Editoriais / Opiniões
Debate foi mais civilizado, não mais
propositivo
O Globo
Brasileiros já sabem quem são e o que
fizeram Lula e Bolsonaro. Precisam saber o que farão no futuro
O primeiro debate do segundo turno entre os
candidatos à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL),
promovido por um pool de veículos liderado pela Band, foi mais civilizado do
que se imaginava diante da guerra suja conflagrada na campanha. Não deixa de
ser um avanço. Mesmo assim, se o eleitor pretendia esclarecer dúvidas para
decidir, consolidar ou mudar seu voto, é provável que tenha saído frustrado.
Fora as reiteradas vezes em que um chamou o outro de “mentiroso”, Lula e
Bolsonaro falaram mais do passado que de seus projetos para o futuro governo.
A economia foi relegada a segundo plano. Instado por Bolsonaro, Lula mais uma vez se negou a dizer quem será seu ministro ou a detalhar seus planos para a área. Ao responder a questionamento sobre a corrupção na Petrobras, reiterou sua posição equivocada sobre a necessidade de manter refinarias em poder do Estado e defendeu o indefensável desperdício de bilhões nos governos petistas com programas megalomaníacos que jamais saíram do papel. Quanto ao teto de gastos, apesar de ambos já terem manifestado intenção de acabar com a única âncora fiscal que resta ao país, nenhum dos dois explicou o que será colocado no lugar.
A educação foi objeto de abordagem
superficial. Lula limitou-se a inquirir Bolsonaro sobre quantas universidades
havia feito, como se quantidade equivalesse a qualidade. Ambos ficaram devendo
uma resposta consistente sobre um problema crucial: como recuperar os estragos
no ensino depois de quase dois anos de escolas fechadas. Lula prometeu reunir
governadores e prefeitos em mutirão, uma proposta genérica. Bolsonaro pôs-se a
falar num aplicativo de alfabetização e a atacar Paulo Freire — fetiche
ideológico do bolsonarismo —, fugindo à questão.
De saúde, falou-se mais da pandemia e nada
das deficiências do SUS. A segurança só apareceu nos delírios em que Bolsonaro
tentou associar o rival a uma facção criminosa. Em relação aos programas
sociais, ambos prometeram manter o Auxílio Brasil em R$ 600, mas sem dizer de
onde tirarão a verba, que não está no Orçamento de 2023.
Numa campanha marcada pela desinformação,
os dois evitaram se comprometer com o combate às fake news. Era uma
oportunidade para condenar a guerra suja travada com acusações de pedofilia,
canibalismo, satanismo, cumplicidade com criminosos e outras baixarias. Sinal
de que, nestas duas semanas, o nível pode descer ainda mais.
Num raro momento relevante para o futuro,
os dois se comprometeram a não ampliar nem mexer na composição do Supremo, ao
contrário do que sugeriram aliados de Bolsonaro depois do primeiro turno, em
tentativa velada de tentar controlar a Corte. Lula lembrou que o expediente foi
adotado na ditadura militar e disse que a mudança seria “um retrocesso que a
sociedade brasileira já conhece”. Bolsonaro afirmou que o projeto tinha o apoio
de 40 deputados do PT e foi taxativo: “Da minha parte está feito o compromisso.
Não terá nenhuma proposta, como nunca estudei isso com profundidade”.
Nas duas semanas que faltam, os candidatos
deveriam aprofundar os planos que ainda fazem papel coadjuvante na campanha. A
gestão desastrosa da pandemia sob Bolsonaro ou superlativos casos de corrupção
nos governos petistas que dominaram o debate são amplamente conhecidos. Os
brasileiros precisam saber o que será feito a partir de 1º de janeiro.
