagrou o desejo de esquecimento da peste.
Votou-se por ignorar perversidades; para informar que a página já fora virada.
Rejeição mesmo à memória da pandemia. É o efeito São Clemente, simbolizado pela
derrota eleitoral do ex-ministro da Saúde Mandetta.
O efeito São Clemente: a escola de samba
que, em abril de 2022, sob ambiente festivo em que as pessoas se consideravam
livres do vírus e celebravam essa superação, pretendeu homenagear Paulo
Gustavo, morto pela peste, mas que acabou rebaixada por entregar à passarela
uma lembrança de dor.
Foi eleito Pazuello.
O eleitor não votou – não decisivamente –
condicionado pela barbárie expressa em quase 700 mil mortos. A pandemia
apareceu na forma de seus impactos sobre a economia. Bolsonaro, tardiamente,
parece ter entendido. Disse que percebe um desejo de mudança, mas que esse
ímpeto pode produzir resposta ainda pior. Contra a associação à tragédia
econômica, acirrará o investimento no sentimento antilulopetista.
Lula passou o primeiro turno inteiro sem
entender que não venceria apenas com discurso de defesa da democracia contra o
cramulhão. A campanha toda sem apresentar programa econômico, fiado no “farei
porque fiz no passado” – como se o que fez há vinte anos, na hipótese de bom,
não tivesse produzido também o período Dilma.
Se havia alguma chance de Lula vencer em
primeiro turno, e havia, estava em falar aos exaustos de Bolsonaro que nunca lhe
votaram; e que mesmo não gostam do ex-presidente. Precisará cuidar disso
doravante. Será mais difícil. O pior parlamento da história se reelegeu, tem
bilhão para empenhar, é bolsonarista e está solto. Chancelado pelas urnas e
capitalizado pelo orçamento secreto, virá ainda mais agressivo, senhor do
cofre. E seus expoentes no Nordeste, lá onde as emendas têm especial efeito,
ficaram livres para usar a força econômica a favor de Bolsonaro.
O presidente precisará dessa ajuda; de que
seus liras radicalizem os costumes que fundamentam a sociedade. A porteira
arrombada pela PEC Kamikaze dá passagem. A ladeira é íngreme, mas escalável.
Bolsonaro vai passar nova boiada de bondades.
Bolsonaro pode ampliar a vantagem no
Centro-Sul, e terá a máquina ora liberada dos reeleitos Zema e Castro. Pode
crescer em São Paulo. Tal esforço será insuficiente se não tirar algo da frente
que Lula abriu no Nordeste. Não convém subestimar as chances de fazê-lo.
Veja-se o que indica a eleição de Rogério Marinho – ex-ministro da pasta-eixo
do orçamento secreto – ao Senado pelo Rio Grande do Norte. Ganhou com
tranquilidade num estado em que Lula venceu firmemente.
Fato: os parlamentares bolsonaristas
eleitos no Nordeste não precisam mais temer a força do ex-presidente contra
seus planos eleitorais. Poderão prometer, orçamento secreto em mãos, por
Bolsonaro. O jogo está aberto.
O orçamento secreto venceu...
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