segunda-feira, 31 de outubro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula tem uma oportunidade de redimir o Brasil

O Globo

Para isso, ele precisará agir como líder de uma frente plural, não como ungido por uma facção

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva é repleta de significados. Pela primeira vez, um presidente brasileiro foi eleito democraticamente para um terceiro mandato e um presidente disputando reeleição perdeu. Uma vez concluído seu novo governo, Lula terá ficado 12 anos no poder — período superado apenas por um antecessor no cargo, o ditador Getúlio Vargas. É certo que não foi a vitória folgada com que sonhavam os petistas, mesmo assim os 60,3 milhões de votos em Lula foram uma resposta enfática do eleitorado ao autoritarismo tóxico e aos desmandos contumazes do presidente Jair Bolsonaro. Vencida a disputa, Lula precisa agora reiterar por meio de atos, e não apenas de palavras como voltou a fazer ontem, que governará para todos. “O povo brasileiro quer de volta a esperança”, afirmou em seu discurso como presidente eleito. “Somos um único país, um único povo, uma grande nação. A ninguém interessa um país dividido, em estado de guerra.” Ninguém, disse ele, está acima da Constituição. Foi um bom começo.

O sucesso da campanha petista traz um motivo para otimismo e outro para preocupação. Otimismo pela possibilidade de que a aproximação do centro político que se viu na reta final do segundo turno dê um rosto mais pragmático e menos ideológico ao novo governo. Além da contribuição inestimável do vice, Geraldo Alckmin, Lula só tem a ganhar abrindo espaço a figuras como Simone Tebet ou Marina Silva. Ele disse que “não existem dois Brasis” e prometeu que não governaria apenas para o PT. Precisa cumprir a promessa.

Há preocupação sensata com a reação do derrotado e de seus aliados. O triunfo de Lula representa o êxito da democracia, ameaçada nos últimos quatro anos pelo bolsonarismo. Essa oposição não desaparecerá, nem perderá a força que lhe garantem os 58,2 milhões de votos dados a Bolsonaro. A confusão provocada ontem pelas operações da Polícia Rodoviária Federal que impediram vários eleitores de votar parece o início de uma conflagração. Pacificar um país rachado ao meio é um desafio longe de trivial. Mas é essencial, até para que a política volte a ocupar o proscênio nas decisões.

Se os dois mandatos anteriores de Lula servem de guia, pelo menos no comportamento presidencial a cordialidade deverá substituir a grosseria. No governo, programas sociais voltarão a ganhar foco. Na área ambiental, o combate ao desmatamento da Amazônia será prioridade. No cenário internacional, o Brasil voltará a dialogar com as grandes potências. Acima de tudo, ninguém perderá o sono com a possibilidade de o ganhador da eleição de 2026 não assumir em janeiro de 2027.

Mas isso é o mínimo. Os desafios do Brasil continuam gigantescos, e há inúmeras dúvidas sobre o terceiro governo Lula. O país que ele passará a comandar em dois meses é totalmente distinto daquele de 2003, quando chegou pela primeira vez ao Palácio do Planalto. No mundo, o risco de recessão é iminente. Aqui, o quadro é de inflação renitente, baixo crescimento, juros altos, bomba fiscal, fome e miséria. Desta vez, o termo “herança maldita” é mais adequado para definir o país do que a propaganda petista sempre tentou fazer crer sobre o Brasil recebido de Fernando Henrique. A situação exigirá diagnóstico preciso, clareza na definição de prioridades e competência na execução das políticas públicas. É justamente nesses pontos que a eleição de Lula também causa apreensão.

Qual Lula governará? O social-democrata da primeira metade do primeiro mandato? Aquele que defendeu um ajuste fiscal de longo prazo capaz de reduzir a dívida pública, aumentou o superávit primário, promoveu reformas para melhorar o ambiente de negócios, aperfeiçoou instrumentos de crédito e reduziu restrições à concorrência no setor privado? Ou o nacional-desenvolvimentista que veio em seguida? Aquele que apoiou o aumento descontrolado dos gastos, a distribuição de benefícios aos compadres do governo, setores e empresas escolhidos a dedo em troca de apoio ao projeto de poder petista, enfiando o Brasil no buraco sem fundo da corrupção?