TSE precisa equilibrar cerco a fake news e
zelo pela liberdade de expressão
O Globo
PT acusa emissora de privilegiar Bolsonaro
e alega que rede bolsonarista promove desinformação
Diante da profusão de fake news, ambas as
campanhas presidenciais têm entrado com ações no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) alegando uso indevido de meios de comunicação para disseminar
desinformação. Uma ação do PT acusa a emissora de rádio e TV Jovem Pan de dar
tratamento privilegiado ao rival, Jair Bolsonaro (PL), e de ter se tornado “o
braço mais estridente do bolsonarismo”. Outra ação atribui a Bolsonaro, três de
seus filhos e 77 figuras ligadas ao bolsonarismo o uso de sites e perfis
on-line para “promover e propagar a desinformação sob o contexto eleitoral”.
Tais ações mais uma vez impõem à Justiça o desafio de equilibrar o combate às
fake news e a proteção à liberdade de expressão.
Em decisão sobre a primeira dessas ações, o
relator, ministro Benedito Gonçalves, abriu investigação contra a emissora,
embora tenha negado as medidas liminares solicitadas pela campanha do PT. Em
sua justificativa, ele afirmou que “comentaristas da Jovem Pan (…) persistem na
divulgação de afirmações falsas sobre fatos (coisa que difere da legítima
opinião que possam ter sobre a realidade)”. Mas recusou tomar qualquer medida
sem que antes a investigação especificasse “a conduta a ser praticada ou da
qual tenha que se abster o destinatário da ordem”. Para Gonçalves, é importante
aprofundar a discussão sobre o conceito de isonomia previsto na lei eleitoral.
É evidente que uma emissora ou qualquer
empresa que pratique atividade jornalística deve se abster de divulgar
propositalmente informações que saiba ser falsas ou inverídicas. Além disso, no
caso específico da radiodifusão, por mais que isso não corresponda à prática em
democracias maduras ou à situação ideal, a lei brasileira exige isonomia de
tratamento das diversas candidaturas — e cumprir essa determinação em sua
programação jornalística é dever e preocupação de toda emissora que se preze.
Ao mesmo tempo, a proteção da Constituição
à liberdade de expressão abarca o direito a manifestar todo tipo de opinião,
mesmo as mais abjetas, desprezíveis ou degradantes. Como escreveu o ministro
Alexandre de Moraes, presidente do TSE, no acórdão da ação em que o Supremo
Tribunal Federal garantiu, em 2018, a veiculação de sátira e humor nas
eleições, “o direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona
somente a proteger opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou
convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis,
satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias.
Ressalte-se que mesmo as declarações errôneas estão sob a guarda dessa garantia
constitucional”.
O essencial, ao debruçar-se sobre as demandas do PT, é que o TSE saiba equilibrar as exigências legais, de modo a alcançar o ideal expresso por Moraes: “Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes”.
Outra conversa
Folha de S. Paulo
Civilidade e bom formato valorizam debate
com poucas ideias de Lula e Bolsonaro
Numa campanha dominada há semanas
pela guerra suja da
arena digital, o primeiro
debate do segundo turno da eleição presidencial tinha tudo para
ser contaminado pelo baixo nível.
Felizmente, os oponentes Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) souberam evitar o pior no encontro deste
domingo (17), organizado por um grupo de veículos formado por Folha, UOL,
Bandeirantes e TV Cultura.
O formato inovador do evento, em que os
candidatos tiveram liberdade para escolher assuntos e puderam administrar o
próprio tempo, deu dinamismo ao embate e permitiu maior exposição de suas
ideias e críticas mútuas.
As perguntas a cargo dos dois postulantes
seguiram o roteiro previsível ensaiado com seus estrategistas, mas jornalistas
profissionais tiveram oportunidade de fazer questionamentos incisivos, tirando
ambos da zona de conforto, embora não das evasivas.
Eleitores que desejam saber mais sobre os
planos do presidente e do ex-presidente para o futuro do país decerto ficaram
frustrados com a superficialidade de muitas respostas, mas puderam conhecer
melhor os contendores e suas diferenças.
Como ambos enfrentam elevadas taxas de
rejeição, Lula e Bolsonaro investiram bastante no desgaste do adversário,
revisitando velhos temas com o objetivo de salientar as fraquezas do outro
diante dos votantes ainda indecisos.
