Constituição de 1988, caminho de paz
O Estado de S. Paulo
É urgente a tarefa de pacificação nacional,
que inclui respeitar as liberdades fundamentais e prover uma mais madura
compreensão da independência e harmonia entre os Poderes
Se há uma necessidade consensual para 2023,
seja quem for o presidente eleito no domingo, é a pacificação nacional. Para
este jornal, não há desenvolvimento social e econômico possível com tanto
conflito, com tanta agressividade, com tanto atrito entre os Poderes. O que
ocorreu nos últimos quatro anos no País foi absolutamente disfuncional. Por
isso, consideramos que o Brasil precisa urgentemente de paz – e isso é uma
tarefa de todos; muito especialmente, de quem exerce autoridade no Executivo,
no Legislativo e no Judiciário.
A dimensão da tarefa pacificadora pode
causar certa perplexidade. Pode-se ter a impressão de ser uma empreitada
difícil demais, em que as pontes de diálogo, racionalidade e equilíbrio teriam
sido há muito implodidas. Já não teríamos disponíveis as ferramentas
necessárias para a reconstrução da paz.
Diante desse panorama desafiador, é preciso lembrar que, apesar de todos os pesares – apesar da crise cívica, social e política em que o País se encontra –, continuamos contando com a Constituição de 1988. Ela tem inúmeros defeitos, tantas vezes criticados neste espaço. Mas dois aspectos muito positivos se sobressaem nesse texto que, resultado de um impressionante trabalho da Assembleia Constituinte, é expressão central das aspirações da sociedade brasileira.
Em primeiro lugar, a Constituição de 1988
assegurou aquilo que é a base de uma sociedade livre: direitos e garantias
fundamentais, ancorados no princípio da dignidade humana e que não estão
sujeitos a maiorias políticas. Seja qual for o governo, seja qual for a maioria
parlamentar, continuará havendo liberdade de expressão e de opinião, liberdade
religiosa, liberdade econômica e todas as outras liberdades reconhecidas no
texto constitucional. Muita coisa muda e pode mudar na sociedade e no Estado,
mas – eis a afirmação basilar da Constituição de 1988, que é fundamento de paz
e tranquilidade para toda a população – existem cláusulas pétreas, pontos
inegociáveis que todos, sem exceção, devem respeitar e proteger.
O segundo aspecto muito positivo da
Constituição de 1988 refere-se ao princípio da separação dos Poderes. O
legislador constituinte forneceu um caminho republicano para a ação do Estado.
Nele ninguém detém poder absoluto. Cada autoridade dispõe de um âmbito de
atuação, e o exercício deste poder está sempre sujeito à transparência e ao
controle de outros órgãos. Não existe poder acima da Constituição. Não existe
poder à margem da lei.
Não se fala aqui de um tema teórico,
distante do dia a dia da população. A submissão de toda ação estatal aos
limites e procedimentos constitucionais é não apenas condição para manter a
paz, como caminho para o restabelecimento da paz. Por isso, a tarefa de
pacificação nacional inclui, de forma muito direta, uma nova e mais madura
compreensão da relação de independência e harmonia entre os Poderes.
Não há paz possível se um Poder avança
sobre competências alheias ou se não respeita as legítimas decisões dos demais.
A maioria obtida nas urnas por um governante não autoriza confrontar e, menos
ainda, afrontar decisões que não lhe agradam. Da mesma forma, o fato de a
Constituição ser ampla e ter normas abertas não permite que o Judiciário
modifique decisões políticas contrárias a eventuais interesses ou percepções de
um magistrado ou tribunal.
Não há paz possível se um Poder não defende
suas prerrogativas. Por exemplo, o orçamento secreto – a entrega da gestão
orçamentária própria do Executivo a algumas lideranças do Legislativo, em
manobra sem transparência e sem critérios técnicos – é profundamente
desagregador. Não é caminho de paz.
Não há paz possível sem respeito ao
princípio federativo. Estados e municípios dispõem de uma autonomia que não
pode ser atropelada pelo poder central, seja Executivo, Legislativo ou
Judiciário.
