terça-feira, 18 de outubro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Debate foi mais civilizado, não mais propositivo

O Globo

Brasileiros já sabem quem são e o que fizeram Lula e Bolsonaro. Precisam saber o que farão no futuro

O primeiro debate do segundo turno entre os candidatos à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), promovido por um pool de veículos liderado pela Band, foi mais civilizado do que se imaginava diante da guerra suja conflagrada na campanha. Não deixa de ser um avanço. Mesmo assim, se o eleitor pretendia esclarecer dúvidas para decidir, consolidar ou mudar seu voto, é provável que tenha saído frustrado. Fora as reiteradas vezes em que um chamou o outro de “mentiroso”, Lula e Bolsonaro falaram mais do passado que de seus projetos para o futuro governo.

A economia foi relegada a segundo plano. Instado por Bolsonaro, Lula mais uma vez se negou a dizer quem será seu ministro ou a detalhar seus planos para a área. Ao responder a questionamento sobre a corrupção na Petrobras, reiterou sua posição equivocada sobre a necessidade de manter refinarias em poder do Estado e defendeu o indefensável desperdício de bilhões nos governos petistas com programas megalomaníacos que jamais saíram do papel. Quanto ao teto de gastos, apesar de ambos já terem manifestado intenção de acabar com a única âncora fiscal que resta ao país, nenhum dos dois explicou o que será colocado no lugar.

A educação foi objeto de abordagem superficial. Lula limitou-se a inquirir Bolsonaro sobre quantas universidades havia feito, como se quantidade equivalesse a qualidade. Ambos ficaram devendo uma resposta consistente sobre um problema crucial: como recuperar os estragos no ensino depois de quase dois anos de escolas fechadas. Lula prometeu reunir governadores e prefeitos em mutirão, uma proposta genérica. Bolsonaro pôs-se a falar num aplicativo de alfabetização e a atacar Paulo Freire — fetiche ideológico do bolsonarismo —, fugindo à questão.

De saúde, falou-se mais da pandemia e nada das deficiências do SUS. A segurança só apareceu nos delírios em que Bolsonaro tentou associar o rival a uma facção criminosa. Em relação aos programas sociais, ambos prometeram manter o Auxílio Brasil em R$ 600, mas sem dizer de onde tirarão a verba, que não está no Orçamento de 2023.

Numa campanha marcada pela desinformação, os dois evitaram se comprometer com o combate às fake news. Era uma oportunidade para condenar a guerra suja travada com acusações de pedofilia, canibalismo, satanismo, cumplicidade com criminosos e outras baixarias. Sinal de que, nestas duas semanas, o nível pode descer ainda mais.

Num raro momento relevante para o futuro, os dois se comprometeram a não ampliar nem mexer na composição do Supremo, ao contrário do que sugeriram aliados de Bolsonaro depois do primeiro turno, em tentativa velada de tentar controlar a Corte. Lula lembrou que o expediente foi adotado na ditadura militar e disse que a mudança seria “um retrocesso que a sociedade brasileira já conhece”. Bolsonaro afirmou que o projeto tinha o apoio de 40 deputados do PT e foi taxativo: “Da minha parte está feito o compromisso. Não terá nenhuma proposta, como nunca estudei isso com profundidade”.

Nas duas semanas que faltam, os candidatos deveriam aprofundar os planos que ainda fazem papel coadjuvante na campanha. A gestão desastrosa da pandemia sob Bolsonaro ou superlativos casos de corrupção nos governos petistas que dominaram o debate são amplamente conhecidos. Os brasileiros precisam saber o que será feito a partir de 1º de janeiro.

TSE precisa equilibrar cerco a fake news e zelo pela liberdade de expressão

O Globo

PT acusa emissora de privilegiar Bolsonaro e alega que rede bolsonarista promove desinformação

Diante da profusão de fake news, ambas as campanhas presidenciais têm entrado com ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) alegando uso indevido de meios de comunicação para disseminar desinformação. Uma ação do PT acusa a emissora de rádio e TV Jovem Pan de dar tratamento privilegiado ao rival, Jair Bolsonaro (PL), e de ter se tornado “o braço mais estridente do bolsonarismo”. Outra ação atribui a Bolsonaro, três de seus filhos e 77 figuras ligadas ao bolsonarismo o uso de sites e perfis on-line para “promover e propagar a desinformação sob o contexto eleitoral”. Tais ações mais uma vez impõem à Justiça o desafio de equilibrar o combate às fake news e a proteção à liberdade de expressão.