Lula usou de maneira eficaz o expediente ao
criticar a atuação do mandatário no enfrentamento da Covid-19 e apontar sua
negligência com as vacinas como responsável por milhares de mortes que poderiam
ter sido evitadas.
Bolsonaro alcançou efeito similar ao
questionar o rival sobre escândalos de corrupção do passado. Lula soou mais uma
vez pouco assertivo ao tratar do problema —e perdeu a chance de cobrar do atual
chefe de Estado as explicações que ele também deve nessa seara.
Ambos tergiversaram quando questionados
sobre as estratégias que pretendem seguir para restaurar o equilíbrio das
contas públicas e obter os recursos necessários para custear benefícios sociais
e investimentos prometidos, a todo momento, na campanha eleitoral.
Lula ignorou a pergunta do adversário sobre
quem será seu ministro da Economia se vencer. Bolsonaro falsificou dados sobre
desmatamento descaradamente, em vez de explicar o aumento da devastação da
Amazônia em sua gestão.
Indagados sobre a desinformação na campanha
eleitoral e o que poderia ser feito para conter sua propagação nas redes
sociais, ambos preferiram fustigar o adversário —e nenhum dos dois pôde
oferecer alguma sugestão.
Com dezenas de publicações removidas da
internet por ordem da Justiça Eleitoral na campanha, Lula e Bolsonaro poderiam
ter apresentado ao eleitor mais ideias, diagnósticos e propostas. Ainda assim,
o tom em geral civilizado com que discutiram suas divergências desta vez deve
ser reconhecido.
Desvio de rota
Folha de S. Paulo
Polícia Rodoviária Federal reduz foco na
segurança das vias, seu papel de origem
Policiais rodoviários federais têm focado
cada vez menos no que deveria ser o cerne do trabalho da corporação —o
patrulhamento das rodovias da União.
Há fartas
evidências nesse sentido. No período de 2018 a 2021, caíram quase
pela metade as infrações de velocidade (de 4,8 milhões para 2,6 milhões).
Também houve redução em mais de 80% no número de testes que detectam a presença
de álcool no sangue realizados pela PRF (de 1,7 milhão em 2018 para 299 mil em
2022).
Isso se dá por uma série de motivos.
Recentes reformas na lei buscam gerar ambiguidade quanto ao papel do órgão,
apesar de a Constituição estabelecer de forma cristalina que é a fiscalização
de estradas.
Uma portaria, editada pelo ex-ministro da
Justiça Sergio Moro em 2019, autorizou a PRF a integrar operações conjuntas com
outras forças de segurança e a cumprir mandados de busca e apreensão. Trata-se
de um desvirtuamento.
Tal alteração legal ocorre em contexto de
mudança na cultura interna da corporação, que tem se voltado também para ações
como as de combate às drogas ao lado de forças de segurança estaduais.
Policiais rodoviários participaram de
operações como a da Vila Cruzeiro (RJ), com 23 mortos, e em Varginha (MG), com
26. Em junho deste ano, agentes de Umbaúba (SE) mataram
Genivaldo de Jesus Santos por asfixia em uma viatura.
Desde que assumiu o governo, em 2019, Jair
Bolsonaro (PL) tem investido no controle da corporação. Em 2020, o presidente
chegou a demitir Adriano Furtado do posto de diretor-geral da PRF, após uma
nota do órgão lamentando a morte de um servidor devido à Covid-19.
Nas duas gestões seguintes, de Eduardo
Aggio de Sá e do atual diretor, Silvinei Vasques, Bolsonaro visitou por
diversas vezes postos da instituição, exibindo sua proximidade com parte da
categoria.
Ao estilo do mandatário, a Polícia Rodoviária Federal assume um perfil mais combatente e menos fiscalizatório —à diferença de como originalmente foi concebida. Quem sofre com essa mudança é a população, com estradas menos seguras e mais suscetíveis a acidentes que poderiam ser evitados.