O respeito às instituições – às suas
prerrogativas, à sua independência e ao seu trabalho – não é exigência formal ou
burocrática. É o reconhecimento prático de que, num Estado Democrático de
Direito, o poder é sempre limitado. Não há soberanos imperando sobre a
sociedade – e isso é fonte de paz.
Um urgente plano econômico
O Estado de S. Paulo
Após uma eleição em que nada relevante se discutiu, quem vencer terá de restabelecer a confiança na sustentabilidade da economia e tomar a iniciativa de encaminhar reformas
Outubro de 2022 ficará marcado como um dos
meses mais longos da história brasileira. As quatro semanas de intervalo entre
o primeiro e o segundo turno da disputa presidencial serviram somente para
interditar o debate sobre os problemas reais que o País terá de encarar no ano
que vem, em especial na economia. Nem o presidente Jair Bolsonaro nem o petista
Lula da Silva se prestaram a apresentar ao menos um rascunho de um programa
econômico com um diagnóstico do quadro nacional, uma análise sobre as
perspectivas perante o cenário externo ou propostas para encaminhar soluções
estruturais para o País.
Quem vencer a eleição no próximo domingo,
no entanto, não terá tempo a perder. O Orçamento é o maior e mais imediato dos
problemas – e precisa ser aprovado até o fim do ano. Para além de ser a
tradicional peça de ficção enviada pelo Executivo ao Legislativo, a proposta de
2023 garantiu um feito inédito: já saiu do prelo desmoralizada e sem condições
de ser executada. Ela é o reconhecimento tácito da falência de um governo que
se mostrou incapaz de acomodar receitas e despesas a despeito de ter rompido
reiteradamente o teto de gastos.
Já nas próximas semanas, o governo eleito
terá de encontrar maneiras de viabilizar o piso do Auxílio Brasil, recompor a
verba do programa Farmácia Popular e reajustar o salário dos servidores, há
anos sem aumento. Ainda que os investidores já tenham sinalizado ter disposição
de aceitar uma licença para gastar de cerca de R$ 100 bilhões acima do teto, o
presidente terá de apresentar uma âncora fiscal como contrapartida e nomear uma
equipe econômica que tenha o respaldo do mercado. Seja o retorno de metas para
o resultado primário, seja a reconstrução do teto de gastos ou uma banda de
metas para a dívida pública, o essencial é que o arcabouço fiscal seja crível e
não maquiado por manobras, como receitas extraordinárias ou gastos
excepcionalizados.
Como tal âncora precisará ser aprovada pelo
Congresso, antes mesmo da posse dos parlamentares em fevereiro, o governo não
pode desperdiçar a oportunidade única de retomar o papel de protagonismo do
Executivo na condução da agenda legislativa. Construir uma base de apoio
estável na Câmara e no Senado deve ser uma meta inadiável do novo presidente e
passa, necessariamente, por acabar com as emendas de relator, símbolo da falta
de transparência no manejo dos recursos públicos. De forma realista, uma boa
relação com o Congresso garante não apenas a estabilidade política de um
governante, mas a aprovação de uma agenda econômica que seja liberal sem
desprezar a dimensão social.
Estabelecida uma maioria parlamentar, é
imprescindível priorizar as reformas e resistir à adoção de respostas
temporárias e improvisadas que só adiam a solução de problemas estruturais da
economia. Na área tributária, ainda que haja divergências, o entendimento quase
unânime entre governadores, setor produtivo, especialistas e instituições é o
de que o debate deve ser feito com base nas duas propostas em discussão na
Câmara e no Senado – as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45/2019 e
110/2019. O Executivo deve mirar na unificação de impostos e na simplificação
do sistema, orientado pelo aumento da produtividade, pela redução da burocracia
e pelo crescimento econômico. Diante de todas as necessidades e carências do
País, reduzir a carga se torna um objetivo secundário.
A reforma administrativa tampouco pode ser
menosprezada. O apoio a uma proposta que garanta maior eficiência do gasto
público passa por um texto ambicioso que inclua todas as carreiras públicas.
Isso exige acordos – e não embates – com carreiras do Executivo, Legislativo,
Judiciário e Ministério Público. O mais importante é que tal reforma se reverta
em benefícios para a população, ampliando o acesso e a qualidade dos serviços
públicos.