Em decisão sobre a primeira dessas ações, o relator, ministro Benedito Gonçalves, abriu investigação contra a emissora, embora tenha negado as medidas liminares solicitadas pela campanha do PT. Em sua justificativa, ele afirmou que “comentaristas da Jovem Pan (…) persistem na divulgação de afirmações falsas sobre fatos (coisa que difere da legítima opinião que possam ter sobre a realidade)”. Mas recusou tomar qualquer medida sem que antes a investigação especificasse “a conduta a ser praticada ou da qual tenha que se abster o destinatário da ordem”. Para Gonçalves, é importante aprofundar a discussão sobre o conceito de isonomia previsto na lei eleitoral.

É evidente que uma emissora ou qualquer empresa que pratique atividade jornalística deve se abster de divulgar propositalmente informações que saiba ser falsas ou inverídicas. Além disso, no caso específico da radiodifusão, por mais que isso não corresponda à prática em democracias maduras ou à situação ideal, a lei brasileira exige isonomia de tratamento das diversas candidaturas — e cumprir essa determinação em sua programação jornalística é dever e preocupação de toda emissora que se preze.

Ao mesmo tempo, a proteção da Constituição à liberdade de expressão abarca o direito a manifestar todo tipo de opinião, mesmo as mais abjetas, desprezíveis ou degradantes. Como escreveu o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, no acórdão da ação em que o Supremo Tribunal Federal garantiu, em 2018, a veiculação de sátira e humor nas eleições, “o direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que mesmo as declarações errôneas estão sob a guarda dessa garantia constitucional”.

O essencial, ao debruçar-se sobre as demandas do PT, é que o TSE saiba equilibrar as exigências legais, de modo a alcançar o ideal expresso por Moraes: “Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes”.

Outra conversa

Folha de S. Paulo

Civilidade e bom formato valorizam debate com poucas ideias de Lula e Bolsonaro

Numa campanha dominada há semanas pela guerra suja da arena digital, o primeiro debate do segundo turno da eleição presidencial tinha tudo para ser contaminado pelo baixo nível.

Felizmente, os oponentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) souberam evitar o pior no encontro deste domingo (17), organizado por um grupo de veículos formado por Folha, UOL, Bandeirantes e TV Cultura.

O formato inovador do evento, em que os candidatos tiveram liberdade para escolher assuntos e puderam administrar o próprio tempo, deu dinamismo ao embate e permitiu maior exposição de suas ideias e críticas mútuas.

As perguntas a cargo dos dois postulantes seguiram o roteiro previsível ensaiado com seus estrategistas, mas jornalistas profissionais tiveram oportunidade de fazer questionamentos incisivos, tirando ambos da zona de conforto, embora não das evasivas.

Eleitores que desejam saber mais sobre os planos do presidente e do ex-presidente para o futuro do país decerto ficaram frustrados com a superficialidade de muitas respostas, mas puderam conhecer melhor os contendores e suas diferenças.

Como ambos enfrentam elevadas taxas de rejeição, Lula e Bolsonaro investiram bastante no desgaste do adversário, revisitando velhos temas com o objetivo de salientar as fraquezas do outro diante dos votantes ainda indecisos.

Lula usou de maneira eficaz o expediente ao criticar a atuação do mandatário no enfrentamento da Covid-19 e apontar sua negligência com as vacinas como responsável por milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas.

Bolsonaro alcançou efeito similar ao questionar o rival sobre escândalos de corrupção do passado. Lula soou mais uma vez pouco assertivo ao tratar do problema —e perdeu a chance de cobrar do atual chefe de Estado as explicações que ele também deve nessa seara.

Ambos tergiversaram quando questionados sobre as estratégias que pretendem seguir para restaurar o equilíbrio das contas públicas e obter os recursos necessários para custear benefícios sociais e investimentos prometidos, a todo momento, na campanha eleitoral.

Lula ignorou a pergunta do adversário sobre quem será seu ministro da Economia se vencer. Bolsonaro falsificou dados sobre desmatamento descaradamente, em vez de explicar o aumento da devastação da Amazônia em sua gestão.

Indagados sobre a desinformação na campanha eleitoral e o que poderia ser feito para conter sua propagação nas redes sociais, ambos preferiram fustigar o adversário —e nenhum dos dois pôde oferecer alguma sugestão.