O desalento da juventude
O Estado de S. Paulo
Maioria dos jovens de 15 a 29 anos deseja sair do Brasil. E até agora, nem Lula nem Bolsonaro apresentarampropostas para resgatar a esperança desses jovens no País
O Brasil não se descortina como um país
promissor para a grande maioria dos jovens entre 15 e 29 anos na próxima
década, de acordo com uma pesquisa Datafolha divulgada na semana passada. O que
é isso, afinal, se não um atestado de incompetência de sucessivos governos nos
últimos anos? O resultado da pesquisa revela que todas as administrações mais
recentes, em maior ou menor grau, foram incapazes de compreender que o nível de
atenção às necessidades das novas gerações está fundamentalmente ligado ao
nível de desenvolvimento social, político e econômico do País.
De acordo com a pesquisa Datafolha, 67% dos
jovens entre 15 e 29 anos têm esperança de que sua situação pessoal estará
“muito melhor” nos próximos dez anos – 65% acham o mesmo em relação à sua
situação financeira, especificamente. No entanto, apenas 25% desses jovens
acreditam que o Brasil seguirá a mesma trajetória auspiciosa na próxima década.
O resultado dessa profunda desconexão entre
as aspirações dos mais jovens e a crença que eles têm no potencial do Brasil
para oferecer-lhes as condições para seu desenvolvimento pessoal pode ser
medido pelo número de jovens que não veem o seu futuro diretamente atrelado ao
futuro do País. A grande maioria dos jovens entre 15 e 29 anos ouvidos pelo
Datafolha (76%) afirma ter “muita” ou “alguma vontade” de sair do Brasil. É
extremamente preocupante constatar que o País segue incapaz de transmitir
esperança aos mais jovens.
O desalento da juventude não é novo. Há
pelo menos dez anos, este jornal tem alertado para o risco de negligenciar os
cuidados com as novas gerações, especialmente com a sua educação. No
editorial A geração nem-nem (26/9/2012), alertávamos que a mão de
obra com um mínimo de competência técnica começava a escassear, e que esse
processo dramático, letal para o desenvolvimento do País, seria acelerado se
não houvesse “uma virada drástica e imediata no sistema educacional, de modo a
atrair novamente essa massa de jovens para os estudos e a especialização,
fazendo-os perceber que a educação pode significar um futuro melhor”.
A “virada drástica” na educação não veio,
como se viu. Políticas públicas voltadas à formação humana e profissional dos
mais jovens vieram aos solavancos, muitas vezes interrompidas ou modificadas a
cada ciclo eleitoral. Chegou-se ao paroxismo no curso do governo de Jair
Bolsonaro – que entrará para a história como o governo que dizimou o Ministério
da Educação em nome de seus interesses eleitorais.
O resultado aí está: apenas uma minoria dos
entrevistados pelo Datafolha (19%) acredita que “estudar é a única forma de ter
mais renda no futuro”. Outros 13% disseram que estudar é “uma das formas”, mas
não “a melhor forma” de melhorar a situação financeira. Evidentemente, a
educação formal não é, de fato, a única força propulsora do desenvolvimento
profissional e financeiro de um indivíduo. No entanto, quando um número tão
alto de jovens não vê os estudos como uma base sólida para seu crescimento
pessoal, isso significa que há uma crise de desconfiança na capacidade do
Estado de oferecer uma educação pública de qualidade para quem precisa. É
melancólico, mas não surpreende que apenas para 8% dos jovens entre 15 e 29
anos o término da formação escolar seja sua maior aspiração.
“Não há melhor preditor do futuro do País
do que o universo dos jovens de hoje”, afirmaram em junho do ano passado os
pesquisadores da FGV Social, a propósito da publicação da pesquisa Jovens:
Projeções Populacionais, Percepções e Políticas Públicas.
O Atlas da Juventude, realizado pelas
redes de organizações Em Movimento e Pacto das Juventudes pelos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável, em parceria com a FGV Social, também tem mostrado
periodicamente que a descrença dos brasileiros mais jovens em relação ao País é
uma das grandes barreiras para um futuro mais promissor.
