O Estado de S. Paulo
Novo regulamento deverá ter considerável
impacto no acesso de produtos que não sejam ‘deforestation free’ ao mercado
europeu. Brasil será um alvo
O cenário da economia mundial, após a
pandemia e as crises econômicas que se seguiram, aponta na direção de menos
globalização e de mais protecionismo. No caso do Brasil, dois fatores
adicionais poderão afetar as exportações: a proliferação das normas privadas e
as sanções impostas pelo descumprimento de compromissos ambientais. A demora na
ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, por sua vez,
impedirá o Brasil de se beneficiar da ampla desgravação tarifária prevista no
acordo.
É preciso ter presente que a questão ambiental e o combate às mudanças climáticas mobilizam a opinião pública, sobretudo a sua parcela mais jovem, nos principais mercados consumidores, especialmente os EUA e a Europa.
A proteção do meio ambiente tornou-se a
utopia do século 21, assim como o engajamento social foi a utopia do século
passado. A decisão do consumidor, sobretudo em países mais desenvolvidos, de
não comprar produtos que tenham sido produzidos ou extraídos em violação das
regras de proteção ambiental, particularmente o desmatamento ilegal, conta com
forte apoio na sociedade e nos meio políticos e, por conseguinte, induz as
cadeias de distribuição a remover das prateleiras de supermercados alimentos
que não sejam compatíveis com a proteção ambiental. Os chamados padrões
privados tornaram-se, assim, um novo tipo de barreira comercial, sem a
ingerência de governos, mas por opção do consumidor, o que torna o recurso à
Organização Mundial do Comércio (OMC) mais difícil.
O comprometimento da opinião pública levou
à expansão dos partidos verdes, alguns dos quais já participam de coalizões de
governo, como na Alemanha. Mais de 25% dos representantes no Parlamento Europeu
são membros de partidos ecologistas que exercem, portanto, um papel relevante
nas decisões de governo, tanto na Europa como nos EUA, onde integram o
movimento do Green New Deal, que se tornou uma força política decisiva para a
eleição de Biden.
A Resolução 2021/0366 (COD), aprovada pelo
Parlamento Europeu em 13/9/2022, definiu as medidas a serem adotadas pela
Comissão Europeia para proibir o ingresso no mercado europeu de produtos
associados ao desmatamento, particularmente soja, carne bovina, óleo de palma,
cacau e café. Uma segunda resolução ampliou a lista de produtos para incluir
couro, chocolate e móveis. A expectativa do Parlamento é de que a versão final
do regulamento seja aprovada pela comissão antes da COP27, a realizar-se em
novembro, no Egito.
Mais relevantes do que a lista de produtos
são os novos procedimentos para investigação e adoção de sanções contra
produtos que não sejam considerados deforestation free, a saber:
- transferência do ônus da prova do
importador para o exportador, que será responsável pela realização da due
diligence para comprovar que o produto não foi plantado em terra
desmatada;
- rastreabilidade do produto, para
confirmar que obedece à lei nacional contra o desmatamento ilegal;
- o regulamento estabelece condições iguais
de acesso ao mercado europeu tanto para operadores europeus como para
estrangeiros, de modo a evitar a alegação na OMC de tratamento discriminatório
contra empresas estrangeiras;
- as condições contidas na resolução
servirão de base para a negociação com terceiros partes e países que não são
indicados individualmente. Mas a lista dos produtos selecionados corresponde a
80% da pauta de exportação do agronegócio brasileiro para a União Europeia. O
Brasil será, assim, um dos alvos, senão o principal, da resolução.
Uma vez em vigor, o novo regulamento deverá
ter um impacto considerável no acesso ao mercado da União Europeia dos produtos
que não comprovem ser deforestation free. O governo norte-americano, por
sua vez, já submeteu a consulta pública medidas semelhantes às da União
Europeia para impedir o ingresso de produtos associados ao desmatamento no
mercado americano.
O enunciado destes requisitos confirma a
avaliação de que o clima e, em particular, o desmatamento ilegal atingirão
várias das pretensões do Brasil na cena internacional, inclusive o ingresso na
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que anunciou
recentemente a criação de um comitê para investigar a evolução dos índices de
desflorestamento no Brasil.
É bem verdade que algumas das ameaças que
pairam sobre as exportações brasileiras, em particular do agronegócio, são
reforçadas pela ação deletéria de concorrentes do Brasil no mercado
internacional. Mas seria uma ilusão, e mesmo um grave equívoco, creditar a má
imagem do Brasil no exterior a uma campanha de nossos competidores. O problema
é mais profundo, complexo e urgente.
O próximo governo, qualquer que seja, terá
de reverter as políticas contrárias ao interesse nacional que levaram ao
desaparelhamento das agências de proteção ambiental e evidenciaram a falta de
compromisso de nosso governo com a redução do desmatamento. Caso contrário, as
exportações brasileiras, sobretudo do agronegócio, serão penalizadas em alguns
dos mais importantes mercados importadores. Os empresários que cumprem com a
legislação serão prejudicados pelos que não a cumprem.
*Conselheiro de Felsberg e Advogados, foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
Mandem a conta dos prejuízos para o boiadeiro Ricardo Salles e para seu chefe, o também criminoso Jair Bolsonaro!
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