Ter um plano de ataque para reconquistar a
confiança na economia é fundamental para reconstruir o País. Colocá-lo em
prática, porém, demandará uma liderança capaz de resgatar a pacificação que a
sociedade parece ter perdido há anos.
O desafio político da crise industrial
O Estado de S. Paulo
Indústria de média e alta tecnologia perde
espaço, cenário que qualquer governo deveria trabalhar para reverter
O retrocesso industrial, acentuado nos
últimos dez anos, cada vez mais visível na balança comercial e negligenciado
pelo poder central, será um dos desafios mais urgentes e mais importantes para
o próximo presidente, se ele estiver disposto, de fato, a restaurar o
desenvolvimento econômico. Um dos sinais mais claros da modernização do País,
no último meio século, foi o aumento da presença da indústria nas exportações
de bens. Mas esse avanço começou a perder vigor antes da recessão de 2015-2016
e depois disso a crise setorial se tornou indisfarçável, mas o tema permaneceu
fora da pauta governamental.
De 2018 a 2021 a parcela da indústria de
média e alta tecnologia no valor exportado diminuiu de 15,8% para 11,8%. A do
segmento de alta tecnologia reduziu-se de 4,7% para 2,2%, segundo análise da
Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) citada pelo Estadão.
A mudança qualitativa no comércio exterior é mais um indício de reversão das
mudanças acumuladas depois da 2.ª Guerra Mundial.
O saldo comercial tem refletido o recuo do
setor. No primeiro semestre, o déficit da indústria de alta tecnologia atingiu
US$ 21,1 bilhões, valor 28,6% maior que o de um ano antes. Na indústria de
média e alta tecnologia o saldo negativo cresceu 34,6% e chegou, entre janeiro
e junho deste ano, a US$ 38,5 bilhões, de acordo com estudo do Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento Industrial.
O descompasso entre o Brasil e outros
países, no cenário da indústria, tem sido denunciado por empresários nacionais.
A participação brasileira no valor adicionado da indústria de transformação
global passou de 1,35% em 2019 para 1,28% em 2021, segundo estudo da
Organização das Nações Unidas (ONU) citado pela Confederação Nacional da
Indústria. O País tem perdido posições na classificação internacional desde
1996, mas permaneceu nos dez primeiros lugares até 2014. As perdas continuaram
e em 2021 a indústria brasileira ficou em 15.º lugar.
A expansão e a modernização do setor
industrial, especialmente a partir dos anos 1950, envolveram muito mais que
enormes investimentos. O avanço da industrialização resultou da ampliação dos
canais de financiamento, de políticas setoriais complexas, de uma reforma
cambial implantada em 1968, de incentivos fiscais e de um esforço de geração e
absorção de tecnologia. Houve acertos e erros. Nem todo recurso destinado ao
setor foi bem aproveitado, mas os progressos acumulados em algumas décadas
foram consideráveis.
A longa fase de expansão e modernização da indústria foi interrompida, no entanto, e os principais fatores explicativos são conhecidos. A economia é muito fechada, o sistema tributário é pouco funcional, os esquemas de capitalização e financiamento são deficientes, falta segurança jurídica e a formação de mão de obra é deficiente – para citar só alguns dos obstáculos mais evidentes. A carência de uma política de desenvolvimento, a partir de 2019, agravou esse quadro, com danos econômicos muito piores que os causados pela pandemia.
O Globo
O vencedor da disputa no domingo terá de
apontar logo soluções para a queda no ritmo de crescimento do PIB
É lastimável que a economia brasileira
volte a desacelerar quando a fome ainda fustiga milhões de lares. Instituições
financeiras consultadas pelo Banco Central (BC) preveem que o PIB crescerá
2,76% neste ano e não mais de 0,63% em 2023. Estimativas do Fundo Monetário
Internacional (FMI) são similares. O cenário para o último trimestre do ano
começa a ficar nebuloso, e as estatísticas do IBGE na certa começarão em breve
a captar a perda de fôlego descrita em reportagem do GLOBO.