Daqui a pouco menos de 15 dias, os
brasileiros voltarão às urnas para escolher o próximo presidente da República
e, lamentavelmente, nem o petista Lula da Silva nem o presidente Jair Bolsonaro
apresentaram propostas concretas para resgatar a confiança dos mais jovens no
Brasil que eles pretendem governar.
Um debate medíocre
O Estado de S. Paulo
O futuro do País fica em segundo plano. Valoriza-se a estratégia de tornar o adversário mais odiável para o eleitor
O nível da campanha para a Presidência é
tão baixo que o eleitor sente alívio e até se surpreende com um debate morno,
quase insípido, como o travado anteontem, na TV Band, entre o presidente Jair
Bolsonaro e o petista Lula da Silva. Não houve nenhuma escalada de acusações –
apenas as antigas e sabidas –, o que fez com que fosse considerado um debate
razoável. Alguns chegaram a falar em “melhor debate” até aqui.
Ora, se este foi o “melhor debate”, difícil
saber como será o pior. A troca de ofensas e xingamentos entre Lula e Bolsonaro
até pode ter sido considerada civilizada, quando se considera a expectativa de
que o País testemunharia uma rinha de galos. No entanto, se um debate serve
para ter alguma ideia de como será o governo dos candidatos, este foi uma
completa perda de tempo. Ali não ficou clara quase nenhuma ideia sobre o que
Lula e Bolsonaro pretendem fazer caso sejam eleitos. Ou seja, os candidatos não
foram capazes de comunicar ao eleitorado o ponto fundamental de toda eleição.
Segundo levantamento do Estadão, de um
total de 92 minutos de debate, míseros 4 minutos e 25 segundos foram dedicados
a discutir planos de mudança reais: o candidato do PT debateu projetos por 3
minutos e 45 segundos, e o do PL, por 58 segundos. Como se vê, o futuro do País
é um tanto desimportante para os dois.
A ausência de propostas e de um diagnóstico
mínimo sobre os problemas nacionais é um aspecto especialmente frustrante do
atual cenário político. Por exemplo, Bolsonaro relembrou os escândalos de
corrupção dos governos petistas, mas, mesmo a respeito desse tema – que, a
princípio, seria importante para sua campanha eleitoral –, foi incapaz de dizer
o que fará para aprimorar a prevenção e a investigação de crimes contra a
administração pública. Além disso, malgrado sua bandeira anticorrupção,
Bolsonaro até aqui foi incapaz de explicar os indícios de lavagem de dinheiro
na compra de imóveis por seus familiares nem os escândalos do Ministério da
Educação.
Os temas são mencionados apenas para desgastar
o adversário, e não como se demandassem políticas públicas concretas. Ou seja,
é um debate em que o eleitor – o grande protagonista de uma campanha eleitoral
– é alijado dos temas que realmente importam para se tornar refém de uma
dinâmica que nada tem a ver com o País. É mera competição para tornar o outro
candidato mais odiável aos olhos do público.
O debate é também frustrante pela resposta
que cada um dos candidatos dá aos assuntos. Por exemplo, ao ser questionado
sobre a corrupção nos governos petistas, Lula não ofereceu ao eleitor nenhuma
medida nova, nenhum compromisso novo sobre o tema. Apresentou a mesma ladainha
de sempre. Sobre os desafios da educação no pós-pandemia, Bolsonaro falou em
aplicativo de celular para alfabetização. É assim que eles desejam conquistar a
confiança da população?
Em vez de espaço de debate das questões
nacionais, essa campanha tem sido pródiga em ataques pessoais e em falsos
problemas. De satanismo a pedofilia, o cardápio de temas irrelevantes é
extenso. Coitado do eleitor.