Com dezenas de publicações removidas da internet por ordem da Justiça Eleitoral na campanha, Lula e Bolsonaro poderiam ter apresentado ao eleitor mais ideias, diagnósticos e propostas. Ainda assim, o tom em geral civilizado com que discutiram suas divergências desta vez deve ser reconhecido.

Desvio de rota

Folha de S. Paulo

Polícia Rodoviária Federal reduz foco na segurança das vias, seu papel de origem

Policiais rodoviários federais têm focado cada vez menos no que deveria ser o cerne do trabalho da corporação —o patrulhamento das rodovias da União.

Há fartas evidências nesse sentido. No período de 2018 a 2021, caíram quase pela metade as infrações de velocidade (de 4,8 milhões para 2,6 milhões). Também houve redução em mais de 80% no número de testes que detectam a presença de álcool no sangue realizados pela PRF (de 1,7 milhão em 2018 para 299 mil em 2022).

Isso se dá por uma série de motivos. Recentes reformas na lei buscam gerar ambiguidade quanto ao papel do órgão, apesar de a Constituição estabelecer de forma cristalina que é a fiscalização de estradas.

Uma portaria, editada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro em 2019, autorizou a PRF a integrar operações conjuntas com outras forças de segurança e a cumprir mandados de busca e apreensão. Trata-se de um desvirtuamento.

Tal alteração legal ocorre em contexto de mudança na cultura interna da corporação, que tem se voltado também para ações como as de combate às drogas ao lado de forças de segurança estaduais.

Policiais rodoviários participaram de operações como a da Vila Cruzeiro (RJ), com 23 mortos, e em Varginha (MG), com 26. Em junho deste ano, agentes de Umbaúba (SE) mataram Genivaldo de Jesus Santos por asfixia em uma viatura.

Desde que assumiu o governo, em 2019, Jair Bolsonaro (PL) tem investido no controle da corporação. Em 2020, o presidente chegou a demitir Adriano Furtado do posto de diretor-geral da PRF, após uma nota do órgão lamentando a morte de um servidor devido à Covid-19.

Nas duas gestões seguintes, de Eduardo Aggio de Sá e do atual diretor, Silvinei Vasques, Bolsonaro visitou por diversas vezes postos da instituição, exibindo sua proximidade com parte da categoria.

Ao estilo do mandatário, a Polícia Rodoviária Federal assume um perfil mais combatente e menos fiscalizatório —à diferença de como originalmente foi concebida. Quem sofre com essa mudança é a população, com estradas menos seguras e mais suscetíveis a acidentes que poderiam ser evitados.

O desalento da juventude

O Estado de S. Paulo

Maioria dos jovens de 15 a 29 anos deseja sair do Brasil. E até agora, nem Lula nem Bolsonaro apresentarampropostas para resgatar a esperança desses jovens no País

O Brasil não se descortina como um país promissor para a grande maioria dos jovens entre 15 e 29 anos na próxima década, de acordo com uma pesquisa Datafolha divulgada na semana passada. O que é isso, afinal, se não um atestado de incompetência de sucessivos governos nos últimos anos? O resultado da pesquisa revela que todas as administrações mais recentes, em maior ou menor grau, foram incapazes de compreender que o nível de atenção às necessidades das novas gerações está fundamentalmente ligado ao nível de desenvolvimento social, político e econômico do País.

De acordo com a pesquisa Datafolha, 67% dos jovens entre 15 e 29 anos têm esperança de que sua situação pessoal estará “muito melhor” nos próximos dez anos – 65% acham o mesmo em relação à sua situação financeira, especificamente. No entanto, apenas 25% desses jovens acreditam que o Brasil seguirá a mesma trajetória auspiciosa na próxima década.

O resultado dessa profunda desconexão entre as aspirações dos mais jovens e a crença que eles têm no potencial do Brasil para oferecer-lhes as condições para seu desenvolvimento pessoal pode ser medido pelo número de jovens que não veem o seu futuro diretamente atrelado ao futuro do País. A grande maioria dos jovens entre 15 e 29 anos ouvidos pelo Datafolha (76%) afirma ter “muita” ou “alguma vontade” de sair do Brasil. É extremamente preocupante constatar que o País segue incapaz de transmitir esperança aos mais jovens.

O desalento da juventude não é novo. Há pelo menos dez anos, este jornal tem alertado para o risco de negligenciar os cuidados com as novas gerações, especialmente com a sua educação. No editorial A geração nem-nem (26/9/2012), alertávamos que a mão de obra com um mínimo de competência técnica começava a escassear, e que esse processo dramático, letal para o desenvolvimento do País, seria acelerado se não houvesse “uma virada drástica e imediata no sistema educacional, de modo a atrair novamente essa massa de jovens para os estudos e a especialização, fazendo-os perceber que a educação pode significar um futuro melhor”.

A “virada drástica” na educação não veio, como se viu. Políticas públicas voltadas à formação humana e profissional dos mais jovens vieram aos solavancos, muitas vezes interrompidas ou modificadas a cada ciclo eleitoral. Chegou-se ao paroxismo no curso do governo de Jair Bolsonaro – que entrará para a história como o governo que dizimou o Ministério da Educação em nome de seus interesses eleitorais.

O resultado aí está: apenas uma minoria dos entrevistados pelo Datafolha (19%) acredita que “estudar é a única forma de ter mais renda no futuro”. Outros 13% disseram que estudar é “uma das formas”, mas não “a melhor forma” de melhorar a situação financeira. Evidentemente, a educação formal não é, de fato, a única força propulsora do desenvolvimento profissional e financeiro de um indivíduo. No entanto, quando um número tão alto de jovens não vê os estudos como uma base sólida para seu crescimento pessoal, isso significa que há uma crise de desconfiança na capacidade do Estado de oferecer uma educação pública de qualidade para quem precisa. É melancólico, mas não surpreende que apenas para 8% dos jovens entre 15 e 29 anos o término da formação escolar seja sua maior aspiração.

“Não há melhor preditor do futuro do País do que o universo dos jovens de hoje”, afirmaram em junho do ano passado os pesquisadores da FGV Social, a propósito da publicação da pesquisa Jovens: Projeções Populacionais, Percepções e Políticas Públicas.

O Atlas da Juventude, realizado pelas redes de organizações Em Movimento e Pacto das Juventudes pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em parceria com a FGV Social, também tem mostrado periodicamente que a descrença dos brasileiros mais jovens em relação ao País é uma das grandes barreiras para um futuro mais promissor.

Daqui a pouco menos de 15 dias, os brasileiros voltarão às urnas para escolher o próximo presidente da República e, lamentavelmente, nem o petista Lula da Silva nem o presidente Jair Bolsonaro apresentaram propostas concretas para resgatar a confiança dos mais jovens no Brasil que eles pretendem governar.

Um debate medíocre

O Estado de S. Paulo

O futuro do País fica em segundo plano. Valoriza-se a estratégia de tornar o adversário mais odiável para o eleitor

O nível da campanha para a Presidência é tão baixo que o eleitor sente alívio e até se surpreende com um debate morno, quase insípido, como o travado anteontem, na TV Band, entre o presidente Jair Bolsonaro e o petista Lula da Silva. Não houve nenhuma escalada de acusações – apenas as antigas e sabidas –, o que fez com que fosse considerado um debate razoável. Alguns chegaram a falar em “melhor debate” até aqui.

Ora, se este foi o “melhor debate”, difícil saber como será o pior. A troca de ofensas e xingamentos entre Lula e Bolsonaro até pode ter sido considerada civilizada, quando se considera a expectativa de que o País testemunharia uma rinha de galos. No entanto, se um debate serve para ter alguma ideia de como será o governo dos candidatos, este foi uma completa perda de tempo. Ali não ficou clara quase nenhuma ideia sobre o que Lula e Bolsonaro pretendem fazer caso sejam eleitos. Ou seja, os candidatos não foram capazes de comunicar ao eleitorado o ponto fundamental de toda eleição.

Segundo levantamento do Estadão, de um total de 92 minutos de debate, míseros 4 minutos e 25 segundos foram dedicados a discutir planos de mudança reais: o candidato do PT debateu projetos por 3 minutos e 45 segundos, e o do PL, por 58 segundos. Como se vê, o futuro do País é um tanto desimportante para os dois.

A ausência de propostas e de um diagnóstico mínimo sobre os problemas nacionais é um aspecto especialmente frustrante do atual cenário político. Por exemplo, Bolsonaro relembrou os escândalos de corrupção dos governos petistas, mas, mesmo a respeito desse tema – que, a princípio, seria importante para sua campanha eleitoral –, foi incapaz de dizer o que fará para aprimorar a prevenção e a investigação de crimes contra a administração pública. Além disso, malgrado sua bandeira anticorrupção, Bolsonaro até aqui foi incapaz de explicar os indícios de lavagem de dinheiro na compra de imóveis por seus familiares nem os escândalos do Ministério da Educação.

Os temas são mencionados apenas para desgastar o adversário, e não como se demandassem políticas públicas concretas. Ou seja, é um debate em que o eleitor – o grande protagonista de uma campanha eleitoral – é alijado dos temas que realmente importam para se tornar refém de uma dinâmica que nada tem a ver com o País. É mera competição para tornar o outro candidato mais odiável aos olhos do público.

O debate é também frustrante pela resposta que cada um dos candidatos dá aos assuntos. Por exemplo, ao ser questionado sobre a corrupção nos governos petistas, Lula não ofereceu ao eleitor nenhuma medida nova, nenhum compromisso novo sobre o tema. Apresentou a mesma ladainha de sempre. Sobre os desafios da educação no pós-pandemia, Bolsonaro falou em aplicativo de celular para alfabetização. É assim que eles desejam conquistar a confiança da população?

Em vez de espaço de debate das questões nacionais, essa campanha tem sido pródiga em ataques pessoais e em falsos problemas. De satanismo a pedofilia, o cardápio de temas irrelevantes é extenso. Coitado do eleitor.

A indústria declina, e o País ignora

O Estado de S. Paulo

Essencial para a modernização e o crescimento da economia, setor manufatureiro continua a perder posições nos rankings internacionais, mas o debate político não dá a devida atenção

Mais do que reafirmar uma preocupante tendência de declínio observada há quase três décadas, a perda, pela indústria brasileira, de mais uma posição no ranking mundial em 2021 mostra a urgência de respostas do País. É preciso criar as condições para a recuperação da competitividade do setor manufatureiro e a retomada de seu papel essencial na modernização e no crescimento da economia. É desolador, no entanto, que, em plena campanha eleitoral, temas essenciais para o crescimento sustentado, que exige a restauração do papel da indústria, sejam ignorados pelos candidatos que disputam o segundo turno da eleição presidencial. O Brasil real não é alcançado pelos holofotes de seus marqueteiros nem parece ocupar espaço entre suas preocupações.

O País tem demonstrado baixa capacidade de resistência ao declínio da indústria, tanto na comparação com a de outros países como em relação a outros setores da economia. Em seu relatório Desempenho da Indústria no Mundo, baseado em dados da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a participação da produção industrial brasileira na produção mundial diminuiu de 1,31% do total em 2020 para 1,28% em 2021. Por isso, o Brasil foi ultrapassado pela Turquia e agora ocupa a 15.ª posição entre os maiores produtores industriais do mundo.

O Brasil vem perdendo posições na indústria mundial pelo menos desde meados da década de 1990. Em 1996, por exemplo, a participação da produção industrial brasileira na produção mundial alcançava 2,55% do total, o dobro da registrada no ano passado.

A despeito do declínio, o Brasil conseguiu manter sua posição entre as 10 maiores economias industriais até 2014. Foi o começo de um período de dificuldades para a indústria brasileira e para toda a economia nacional que, com oscilações e algumas características novas, persiste até hoje. A recessão de 2014 a 2016 fez o Brasil perder posições para outros países, como México e Indonésia. A persistência da crise fez o Brasil continuar a perder posições, desta vez para Taiwan e Rússia.

Quanto às exportações, a participação do Brasil até cresceu entre 2020 e 2021, de 0,77% para 0,81% do total, mas outros países que estavam atrás na classificação tiveram desempenho melhor. Por isso, o Brasil caiu do 30.º para o 31.º lugar entre os maiores exportadores.

Os números mostram uma persistente e dramática perda de competitividade da indústria brasileira. “Precisamos de uma estratégia nacional de comércio exterior, que encare os velhos desafios de competitividade, como a burocracia e os resíduos tributários nas exportações, e, ao mesmo tempo, amplie e aprimore nossas redes de acordos comerciais”, avalia a gerente de Comércio e Integração Internacional da CNI, Constanza Negri.

Em suas palavras estão sintetizados alguns velhos e alguns recentes problemas que afetam as exportações e a competitividade do produto brasileiro. Burocracia excessiva, tributação ainda pesada, falta de acordos comerciais são, de fato, grandes obstáculos ao aumento das exportações de bens industriais. O total desprezo do atual governo pelas negociações internacionais piorou o quadro.

Mas a perda da competitividade e a redução da presença da indústria brasileira no cenário mundial retratam também outros problemas graves cujo enfrentamento exige, em primeiro lugar, políticas públicas adequadas. A transformação por que passa a indústria em todo o mundo exige cada vez mais investimentos em inovação, o que depende de ambiente e estímulos adequados. Exige também mão de obra cada vez mais criativa e cada vez mais preparada para o desempenho de múltiplas funções, cada vez mais complexas.