O certo é que as medidas eleitoreiras adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro para aumentar sua chance de vitória no próximo domingo têm vida curta como motor de crescimento. O governo baixou os combustíveis na marra — há seis semanas a Petrobras tem vendido gasolina abaixo do preço de importação —, distribuiu auxílio a caminhoneiros e taxistas, elevou o valor do programa de transferência de renda e abriu a torneira do gasto como se a conta nunca fosse chegar. As consequências de políticas desastrosas podem tardar, mas um dia aparecem.
Com seu estilo belicoso, Bolsonaro também
contribuiu para o clima de insegurança que aumentou o dólar e a inflação muito
antes de a guerra estourar na Ucrânia no começo do ano. O BC foi uma das
primeiras autoridades monetárias a começar o ciclo de alta dos juros. Desde o
início do ano passado, foram mais de 11 pontos percentuais.
Na reunião de
ontem, o Comitê de Política Monetária manteve a Selic em estratosféricos
13,75%. Ao mesmo tempo, a prévia da inflação de outubro veio
mais alta do que a expectativa de mercado, depois de dois meses de deflação. A
decisão por manter os juros, mesmo diante dos sinais de desaceleração, é sinal
de que o BC não está tão convencido de que a inflação esteja sob controle.
No exterior, o cenário é de
incerteza. De acordo com
o FMI, boa parte da economia mundial entrará em recessão no ano que vem.
Nos Estados Unidos e na Europa, os juros estão em alta para vencer a inflação.
A China parece ter decidido sacrificar suas taxas de crescimento em nome de
questões que considera de segurança nacional, entre elas o desacoplamento das
cadeias de produção que mantêm seu vínculo com os Estados Unidos. Os preços dos
combustíveis deverão continuar a ser pressionados para cima, com o corte de
produção promovido pelos maiores exportadores de petróleo, sob a liderança da
Arábia Saudita.
É por todo esse quadro que o vencedor da
eleição no domingo, seja quem for, precisará ter como prioridade diminuir a
instabilidade doméstica. Eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e os partidos
coligados precisam anunciar logo os nomes que farão parte da equipe econômica
que assumirá em janeiro. Reeleito Jair Bolsonaro, com Paulo Guedes mantido no
cargo de ministro da Economia, um dos primeiros desafios do novo mandato será
lidar com a incerteza gerada pela indefinição orçamentária. Será impraticável
cumprir as promessas da campanha eleitoral sem primeiro pôr um mínimo de ordem
na casa e definir um rumo consistente para a economia brasileira.
Esvaziamento de fundo científico é fruto de
prioridades erradas do Brasil
O Globo
Mecanismo crítico para pesquisa, inovação e
desenvolvimento do país perdeu R$ 44 bilhões em 12 anos
É lamentável — e ao mesmo tempo sintomática
— a constatação de que R$ 44 bilhões arrecadados pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) deixaram de ser aplicados no
setor desde 2010, quando o financiamento para a ciência começou a sofrer cortes
mais drásticos. Os recursos, informou relatório do Centro de Estudos
Universidade, Sociedade e Ciência da Unifesp (Sou Ciência) revelado pelo GLOBO,
voltaram para o Tesouro, perderam a destinação original e foram parar nas
receitas genéricas da União.
O estudo, coordenado pela ex-reitora da
Unifesp Soraya Smaili, considera os recursos arrecadados, mas não aplicados na
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), principal executora do fundo. Entre
2010 e 2021 a arrecadação cresceu, mas os pagamentos feitos pelo FNDCT caíram.
Só no ano passado, o fundo arrecadou R$ 10,41 bilhões, mas pagou apenas R$ 1,3
bilhão.
O total de R$ 44 bilhões — em valores
atualizados — equivale a 25 vezes o valor do maior projeto científico do país
na última década: o acelerador de partículas Sirius, em Campinas (SP), orçado
em R$ 1,8 bilhão. Das 28 unidades federais que produzem pesquisa no país,
apenas uma não sofreu redução de investimentos no período: a Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), que recebeu aportes na pandemia para fabricar vacinas.
As instituições mais afetadas foram as
universidades federais, onde o investimento caiu 50% apenas entre 2019 e 2022.
Com isso, encolheram os recursos para compra de equipamentos, computadores,
livros, móveis, material permanente e reformas de instalações. No início do
mês, o ministro da Educação, Victor Godoy, viu-se obrigado a voltar atrás em
mais um bloqueio de verbas, tamanha a revolta. A situação é tão crítica que as
universidades corriam risco de não ter dinheiro para pagar contas básicas, como
luz e água, e ameaçavam fechar as portas.
Nos últimos anos, cortes nos ministérios da
Educação e de Ciência, Tecnologia e Inovações têm sido uma constante. O setor
não é prioridade para o atual governo. O desprestígio não se revela apenas nos
bloqueios, contingenciamentos ou cortes anunciados a todo momento. Fica patente
também no comportamento de um governo que trocou a ciência pelo obscurantismo.
O presidente Jair Bolsonaro contesta dados objetivos de desmatamento, atacou as
vacinas, incentivou o uso de drogas comprovadamente ineficazes contra a
Covid-19 e preferiu se aconselhar com pseudocientistas durante a pandemia.
Ciência não deveria ser tratada como questão ideológica. O fortalecimento dos setores de educação, ciência, tecnologia e inovação é essencial para o desenvolvimento do país, de qualquer país. Não há caminho para o mundo desenvolvido que não passe por ele. Deixar de investir nessas áreas equivale a deixar de investir no Brasil. Asfixiar financeiramente as universidades e instituições científicas tem um preço. E ele será cobrado.
As pesquisas ficam
Folha de S. Paulo
Ameaças a institutos que medem intenção de
voto são antigas e tendem ao fracasso
Num gesto que não constitui surpresa nem
causa espanto, aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) na Câmara dos
Deputados protocolaram
um pedido de criação da CPI das Pesquisas Eleitorais.
CPI, como se sabe, responde por Comissão
Parlamentar de Inquérito, donde se depreende que existem deputados federais
interessados em investigar os institutos de pesquisa por sua atuação durante as
eleições deste ano.
Se tomada pelo valor de face, a iniciativa
revela os traços parvos e obscurantistas daqueles que a endossam. Seus
signatários, afinal, teriam de acreditar que a disparidade verificada entre os
levantamentos e os resultados nas urnas atestam erro ou má-fé dos institutos.
Ledo engano. Pesquisas,
como deveria ser claro, medem intenção, não sufrágio.
Muita coisa pode acontecer entre a resposta do eleitor na entrevista e sua
decisão final diante da cabine de votação. Querer comparar os dois momentos é
pressupor que ninguém muda de ideia na reta final da campanha.
O equívoco conceitual seria apenas risível
se não viesse insuflado pelo ânimo autoritário. Pois a esse certificado de
estultícia, que muitos parlamentares podem ter conquistado de boa-fé, subjaz o
verdadeiro motivo para a investida bolsonarista: intimidar aqueles que reforçam
a transparência do processo democrático.
A cruzada contra o livre fluxo de
informações começou tão logo o Tribunal Superior Eleitoral confirmou que
Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disputariam o segundo turno neste
domingo. Partiu do presidente da República a primeira agressão contra os
institutos, e a ela se seguiram outras.
Na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que é
líder do governo, disse ser preciso criminalizar as pesquisas que não
acertassem o resultado das urnas. Seu
correligionário Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa, acelerou a
tramitação de um projeto de lei nesse sentido.
Fora do Parlamento, os ministros Ciro
Nogueira (Casa Civil) e Fábio Faria (Comunicações) defenderam o boicote aos
institutos, enquanto a Polícia Federal e o Cade (Conselho Administrativo de
Defesa Econômica) foram mobilizados nessa caça às bruxas.
Se algo pode ser dito em defesa dos
bolsonaristas é que lhes falta originalidade. Institutos de pesquisa no Brasil
enfrentam a oposição dos políticos há mais de 30 anos; mesmo uma CPI já foi
instalada, em 1998, e terminou meses depois sem deixar conclusão.
Assim como no passado, também agora os ataques se mostrarão ociosos, pois uma sociedade democrática sabe reconhecer o valor da liberdade de informação. Os institutos de pesquisa ficam, os defensores da censura passam.