A indústria declina, e o País ignora
O Estado de S. Paulo
Essencial para a modernização e o crescimento da economia, setor manufatureiro continua a perder posições nos rankings internacionais, mas o debate político não dá a devida atenção
Mais do que reafirmar uma preocupante tendência de declínio observada há
quase três décadas, a perda, pela indústria brasileira, de mais uma posição no
ranking mundial em 2021 mostra a urgência de respostas do País. É
preciso criar as condições para a recuperação da competitividade do setor
manufatureiro e a retomada de seu papel essencial na modernização e no
crescimento da economia. É desolador, no entanto, que, em plena campanha
eleitoral, temas essenciais para o crescimento sustentado, que exige a
restauração do papel da indústria, sejam ignorados pelos candidatos que
disputam o segundo turno da eleição presidencial. O Brasil real não é alcançado
pelos holofotes de seus marqueteiros nem parece ocupar espaço entre suas
preocupações.
O País tem demonstrado baixa capacidade de
resistência ao declínio da indústria, tanto na comparação com a de outros
países como em relação a outros setores da economia. Em seu relatório Desempenho
da Indústria no Mundo, baseado em dados da Organização das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Industrial (Unido), a Confederação Nacional da Indústria (CNI)
mostra que a participação da produção industrial brasileira na produção mundial
diminuiu de 1,31% do total em 2020 para 1,28% em 2021. Por isso, o Brasil foi
ultrapassado pela Turquia e agora ocupa a 15.ª posição entre os maiores
produtores industriais do mundo.
O Brasil vem perdendo posições na indústria
mundial pelo menos desde meados da década de 1990. Em 1996, por exemplo, a
participação da produção industrial brasileira na produção mundial alcançava
2,55% do total, o dobro da registrada no ano passado.
A despeito do declínio, o Brasil conseguiu
manter sua posição entre as 10 maiores economias industriais até 2014. Foi o
começo de um período de dificuldades para a indústria brasileira e para toda a
economia nacional que, com oscilações e algumas características novas, persiste
até hoje. A recessão de 2014 a 2016 fez o Brasil perder posições para outros
países, como México e Indonésia. A persistência da crise fez o Brasil continuar
a perder posições, desta vez para Taiwan e Rússia.
Quanto às exportações, a participação do
Brasil até cresceu entre 2020 e 2021, de 0,77% para 0,81% do total, mas outros
países que estavam atrás na classificação tiveram desempenho melhor. Por isso,
o Brasil caiu do 30.º para o 31.º lugar entre os maiores exportadores.
Os números mostram uma persistente e
dramática perda de competitividade da indústria brasileira. “Precisamos de uma
estratégia nacional de comércio exterior, que encare os velhos desafios de
competitividade, como a burocracia e os resíduos tributários nas exportações,
e, ao mesmo tempo, amplie e aprimore nossas redes de acordos comerciais”,
avalia a gerente de Comércio e Integração Internacional da CNI, Constanza
Negri.
Em suas palavras estão sintetizados alguns
velhos e alguns recentes problemas que afetam as exportações e a
competitividade do produto brasileiro. Burocracia excessiva, tributação ainda
pesada, falta de acordos comerciais são, de fato, grandes obstáculos ao aumento
das exportações de bens industriais. O total desprezo do atual governo pelas
negociações internacionais piorou o quadro.
Mas a perda da competitividade e a redução
da presença da indústria brasileira no cenário mundial retratam também outros
problemas graves cujo enfrentamento exige, em primeiro lugar, políticas
públicas adequadas. A transformação por que passa a indústria em todo o mundo
exige cada vez mais investimentos em inovação, o que depende de ambiente e
estímulos adequados. Exige também mão de obra cada vez mais criativa e cada vez
mais preparada para o desempenho de múltiplas funções, cada vez mais complexas.
A pandemia atrasou a formação dos jovens. É necessário recuperá-la para que não se condene o futuro de milhões de brasileiros. A perda de competitividade da economia brasileira acrescenta novos desafios ao próximo governo, e seria bom que os candidatos a presidente ao menos se dessem conta disso.
Piora em ranking de corrupção prejudica a
imagem do Brasil
Valor Econômico
Grandes players do mercado internacional
como a UE, EUAs e membros da OCDE evitam aprofundar o relacionamento com países
com classificação ruim
O Brasil sofreu novo revés na avaliação
internacional em seu compromisso de enfrentar a corrupção. O retrocesso torna
mais distante a promessa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de promover a
entrada do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômica
(OCDE) para facilitar os negócios internacionais, e põe em xeque a afirmação do
presidente Jair Bolsonaro de que não há corrupção em seu governo.