Nas próximas semanas, as circunstâncias obrigarão Lula a explicitar e a negociar os itens de seu programa que deixou em segundo plano na campanha. Qual sua proposta para substituir o teto de gastos, que tanto ataca, sem pôr em risco a saúde das contas públicas? Que fará a respeito da reforma trabalhista e das privatizações? Que tem a dizer sobre as reformas tributária e administrativa, fundamentais para garantir ao governo a possibilidade mínima de pôr em marcha qualquer política pública consistente? Qual será o papel dos investimentos do Estado e dos bancos públicos no desenvolvimento, eterno pretexto para mercadejar poder enquanto se abre o flanco à corrupção?

Se, como Lula insiste, sua missão é conversar com todos os setores da sociedade para construir consensos, a hora de começar é agora, ao montar a equipe de governo. Ele precisa reunir nomes com credibilidade suficiente para reerguer o país dos escombros do bolsonarismo. Em especial na economia, área em que o PT jamais fez um acerto de contas honesto com o passado. Lula terá agora a oportunidade de entender que sua vitória não significa uma licença para reviver os devaneios petistas que já levaram o Estado brasileiro à bancarrota. Ele está lá não apenas por ser Lula, mas sobretudo por não ser Bolsonaro. Precisa agir como o líder da coalizão plural pela democracia que o devolveu ao poder, não como o ungido por uma facção política interessada em locupletar-se. Por toda sua história de reveses e superação ao longo da vida, Lula tem plenas condições de reinventar-se para deixar um legado de união e progresso aos brasileiros. Mas um novo governo Lula só resgatará o Brasil do abismo se for mesmo novo.

Ao centro, Lula

Folha de S. Paulo

Alternância atesta solidez da democracia; país precisa buscar o desenvolvimento

Luiz Inácio Lula da Silva, 77, tornou-se neste domingo (30) o primeiro brasileiro a ser eleito por três vezes para a Presidência da República. Sua vitória e, dentro de dois meses, sua posse consagrarão a alternância de poder e a solidez da democracia brasileira.

Lula conquista o novo mandato graças, em parte, à memória de realizações durante sua passagem pelo governo. Em seus momentos mais virtuosos, o petista soube aproveitar com responsabilidade as vantagens do bom momento econômico global na década retrasada e das transformações demográficas do Brasil.

Muito do triunfo lulista se deve também à firme e mais do que justificada rejeição de metade do eleitorado a seu oponente, Jair Bolsonaro (PL), o primeiro presidente a perder a disputa no cargo desde que o país adotou a reeleição.

O ímpeto autoritário, a truculência, a inoperância e o desmazelo de Bolsonaro facilitaram a campanha de Lula, que se deu ao luxo de sonegar ao eleitor o detalhamento de seus planos econômicos para um governo que se afigura difícil.

O presidente eleito —com a menor margem de votos desde a redemocratização— é também rejeitado por parcela expressiva e influente da sociedade, seja pelos escândalos de corrupção durante suas administrações, seja pela ruína econômica operada por sua sucessora, Dilma Rousseff, seja pela pauta ideológica abraçada por vezes de forma intolerante pelo PT.

Deverá enfrentar no Congresso uma oposição mais ampla e radical que a de 20 anos antes. O bolsonarismo e outras forças à direita conquistaram posições importantes no Legislativo e nos estados.

Não poderá esperar uma conjuntura internacional favorável, ao menos de pronto. A guerra na Ucrânia e a alta da inflação e dos juros em todo o mundo elevaram os riscos de recessão. No plano doméstico, as finanças do governo exigem ajuste crível e rigoroso.

Por tudo isso, Lula precisa dar mostras imediatas de responsabilidade orçamentária e disposição de rumar ao centro, política e economicamente. Deve se cercar de especialistas e quadros qualificados, para além do raio estreito do partido e de aliados à esquerda.