Política da bala
Folha de S. Paulo
É imperativo esclarecer caso do tiroteio em
visita de Tarcísio a Paraisópolis
Em 17 de outubro, um compromisso de
campanha de Tarcísio de Freitas (Republicanos), postulante ao governo de São
Paulo, terminou de forma prematura em razão de um episódio deplorável.
Durante
visita a um projeto social em Paraisópolis, na capital do
estado, uma rajada de tiros irrompeu nas proximidades. Agentes à paisana
revidaram, matando um suspeito. Ninguém mais se feriu.
No mesmo dia, embora o caso ainda estivesse
sob investigação policial, tanto a campanha de Tarcísio como a de seu padrinho
político, Jair Bolsonaro (PL), buscaram explorá-lo politicamente.
No horário eleitoral do candidato à
reeleição, afirmou-se sem rodeios que "Tarcísio de Freitas e sua equipe
foram atacados por criminosos em Paraisópolis". A mesma interpretação foi
adotada, a princípio, pelo ex-ministro nas redes sociais.
O caso, já em si nebuloso, adquire
agora novos
contornos com a revelação, por parte desta Folha, do áudio de
um diálogo ocorrido logo depois do incidente.
Nele, um integrante da campanha de Tarcísio
questiona um cinegrafista da Jovem Pan, que acompanhava a comitiva, a respeito das
imagens que ele havia registrado. Referindo-se a algumas delas, o homem ordena,
taxativo: "Você tem de apagar". E completa: "Não pode divulgar
isso, não".
Tais imagens poderiam ajudar a esclarecer o
tiroteio, algo que, supõe-se, seria do interesse de Tarcísio e seu entorno.
As explicações tampouco justificam a
atitude do estafe. O ex-ministro acusou a imprensa de sensacionalismo e se
referiu ao áudio como "narrativa mentirosa". Afirmou, ainda, que a
ordem teria ocorrido num momento de tensão e que o objetivo seria tão somente
preservar a identidade dos membros da equipe de segurança.
Para
especialistas, a ação pode configurar obstrução à Justiça,
favorecimento pessoal, supressão de documento, fraude processual e coação no
curso do processo, além de violações à legislação eleitoral.
É evidente a necessidade de uma apuração
célere do ocorrido. O pedido da Polícia Civil para ter acesso ao conteúdo
completo das imagens constitui o primeiro passo.
Ao próprio Tarcísio conviria afastar-se da retórica e da prática truculenta do bolsonarismo —que já o levou a defender, com recuos posteriores, propostas equivocadas como o fim das câmeras nos uniformes policiais e o status de secretaria para os comandos das polícias.
China tende a radicalizar com poder
concentrado em Xi
Valor Econômico
A política de não alinhamento do Itamaraty
é algo útil à mão
O presidente chinês Xi Jinping arrancou dos
milhares de participantes do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês uma
carta branca para deixar o poder quando quiser, na maior mudança do
funcionamento do comando do Estado e do PC desde 1989. Mais do que um fato
amplamente esperado, Xi deu demonstrações da rudeza com que pretenderá
governar. Primeiro, ao retirar do plenário seu antecessor Hu Jintao em um
episódio não esclarecido, mas revelador: a campanha anticorrupção do presidente
atingiu muitos membros do partido ligados a Hu. Para indicar uma vitória total
e a submissão do partido a seu poder, foram eleitos para os 7 cargos do Comitê
Permanente do Politburo, a instância suprema de decisão, apenas burocratas
ligados ao presidente, pondo fim a uma hierarquia de postos, diversidade de
posições e idades que vigia no partido desde Deng Xiaoping.
A tomada do poder e fim da direção
colegiada tornou-se possível após uma depuração de alas que têm outras visões
da China ou que estiveram de fato envolvidos em casos de corrupção. Desde os
tempos de Joseph Stalin, na Rússia, e Mao Tsetung, na China, a acusação de
corrupção foi apenas um pretexto falso para expurgar quem se colocasse no
caminho dos líderes autocratas.
Uma ameaça externa, ou percebida como tal,
é razão suficiente para stalinistas e maoístas impedirem a dissensão, em
primeiro momento, e eliminá-la em seguida. Houve uma mudança sísmica na
geopolítica global, e a China é tanto uma das causas como um dos alvos. O mundo
está se separando em blocos cada vez mais, depois da guerra comercial insensata
de Donald Trump, que erigiu barreiras às importações chinesas - um pouco mais
que inúteis economicamente. Exprimindo um consenso partidário americano, o
democrata Joe Biden acentuou o cerco à China. Seu último ato foi o de cercear a
venda de máquinas, equipamentos e softwares usados na fabricação de
semicondutores não só por fabricantes americanos, mas de todos os países que a
utilizam de alguma forma.
Essa era uma arma que estava guardada na
gaveta de Biden e foi usada depois que Xi se colocou ao lado da Rússia na
invasão da Ucrânia. A inclinação autoritária de Xi, seus aumentos dos
orçamentos militares, sua diplomacia mais agressiva e seu apoio, ainda que
longe de incondicional, às aventuras de Putin, levaram o governo americano a
concluir que a ditadura chinesa abriu uma disputa geopolítica com os EUA em
condições de se equiparar no tempo ao poderio econômico americano e subir
degraus em seu poderio militar. Biden quer barrar o avanço chinês e, nessa
ofensiva, conta com o apoio ainda reticente da União Europeia.
A Ásia, mas não só ela, será o campo de
batalha da disputa. Os EUA perderam a grande chance da Parceria Transpacífico,
diante da recusa de um xenófobo como Trump e, com isso, deixaram escapar a
chance de ter capacidade decisiva de influência em todos os campos no quintal
chinês. Coreia do Sul e Japão, mais Austrália, alinham-se com os americanos. Na
China o seu poder é mais concentrado em decorrência do seu enorme parque
fabril. China e EUA detém 50% da capacidade de fazer manufaturados no mundo.
Mais cedo ou mais tarde, os dois países exigirão
um alinhamento político de outros países. O Brasil tem flancos vulneráveis, o
que exigirá dele a habilidade diplomática que o governo Bolsonaro não teve. A
China compra 35% dos produtos vendidos pelo Brasil e o país também depende dos
chineses na importação. A fraqueza brasileira é também sua força. Pequim compra
basicamente alimentos e minério de ferro para os quais não há - por enquanto -
fornecedores globais com escala e preço competitivo suficiente para
substitui-lo. É improvável que surja um a curto prazo e os EUA, maior
competidor em soja e outros produtos, não está mais disposto a aprofundar
vínculos comerciais com a China.
Um novo governo Bolsonaro significará a
manutenção do status quo. Um governo Lula poderá ter arestas a aparar com os
EUA. Lula enterrou a Alca e fez alianças Sul-Sul, onde a China despontou. Os
americanos, porém, compram manufaturas de maior tecnologia do Brasil, que hoje
tem déficit com eles. Abrir pontes entre duas margens afastadas é uma tarefa
delicada. A política de não alinhamento do Itamaraty é algo útil à mão, mas
desenvolvê-la em uma nova polaridade exigirá expertise, negociação, tato e
muita paciência.
"É urgente a tarefa de pacificação nacional ... Não se fala aqui de um tema teórico, distante do dia a dia da população."
ResponderExcluirEstadinho, é o bolsonarismo q está armado com rifles e granadas e tem ânimo de usá-los.
É bolsonaro genocida quem avança sobre competências alheias. É ele tb quem não respeita princípio federativo (vide ICMS).
Por outro lado, sabemos ser a quadrilha de bolsonaro a autora intelectual do bolsolão.
Enfim, dê nome aos bois (ops), estadinho: a necessidade de pacificação decorre do ódio inoculado em nossa sociedade pelo rachador da República.
"Paz é uma tarefa de todos" - belas palavras, mas quem vai DESARMAR AS MILÍCIAS BOLSONARISTAS?? Quem vai prender o GENOCIDA?
ResponderExcluirIsso! Boa pergunta.
ExcluirRelembro que o papa Francisco rezou “a Nossa Senhora Aparecida para proteger e curar o povo brasileiro, para libertá-lo do ódio, da intolerância e da violência”. Ou seja, Bolsonaro nunca mais!
ResponderExcluir