A pandemia atrasou a formação dos jovens. É necessário recuperá-la para que não se condene o futuro de milhões de brasileiros. A perda de competitividade da economia brasileira acrescenta novos desafios ao próximo governo, e seria bom que os candidatos a presidente ao menos se dessem conta disso.

Piora em ranking de corrupção prejudica a imagem do Brasil

Valor Econômico

Grandes players do mercado internacional como a UE, EUAs e membros da OCDE evitam aprofundar o relacionamento com países com classificação ruim

O Brasil sofreu novo revés na avaliação internacional em seu compromisso de enfrentar a corrupção. O retrocesso torna mais distante a promessa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de promover a entrada do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômica (OCDE) para facilitar os negócios internacionais, e põe em xeque a afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que não há corrupção em seu governo.

Relatório global sobre medidas de combate à corrupção produzido pela organização sem fins lucrativos Transparência Internacional rebaixou o Brasil. A análise avalia se o país cumpre os requisitos da Convenção Antissuborno da OCDE, que busca evitar que empresas de um país paguem propina quando operam internacionalmente. O cumprimento da convenção é um dos requisitos para a entrada nesse seleto clube da OCDE.

O Brasil aderiu à convenção há 20 anos, e vinha melhorando seus indicadores desde a segunda metade da década passada. Em 2018, subiu para a classificação “moderada”. Mas o progresso foi interrompido por diversas medidas do governo de Bolsonaro que deixaram a comunidade internacional desconfiada. Neste ano acabou caindo para “limitado”, com a piora na percepção internacional a respeito do país. A mesma classificação é atribuída a países vizinhos como Argentina, Chile e Peru.

A Transparência Internacional justificou que o governo de Jair Bolsonaro enfraqueceu os órgãos de controle, interferindo no seu trabalho. Entre as ações de Bolsonaro citadas estão a troca por quatro vezes do diretor-geral da Polícia Federal; e a interferência, dentro do Ministério da Justiça, no Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) no caso da ordem de extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O alinhamento do procurador-geral da República, Augusto Aras, ao governo Bolsonaro também teve consequências, dada sua propensão a abortar investigações e inquéritos relacionados ao Executivo. O relatório menciona igualmente a extinção das forças-tarefa dentro do Ministério Público Federal, promovida por Aras, sem a substituição por um modelo adequado ou o aperfeiçoamento do existente. Investigadores que atuaram em grandes casos de corrupção, como o da Lava Jato, foram punidos pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o que enfraqueceu a independência dos órgãos de controle. O Supremo Tribunal Federal (STF) foi considerado parcialmente culpado por ter decidido enviar parte dos casos de corrupção para a Justiça Eleitoral, o que resultou na lentidão das apurações e na anulação de provas.

Antes do rebaixamento no cumprimento da convenção, o Brasil Já havia caído no ranking mundial de percepção de corrupção referente a 2021, divulgado no início deste ano pela Transparência Internacional. O país passou a ocupar o 96º lugar, a terceira pior posição em sua série histórica, iniciada em 2012. A melhor pontuação alcançada pelo país foi nos anos de 2012 e 2014, com 43 pontos, quando ocupou o 69º lugar. Agora, o Brasil ficou abaixo da média global, que é de 43 pontos, e da média regional da América Latina e Caribe, de 41 pontos.

As próximas avaliações podem ainda piorar dado que devem levar em conta iniciativas do governo como o orçamento secreto e o sigilo de 100 anos para situações suspeitas como as visitas dos pastores envolvidos no esquema de liberação de recursos do Fundo Nacional de Educação (FNDE). O orçamento secreto já foi alvo de documento da Transparência Internacional que o incluiu entre “marcos legais e institucionais” do Executivo, do Legislativo e do Judiciário danosos ao combate à corrupção no Brasil.

Não se trata de uma competição apenas por uma boa colocação em mais um índice global. O índice de percepção da corrupção indica quando há espaço para violações dos direitos humanos e das liberdades individuais. E tem consequências também na economia dado que grandes players do mercado internacional como a União Europeia, Estados Unidos e membros da OCDE evitam aprofundar o relacionamento com países com uma classificação ruim. A OCDE, por exemplo, e países da União Europeia têm estabelecido crescentes exigências de seus parceiros comerciais não apenas em relação a desmatamento e redução das emissões de carbono, mas também de combate à corrupção.


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