Sem definir uma regra fiscal que assegure a solvência da dívida pública, não haverá dinheiro para as demandas prementes em educação, saúde e assistência social. Sem permitir que a economia funcione com liberdade e competição, não haverá o crescimento sustentado essencial para reduzir a pobreza.

Acaba a propaganda de campanha, começam as responsabilidades de governo. A democracia estará fortalecida se o país for capaz de superar ideias e práticas que obstruem seu desenvolvimento.

A chance de Tarcísio

Folha de S. Paulo

Eleito terá boas oportunidades se fizer escolhas corretas fora do bolsonarismo

A vitória de Tarcísio de Freitas (Republicanos) na disputa pelo governo paulista é, sem dúvida, o feito mais vistoso do bolsonarismo nestas eleições. Mas, além de não ser considerado um seguidor radical no plano ideológico, o ex-ministro se apresenta com perfil técnico.

Em sua passagem pela pasta da Infraestrutura, comportou-se como um gestor discreto e diligente —o bastante para destoar do padrão de incompetência escandalosa da grande maioria de seus colegas na Esplanada brasiliense.

Carioca, de origem militar e ocupante de cargos importantes nos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), Tarcísio começou a campanha como um quase desconhecido do eleitorado do estado mais rico e populoso do país. O seu conhecimento da realidade paulista foi motivo de contestações dos adversários.

Abraçou, com titubeios posteriores, teses equivocadas na área de Segurança Pública, na tentativa de agradar ao corporativismo policial —uma das bases bolsonaristas mais importantes. Cometerá um erro grave se de fato acabar com o bem-sucedido programa de câmeras corporais nas fardas da PM.

Protagonizou episódio rumoroso quando uma visita à favela de Paraisópolis, na capital, foi interrompida por um tiroteio.

Tarcísio superou forças que predominaram na política paulista ao longo de quase três décadas —o PSDB, que ocupa o Bandeirantes desde 1995, e o PT, que chegou ao segundo turno com o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad.

Terá condições políticas e orçamentárias favoráveis para um bom governo, se fizer as escolhas corretas. O estado mantém suas finanças em ordem e teve sua arrecadação alavancada a partir de 2021.

É preciso, porém, avançar em qualidade da educação, linhas metroviárias e ferroviárias, despoluição de rios e combate ao crime patrimonial, além de partilhar da carência nacional na saúde.

O eleito não deverá ter maior dificuldade em negociar com legendas ao centro, seja na Assembleia Legislativa, seja no plano nacional. O ex-prefeito da capital Gilberto Kassab, expoente do PSD, é um aliado de primeira hora.

Será interessante, daqui para a frente, observar a relação de Tarcísio —agora o principal representante do bolsonarismo legitimado pelas urnas e no comando do segundo maior Orçamento do país— com o futuro presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Lula tem o dever de arrefecer os ânimos

O Estado de S. Paulo

Vitória do petista está longe de representar uma solução. Trata-se de um novo desafio, a exigir vigilância e participação democrática. Oposição responsável é imprescindível

Jair Bolsonaro é o primeiro presidente da República que, tendo disputado a reeleição, não foi reconduzido ao cargo. A maioria do eleitorado rejeitou neste domingo um governo que se mostrou, desde o primeiro momento, conflituoso, desumano e assustadoramente destrutivo. Eleito em 2018 sob a bandeira do antipetismo e do combate à corrupção, Jair Bolsonaro mostrou-se incapaz não apenas de cumprir minimamente um programa de governo, mas de se portar como presidente da República em suas mais básicas exigências legais e cívicas.

Se é um imenso alívio pensar que o Brasil não terá, pelos próximos quatro anos, Jair Bolsonaro na Presidência da República, é preciso reconhecer que o resultado das eleições deste domingo está longe de desanuviar o horizonte nacional. Em primeiro lugar, o próximo governo de Luiz Inácio Lula da Silva é ainda uma imensa incógnita. A campanha eleitoral foi toda baseada em desqualificar o adversário. Mesmo os mais fiéis apoiadores petistas não sabem como será o novo governo do PT.

Em segundo lugar, a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas não significa que o bolsonarismo acabou. Se essa campanha eleitoral serviu para algo, foi para mostrar como a mensagem de Bolsonaro continua tendo ressonância em muitos corações. Há parcela relevante da população que, por diferentes motivos, vê Jair Bolsonaro – o omisso na pandemia, o desprovido de programa de governo, o arruaceiro das eleições, o comprador de votos – como solução para o País.

A partir de janeiro de 2023, Jair Bolsonaro não estará na Presidência da República, mas o País continuará tendo de lidar com ele e seus apoiadores. Entre outros aspectos, isso traz enormes desafios para o debate público e para a composição de uma efetiva e responsável oposição ao PT, que será mais necessária do que nunca.

Depois de quatro anos de Jair Bolsonaro e de uma virulenta campanha eleitoral, o País precisa urgentemente de união e pacificação. Lula da Silva tem o dever de arrefecer os ânimos, de respeitar os vencidos e, sobretudo, de transmitir confiança a todos os brasileiros. Se há alguma dose de responsabilidade no PT, agora é a hora de mostrar ao País que os temores levantados por Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral – a respeito, por exemplo, de liberdade religiosa e de imprensa, de responsabilidade fiscal, de respeito aos reais interesses e valores das famílias, de proximidade com regimes autoritários – eram mentirosos.

A tarefa de pacificação nacional não começa no dia 1.º de janeiro de 2023. Começou domingo à noite. Esse dever inclui palavras respeitosas e serenas, mas envolve, sobretudo, ações. Muito da tão necessária paz virá quando o País souber qual será o plano de governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Ou seja, são necessários gestos e palavras, mas, sobretudo, é essencial responsabilidade, uma efetiva responsabilidade com o País.

Depois de seu partido ter se envolvido nos maiores escândalos de corrupção da história recente nacional, Lula da Silva – este é o grande resultado do governo Bolsonaro – ganhou um novo mandato. Não há dúvida de que essa constatação desperta imediato desânimo, como se o País se mostrasse incapaz de andar para a frente, enredado nas mesmas questões e nos mesmos nomes do passado. Eis o paradoxo das eleições de 2022: para resolver os problemas nacionais, o eleitor elegeu aquele que é um dos grandes artífices da atual crise social, política, econômica e moral.

A vitória de Lula está longe de representar uma solução para o País. Trata-se, na verdade, de um novo desafio, a exigir especial vigilância e renovada participação democrática. O PT tem um histórico marcadamente antirrepublicano, com aparelhamento político-ideológico da máquina estatal, conivência – para dizer o mínimo – com práticas de corrupção e negacionismo na condução de suas políticas públicas. Nesse cenário, a oposição responsável e democrática tem um importantíssimo papel a cumprir. E não nos enganemos: o bolsonarismo é incapaz de fazer isso. É preciso urgentemente um centro democrático e responsável.

São Paulo nas mãos de Tarcísio

O Estado de S. Paulo

No calor da campanha, Tarcísio teve que ser fiel ao atraso bolsonarista; agora, como governador eleito, espera-se que prevaleça a eficiência que seu histórico profissional inspira

A maioria dos eleitores paulistas decidiu confiar ao engenheiro carioca Tarcísio Gomes de Freitas o governo de São Paulo, que não apenas é o Estado mais rico da Federação, como figura entre os mais importantes centros de desenvolvimento financeiro, agropecuário e tecnológico do mundo.

Com um PIB de R$ 2,35 trilhões, o Estado de São Paulo é a terceira maior economia e o terceiro maior mercado consumidor da América Latina, de acordo com a Fundação Seade. À luz desse indicador, fosse um país, São Paulo estaria entre as 50 nações mais ricas do mundo, à frente de Argentina, Bélgica, Chile e Portugal, por exemplo.

Por fim, é neste Estado que vive um quinto da população brasileira, quase 45 milhões de habitantes, com todos os desafios e oportunidades que podem advir da concentração desse enorme contingente de pessoas em um mesmo lugar.

Como se vê, governar São Paulo já seria um desafio monumental para qualquer político, mesmo os mais experimentados em cargos executivos. A faina será ainda maior para alguém como Tarcísio, que jamais exerceu um mandato eletivo. Seu futuro governo, pois, se apresenta para os paulistas como uma grande incógnita.

No entanto, ao governador eleito são devidos o benefício da dúvida e uma dose de esperança. Embora jamais tenha disputado eleição, Tarcísio já serviu a diferentes governos, de Dilma Rousseff (PT) a Jair Bolsonaro (PL), passando por Michel Temer (MDB). Nos cargos públicos que ocupou, Tarcísio sempre desempenhou com relativo sucesso todas as atribuições que lhe foram dadas.

Nessas passagens pela administração pública federal, Tarcísio se notabilizou por seu perfil técnico, derivado de uma sólida formação acadêmica, e pela urbanidade com que trata seus interlocutores, mesmo os que estão em campos políticos adversários. Uma mostra desse perfil foi dada durante a campanha para o Palácio dos Bandeirantes, que, ao contrário da campanha para a Presidência, foi um tanto mais propositiva e bem mais civilizada.

Este jornal espera que, uma vez empossado como governador de São Paulo, em janeiro, Tarcísio se dispa do bolsonarismo tacanho que o ajudou a se eleger e encarne o bom gestor que demonstrou ser nos cargos que ocupou no governo federal. A eleição acabou. Há um Estado complexo a ser governado, com muitos problemas, mas também com muitas oportunidades para crescer ainda mais. 

É dever de Tarcísio coadunar suas ações como chefe do Poder Executivo estadual com os anseios e as preferências dos paulistas em áreas sensíveis como saúde, educação e segurança pública.

O governador eleito deve abandonar, por exemplo, a ideia de abolir as câmeras das fardas dos policiais militares, uma das mais bem-sucedidas políticas públicas de segurança pública já implementadas no Estado, após muitos anos de estudo. As bodycams são aprovadas pela grande maioria dos paulistas, inclusive pelos próprios policiais. Tarcísio também fará enorme bem ao Estado se, ao contrário de seu padrinho político, desestimular o armamento desenfreado da população travestido de exercício da “liberdade individual”.

É também sob esse falso pretexto que o futuro governador passou a defender a “liberdade” dos paulistas de não se vacinarem contra a covid-19. Tarcísio chegou a prometer que revogaria medidas que tornaram a vacinação obrigatória entre os servidores públicos estaduais. Ora, São Paulo liderou o esforço nacional para que todos os brasileiros tivessem acesso às vacinas. Ir de encontro a essa história não só seria uma insensatez do ponto de vista sanitário, como uma traição ao legado do Estado para que o País superasse a pandemia.

“É hora de um governo eficiente e de esperança”, diz o material de campanha de Tarcísio. A eficiência, o governador eleito já demonstrou ter ao longo de sua trajetória como servidor e ministro; já a esperança depende de sua disposição de governar para todos, desanuviando o clima de confronto e tensão que divide o País. Quanto menos bolsonarismo e mais espírito público, melhor.

Desnutrição infantil é barbárie

O Estado de S. Paulo

Em 2021, quase 3 mil bebês com até 1 ano foram internados por desnutrição, um retrocesso de 14 anos

O Estadão teve acesso exclusivo a um relatório elaborado pelo Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância), ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e à Unifase, que, somado a estudos de outras instituições, envolvendo diferentes indicadores, compõe um tenebroso mosaico de retrocessos sociais.

Em 2021, segundo o Observa Infância, foram registradas 113 internações por desnutrição de bebês com até 1 ano a cada 100 mil nascimentos. Trata-se do pior resultado nos últimos 14 anos. Em números absolutos, só no ano passado 2.939 bebês nessa faixa etária precisaram de suporte médico-hospitalar simplesmente porque não estavam alimentados como deveriam nesse estágio da vida.

Uma sociedade civilizada não convive com a fome e a insegurança alimentar de tantos milhões de seus cidadãos, principalmente as crianças, como se fosse um dado da natureza, um infortúnio qualquer que não merecesse a comiseração de todos nem ações mais incisivas dos governantes de turno. Se convivem com isso sem perder o sono, aceitam a barbárie.

Ora, ninguém de boa-fé, seja qual for a sua afiliação político-partidária, há de acreditar que o Brasil está muito bem administrado quando a desnutrição infantil, após tantos anos, volta a representar risco de morte para bebês de até 1 ano. Nem é aceitável que tantas mães, elas mesmas padecendo da dor da fome, vivam a angústia de só ter o leite materno para oferecer às suas crianças.

Esse problema é ainda mais grave na Região Nordeste, que registrou um número de internações de bebês com até 1 ano desnutridos 51% maior do que a média nacional: foram 171,5 hospitalizações por 100 mil nascimentos em 2021.

“O que essas hospitalizações por desnutrição representam?”, questionou Cristiano Boccolini, coordenador do Observa Infância. “Não é só fome. Há todo um contexto de vulnerabilidade social envolvido.”

De fato, o aumento da desnutrição infantil é apenas mais um dado a revelar o enorme salto para trás que o Brasil tem dado nos últimos quatro anos. O governo do presidente Jair Bolsonaro será lembrado por muitas razões, mas a atenção aos desvalidos decerto não é uma delas. Bolsonaro só se ocupou de cuidar de uma massa de brasileiros abandonados pelo Estado na exata medida de seus interesses eleitorais.

A volta do espectro da fome e da insegurança alimentar se soma à queda vertiginosa da cobertura vacinal de nossas crianças contra doenças que haviam sido erradicadas, à destruição de políticas públicas na área de educação, à crônica falta de saneamento básico e acesso à água tratada para milhões de brasileiros, à leniência no combate aos crimes ambientais, entre outros recuos civilizatórios.

Obviamente, Bolsonaro não deu causa a um ou outro desses problemas, mas sua inépcia e desinteresse agravaram todos eles. Nada de concreto foi feito durante o seu governo para reverter esse quadro de miséria crônica.

Seja quem for o próximo presidente da República, se Jair Bolsonaro ou Lula da Silva, uma coisa é certa: não cuidar desses milhões de brasileiros esquecidos revelará mais do que incompetência: revelará uma falha de caráter.

Lula vence eleição e terá de obter força no Congresso

Valor Econômico

Lula terá de delinear, antes da posse, um plano viável de como se movimentar no terreno movediço no Congresso

Por pouco mais de 2,1 milhões de votos à frente do presidente Jair Bolsonaro, na mais apertada eleição desde a redemocratização, o ex-presidente Lula voltará a governar o Brasil. Será missão mais difícil do que quando pisou pela primeira vez no Palácio do Planalto. O resultado final das urnas (50,9% ante 49,1% do rival) acentuou o desenho que as pesquisas eleitorais vinham traçando desde janeiro: o país está politicamente dividido ao meio.

Bolsonaro reduziu a diferença entre ele e Lula de 6,3 milhões de votos para um terço disso. Os três maiores colégios eleitorais, São Paulo, Minas e Rio, serão comandados por aliados. A vitória tranquila de seu ex-ministro Tarcísio de Freitas (55,2% contra 44,7%) no Estado mais rico realçou sua força eleitoral no Sudeste. Mesmo assim, o número de eleitores que viram em sua reeleição uma ameaça maior e urgente à continuidade da democracia, e engrossou o caudal de votos arrastados pelo ex-presidente Lula, foi maior. Está perto do fim o mandato de um dos presidentes mais controversos que o Brasil já teve.

O fato de a ameaça de reeleição de Bolsonaro ter sido rejeitada pelas urnas não torna a tarefa de governar mais fácil a partir de 1º de janeiro. Ao contrário, Lula terá de usar do máximo de sua capacidade, e no menor tempo possível, para agregar lideranças partidárias e apoios parlamentares de todas as forças políticas que possam colaborar para aprovação de um projeto coloque o país na rota do crescimento sustentável.

É importante que, encerrada a eleição, o presidente Jair Bolsonaro promova uma transição transparente, ordeira e pacífica. Há dúvidas sobre isso porque Bolsonaro governou abusando do sigilo, o orçamento secreto do qual se beneficia é o contrário de transparente, e o presidente demonstrou que moderação não é uma de suas qualidades.

Lula tem inegáveis dons para apaziguar ânimos e formar maiorias que permitam governar com alguma serenidade e eficiência. Sua grande capacidade de negociação e articulação revelou-se mais uma vez na forma com que montou, antes do primeiro turno, seu arco de alianças. Com o apoio de líderes tradicionais do MDB, obteve o apoio de que precisava para os palanques do Nordeste, onde garantiu vantagem abissal sobre Bolsonaro. Da mesma forma, candidatos regionais de partidos do Centrão esconderam seu candidato para apoiar Lula onde lhes fosse conveniente.

O presidente eleito terá de encaminhar soluções para intricados desafios antes da posse, o que sugere que terá de fazer uma composição política que se reflita já na formação de seu ministério em um governo que irá, segundo ele, além do PT.

A primeira batalha do novo governo, e uma das mais difíceis, será adequar o orçamento à realidade. Ele envolverá uma nova relação entre o Executivo e o Congresso, depois que Bolsonaro deu autonomia ao Centrão, que garantiu R$ 19,6 bilhões para seu orçamento secreto, enquanto os demais ministérios, especialmente os da área social, sofreram cortes brutais de custeio. O presidente da Câmara, Arthur Lira, quer permanecer no cargo, e disse sem meias palavras que ou há o orçamento com emendas do relator ou então o mensalão, sinalizando que quer manter o avanço já conquistado pelos partidos fisiológicos sobre os cofres públicos.

A definição orçamentária trará também em si a marca da política fiscal que o novo presidente pretende executar. Durante as eleições, soube-se apenas que Lula quer revogar o teto de gastos, que exige emenda constitucional e aprovação de dois terços do Congresso. Além disso, será necessário definir um “estouro” do teto responsável, que abarque só despesas irreversíveis. A principal é a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, uma promessa de campanha que custa inexistentes R$ 50 bilhões. Abrir mão dos impostos federais sobre combustíveis exigirá outro tanto, e acabar com a desoneração provocará aumento da inflação e manutenção de juros altos por mais tempo.

Antes de pensar nas reformas, e delas quase não se falou na campanha do PT, a missão primeira será atrair apoios no Congresso e influir na direção das duas Casas. Lula, em seus dois mandatos, abraçou as velhas raposas do Centrão, como Valdemar Costa Neto, manteve boas relações com o PSD de Kassab e cacife eleitoral renovado para atrair legendas que apoiam qualquer governo. Com base de 140 deputados, o governo, porém, ficará em córner legislativo. Para fazer diferença nos 100 primeiros dias, terá de delinear antes da posse um plano viável de como se movimentar no terreno movediço no Congresso.

2 comentários:

  1. "A maioria do eleitorado rejeitou ... um governo que se mostrou, desde o primeiro momento, conflituoso, desumano e assustadoramente destrutivo."

    Bolsonaro foi é é um desastre. Escrevo às 9:36 e o vagabundo da República ainda não trabalhou e nem apareceu e, enquanto isso, o gado recusa-se a aceitar a derrota paralisando estradas.

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  2. "... a oposição responsável e democrática tem um importantíssimo papel a cumprir. E não nos enganemos: o bolsonarismo é incapaz de fazer isso."

    Rá, de fato. O bolsonarismo é INCAPAZ DE SER RESPONSÁVEL E DEMOCRÁTICO. Só o gado se deixa enganar.

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