Relatório global sobre medidas de combate à
corrupção produzido pela organização sem fins lucrativos Transparência
Internacional rebaixou o Brasil. A análise avalia se o país cumpre os
requisitos da Convenção Antissuborno da OCDE, que busca evitar que empresas de
um país paguem propina quando operam internacionalmente. O cumprimento da
convenção é um dos requisitos para a entrada nesse seleto clube da OCDE.
O Brasil aderiu à convenção há 20 anos, e
vinha melhorando seus indicadores desde a segunda metade da década passada. Em
2018, subiu para a classificação “moderada”. Mas o progresso foi interrompido
por diversas medidas do governo de Bolsonaro que deixaram a comunidade internacional
desconfiada. Neste ano acabou caindo para “limitado”, com a piora na percepção
internacional a respeito do país. A mesma classificação é atribuída a países
vizinhos como Argentina, Chile e Peru.
A Transparência Internacional justificou
que o governo de Jair Bolsonaro enfraqueceu os órgãos de controle, interferindo
no seu trabalho. Entre as ações de Bolsonaro citadas estão a troca por quatro
vezes do diretor-geral da Polícia Federal; e a interferência, dentro do
Ministério da Justiça, no Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Internacional (DRCI) no caso da ordem de extradição do blogueiro bolsonarista
Allan dos Santos, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O alinhamento do procurador-geral da
República, Augusto Aras, ao governo Bolsonaro também teve consequências, dada
sua propensão a abortar investigações e inquéritos relacionados ao Executivo. O
relatório menciona igualmente a extinção das forças-tarefa dentro do Ministério
Público Federal, promovida por Aras, sem a substituição por um modelo adequado
ou o aperfeiçoamento do existente. Investigadores que atuaram em grandes casos
de corrupção, como o da Lava Jato, foram punidos pelo Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP), o que enfraqueceu a independência dos órgãos de
controle. O Supremo Tribunal Federal (STF) foi considerado parcialmente culpado
por ter decidido enviar parte dos casos de corrupção para a Justiça Eleitoral,
o que resultou na lentidão das apurações e na anulação de provas.
Antes do rebaixamento no cumprimento da
convenção, o Brasil Já havia caído no ranking mundial de percepção de corrupção
referente a 2021, divulgado no início deste ano pela Transparência
Internacional. O país passou a ocupar o 96º lugar, a terceira pior posição em
sua série histórica, iniciada em 2012. A melhor pontuação alcançada pelo país
foi nos anos de 2012 e 2014, com 43 pontos, quando ocupou o 69º lugar. Agora, o
Brasil ficou abaixo da média global, que é de 43 pontos, e da média regional da
América Latina e Caribe, de 41 pontos.
As próximas avaliações podem ainda piorar
dado que devem levar em conta iniciativas do governo como o orçamento secreto e
o sigilo de 100 anos para situações suspeitas como as visitas dos pastores
envolvidos no esquema de liberação de recursos do Fundo Nacional de Educação
(FNDE). O orçamento secreto já foi alvo de documento da Transparência
Internacional que o incluiu entre “marcos legais e institucionais” do
Executivo, do Legislativo e do Judiciário danosos ao combate à corrupção no
Brasil.
Não se trata de uma competição apenas por uma boa colocação em mais um índice global. O índice de percepção da corrupção indica quando há espaço para violações dos direitos humanos e das liberdades individuais. E tem consequências também na economia dado que grandes players do mercado internacional como a União Europeia, Estados Unidos e membros da OCDE evitam aprofundar o relacionamento com países com uma classificação ruim. A OCDE, por exemplo, e países da União Europeia têm estabelecido crescentes exigências de seus parceiros comerciais não apenas em relação a desmatamento e redução das emissões de carbono, mas também de combate à corrupção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário