Lula tem de explicar o que entende por
‘reindustrialização’
O Globo
Essa foi uma de suas raras propostas
econômicas na campanha, mas o histórico petista recomenda ceticismo
Na visita que fez à Federação das
Indústrias de São Paulo (Fiesp) no início da campanha, o candidato petista Luiz
Inácio Lula da Silva falou o que a plateia queria ouvir: anunciou a
“reindustrialização” do país como uma das plataformas de seu governo. Como foi
uma das raras ideias econômicas concretas que aventou ao longo de toda a
campanha, torna-se essencial entender o que o líder nas pesquisas de opinião
entende por isso.
O Brasil tem longa tradição de subsídios e
programas protecionistas para indústrias “estratégicas” ou “nascentes”. Os
gastos se perpetuam, a proteção não as expõe à competição e eterniza as
ineficiências, cujo custo é pago pelo consumidor e pela sociedade. O protecionismo
é a receita para emperrar o principal motor do crescimento saudável: a
produtividade. São tantas as iniciativas do tipo no país, que não é
coincidência a produtividade brasileira estar estagnada há décadas.
Os defensores dessa escola de pensamento poderão alegar agora que os efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia nas cadeias globais de suprimento aconselham os países a produzir o máximo possível internamente, de modo a blindar-se de choques externos. Fala-se muito em “desglobalização”, mas isso não pode significar políticas autárquicas e dirigistas para impor a produção local a qualquer custo.
Em entrevista ao GLOBO, o economista-chefe
da petroleira norueguesa Equinor, Eirik Waerness, citou a dependência global de
semicondutores produzidos na Ásia (90% dos chips mais avançados são fabricados
numa das regiões mais sensíveis do planeta, Taiwan). Os lockdowns na China
quebraram as cadeias de suprimentos de microprocessadores algumas vezes. A
guerra na Ucrânia também tem afetado montadoras de carros elétricos.
A revisão dessas redes de comércio parece
inevitável. Uma alternativa é encontrar fornecedores geograficamente mais
próximos. É possível que o Brasil possa aproveitar as oportunidades oferecidas
pelo redesenho do comércio global, como tem se aproveitado do conflito na
Ucrânia para ampliar a venda de grãos. Mas não pode abrir mão de boas práticas
para ganhos de eficiência e redução de custos.
Há motivos para ceticismo diante do
histórico petista. Em termos de “reindustrialização”, os governos Lula e Dilma
Rousseff trouxeram a experiência funesta de forçar a produção interna de sondas
de perfuração e navios para explorar o óleo do pré-sal. Foram gastos bilhões em
subsídios. A aventura resultou em prejuízos bilionários e num gigantesco
esquema de corrupção.
Outra das poucas propostas econômicas
concretas de Lula é usar bancos públicos para financiar empresas. A primeira
ideia que vem à mente é o famigerado programa de “campeões nacionais” lançado
por ele e mantido por Dilma. A carteira de empréstimos do BNDES chegou a US$
200 bilhões. Foram agraciados em operações subsidiadas pelo Tesouro grupos
próximos ao governo, que se internacionalizaram, passaram a pagar gordos
dividendos a seus donos e propinas ao PT.
O Lula III, pelo que se depreende do que
tem dito, usaria o BNDES para apoiar pequenas e médias empresas, que teriam um
ministério exclusivo. Elas empregam grande contingente de mão de obra, mas só
isso não justifica planos mirabolantes sem base em sólidos fundamentos
técnicos. É outra ideia que Lula precisa detalhar, assim como seu programa para
a indústria.
Congresso do Partido Comunista não trará
resposta a desafios da China
O Globo
Ambiente mais autoritário põe em risco
decisões críticas sobre crise na economia, Taiwan e Rússia
Começa hoje em Pequim o 20º Congresso do
Partido Comunista da China, realizado a cada cinco anos. Como nos anteriores, é
tido como certo que o encontro não será palco de grandes debates. As decisões
já foram todas tomadas com antecedência. O papel dos 3 mil delegados será
apenas de figurantes. Toda a coreografia buscará exibir poder e união. Na
edição deste ano, porém, são esperados anúncios inéditos de extrema relevância.
Quebrando a tradição das últimas décadas, o
líder e secretário-geral Xi Jinping provavelmente receberá um terceiro mandato
de cinco anos, que poderá abrir caminho para que ele se mantenha no poder
indefinidamente. Não está descartado que seja agraciado com o título simbólico
de presidente do partido, cargo ocupado por Mao Tsé-Tung e abolido poucos anos depois
de sua morte.
Nos próximos dias, governos de diferentes
países estarão atentos, sobretudo aos nomes que serão promovidos às altas
instâncias de poder. Xi sempre deu preferência ao grupo de aliados da época em
que atuava nas províncias e a tecnocratas do setor de defesa, tendo como régua
a fidelidade, não a capacidade profissional.
Mantido esse padrão, aumentarão as chances
de a China ter mais dificuldades para enfrentar desafios que vão do imbróglio
envolvendo Taiwan à crise no setor imobiliário. As melhores soluções costumam
aparecer nos ambientes em que não há medo do contraditório. O confronto de
ideias entre especialistas é chave para elevar as chances de sucesso de uma
decisão. Na China de Xi, essa prática tem perdido espaço.
Sempre em busca de preservar o poder, a
elite chinesa é obcecada com o esfacelamento da União Soviética. Na década de
1990, líderes como Jiang Zemin permitiram maior abertura ao debate e mais
liberdade para a imprensa. A ideia era que o arejamento do regime permitiria
ajustes para evitar o destino soviético. Xi e seus apoiadores chegaram ao poder
há dez anos com a visão oposta. Para eles, a glasnost de Mikhail Gorbachev foi
a causa da derrocada da URSS. Prevendo tempos mais difíceis e críticas mais
contundentes, endureceram o regime. A liderança coletiva deu lugar à
centralização do poder. Como mostrará a coroação de Xi, essa é a ideia que
ainda prevalece.
Na economia, a China provavelmente
continuará a privilegiar o setor público. Embora o setor privado represente
mais da metade da produção e seja responsável por nove entre dez novos postos
de trabalho, as estatais têm preferência na concessão de crédito. Na área
externa, os embates com os Estados Unidos prosseguirão, assim como o vínculo
com a Rússia.
Ao Brasil, cabe seguir de perto o que
acontece no maior destino das nossas exportações e maior origem das nossas
importações. Além da importância na troca de mercadorias, a China é fonte de
investimentos diretos e de novas tecnologias. Isso exige pragmatismo em
qualquer decisão brasileira sobre o reino de Xi.
É a economia, Lula
Folha de S. Paulo
Candidato oposicionista está obrigado a
dizer o que pretende mudar ou preservar
Ainda líder de uma corrida presidencial que
se tornou mais acirrada e complexa, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) insiste na
soberba de amparar sua postulação eleitoral apenas na vasta rejeição popular a
seu adversário e incumbente, Jair Bolsonaro (PL).
O ex-presidente parece esperar que o
retorno ao Planalto se dê por mera gravidade, ou pelo reconhecimento de feitos
passados. Ou, ainda, porque os eleitores nada mais teriam a perder e estariam
propensos a endossar qualquer alternativa ao quadro atual.
Os resultados
do primeiro turno deveriam ter bastado para que Lula descesse
desse pedestal. Milhões de votos demonstraram ali que os dispostos a reconduzir
Bolsonaro e aliados —ou a evitar novo mandato petista— estão longe de se
limitar à minoria que partilha de teses autoritárias e delírios conspiratórios.
A despeito de dificuldades, o panorama
econômico, decisivo em qualquer eleição, não corresponde a um cenário de terra
arrasada. O aumento do otimismo com o futuro imediato, cumpre recordar, já era
detectado pelo Datafolha antes da abertura das urnas.
A inflação que aflige pobres e remediados
começou a ser contida. O emprego avança com força neste ano. Trabalhadores que
obtiveram vagas e empresários que contrataram querem saber o que lhes aguarda.
É um acinte, portanto, que Lula mantenha a
opacidade quanto a seus planos e nomes para a gestão da economia —além de
um erro
estratégico que pode ter lhe custado a vitória no primeiro
turno. Afinal, a pauta situacionista é, por definição, mais previsível.
É fundamental explicar como manter a
recuperação da atividade e buscar o equilíbrio orçamentário, requisitos para a
sustentação das políticas sociais. Na busca de votos ao centro e à direita,
para além do apoio de formuladores do Plano Real e outros economistas de
renome, Lula precisa romper com velhas doutrinas estatistas que, ao lado da
corrupção, mancharam o legado das administrações petistas.
Promessas de mais gastos públicos e
intervencionismo decerto podem agradar a ideólogos do partido e militantes, mas
afugentam os estratos que têm os olhos voltados para a liberdade econômica, o
empreendedorismo e a contenção da carga de impostos. Já passa da hora de
reconhecer que a agenda liberal dos últimos anos trouxe avanços duradouros.
Em sua primeira campanha vitoriosa ao
Planalto, duas décadas atrás, o petista acertou ao assumir, em carta pública,
compromisso com a responsabilidade fiscal e o respeito aos contratos.
A relativa calmaria financeira de agora não exime Lula de apresentar seus planos e as pessoas que terão a responsabilidade de levá-los adiante. Ao contrário, é o candidato oposicionista que está obrigado a dizer o que pretende mudar ou preservar na economia.
Mais parcimônia, TSE
Folha de S. Paulo
Combate a fake news precisa de
autocontenção, sob pena de afetar liberdades
Avestruz ou escorpião? Eis o dilema que o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) enfrenta nestas eleições ao lidar com a
enxurrada de fake news, baixarias e distorções propagadas pelas mais diversas
candidaturas em todo o país.
Não é pequeno o desafio, nem de todo
inédita a situação. Já se sabe, pela experiência internacional, que campanhas
políticas nas redes sociais se constroem cada vez mais sobre a mentira e a
desinformação; os últimos pleitos no Brasil descambaram pelo mesmo caminho.
A novidade deste ano é a presença de um
presidente e candidato à reeleição que se orgulha de violar a
institucionalidade democrática, patrocinar ataques contra os demais Poderes e
ignorar compromissos com a verdade. Esperar que Jair Bolsonaro (PL) respeite as
regras do jogo é exercício tão ingênuo quanto estéril.
Embora não seja o único a se valer de
expedientes reprováveis nessa disputa, Bolsonaro se diferencia dos demais pela
força do cargo que ocupa e pela ofensiva reiterada ao próprio sistema
eleitoral, conduzida com ignorância, leviandade e nenhum traço de prova.
Foi em reação a esse cenário que o TSE, em
2021, modificou alguns artigos da resolução que versa sobre condutas ilícitas
durante a campanha eleitoral. Entre outras alterações, a corte incluiu o veto a
divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente
descontextualizados.
Tratava-se, a princípio, de iniciativa
voltada à proteção do processo eleitoral, mas, aos poucos, seu escopo se
ampliou. O ministro Alexandre de Moraes, presidente do tribunal, comandou a
cristalização do novo entendimento.
"A questão não é só a inverdade, a
mentira, a notícia falsa, a notícia fraudulenta, fake news, mas também a
utilização, o desvirtuamento na finalidade da divulgação [de notícia]",
disse durante uma sessão do TSE em setembro.
Entende-se o raciocínio; Moraes não quer
ver colada no tribunal a imagem de um avestruz, que, numa leitura tradicional e
distorcida, enfia a cabeça na terra para fugir do que acontece no entorno.
Seria de fato um problema, mas também a
atitude oposta não deixa de sê-lo: ao expandir seu raio de atuação, a corte
pode descair para a censura pura e simples. É esse o caso
de sua interferência recente em conteúdos veiculados pela Gazeta do Povo e por
O Antagonista.
Sai o avestruz, entra o escorpião da
fábula, que lança a ferroada contra o sapo e condena ambos à morte enquanto
atravessam um rio.
Encontrar um equilíbrio entre esses dois
extremos é crucial para o TSE nesta disputa eleitoral, pois não há tribunal
independente sem democracia, mas não há democracia sem liberdade de expressão.
O fantasma da pólio
Folha de S. Paulo
Queda alarmante da cobertura vacinal desde
2015 pode levar à volta da doença
São bastante
preocupantes os resultados obtidos pela campanha nacional de
imunização infantil contra a poliomielite, concluída no dia 30 de setembro.
Iniciada em 9 de agosto, a ação do
Ministério da Saúde estava programada para terminar um mês depois. Mas os
baixos índices de imunização levaram a pasta a prorrogá-la por mais três
semanas.
Mesmo assim, a iniciativa só atingiu pouco
mais da metade das crianças menores de 5 anos. Trata-se, portanto, de índice
muito abaixo da meta de 95% preconizada pelos epidemiologistas e crucial para
impedir a circulação da pólio.
O número geral esconde um quadro regional
heterogêneo que indica onde estão os principais gargalos do país. A Paraíba
alcançou 86% do público-alvo, por exemplo, mas Roraima chegou a somente 23%.
Provocada por um vírus que se aloja no
sistema nervoso central, a poliomielite é uma doença altamente contagiosa, que
nas suas formas mais graves causa a paralisia permanente dos membros.
O último caso registrado no Brasil remonta
a 1989, e em 1994 a Organização Mundial da Saúde conferiu ao país o certificado
de erradicação da moléstia. Porém o vírus permanece em circulação na Nigéria,
no Paquistão e no Afeganistão.
A única maneira de evitar a volta da pólio
no Brasil é manter elevado o percentual de crianças imunizadas. Acontece que,
desde 2015, esse número
só regride por aqui.
Naquele ano, a taxa se encontrava no sólido
patamar de 98,2%. Caiu no ano seguinte para 84,4% e, em 2020, minguou a 75,9%.
Em 2021, no pior ano da pandemia, desabou para alarmantes 67%.
Não à toa, o Brasil foi incluído pela
Organização Pan-Americana de Saúde —ao lado de República Dominicana, Haiti e
Peru— no rol de países que correm risco muito alto de reintrodução da
poliomielite.
Especialistas veem uma conjunção de fatores
por trás do declínio: do relaxamento da população diante da ausência de casos
até a complexidade do calendário vacinal, para não falar da possível influência
do negacionismo antivax.
Diante disso, compete ao Estado, em especial o governo federal, no mínimo divulgar de modo amplo e convincente, a pais e responsáveis, informações a respeito da imunização. Talvez a mensagem mais relevante neste momento seja a de que, apesar do fim da campanha nacional, a vacinação contra a pólio segue ocorrendo em todos os postos de saúde do país.
Desconfiança endêmica
O Estado de S. Paulo
Descrédito generalizado do poder público e da imprensa, dois pilares da democracia, conclama ambos a revigorar as fontes de sua credibilidade – competência e valores – com humildade
O mais recente Barômetro de
Confiança do Grupo Edelman, que mede anualmente índices de
confiança, informa que “a desconfiança é agora a emoção padrão da sociedade”.
Há um “colapso da confiança nas democracias”: menos da metade da população
mundial acredita nas instituições públicas; mesmo os povos desenvolvidos creem
que suas famílias estarão piores em cinco anos. Ansiedades sociais estão se
tornando agudas: 85% se preocupam com a perda do emprego e 75%, com as mudanças
climáticas. A preocupação com a desinformação como arma atingiu um pico histórico
de 76%.
Pior: o ciclo de desconfiança parece
abastecido justamente por duas instituições fundantes da democracia: o governo
eleito e a imprensa independente. Um em cada dois entrevistados vê o governo e
a mídia como forças divisivas. Seja percepção ou realidade, esse descrédito
conclama todos a um amplo e profundo exame de consciência.
Em um mundo de polarizações e redes
sociais, uma nova geração de jornalistas vem questionando o ideal da
objetividade em nome de uma certa “clareza moral”. “Os repórteres deveriam
focar em ser justos e contar a verdade”, resumiu o articulista Wesley Lowery. A
princípio, isso parece não tanto um abandono da objetividade, mas a sua
apoteose. É fácil ver, porém, que, se essa “clareza moral” se degenera em
moralismo e subjetivismo, antes de gerar empatia com o público e engajá-lo,
acabará por aliená-lo ainda mais. Quando se demitiu do New York Times no
ano passado, a editora Bari Weiss ecoou a descrença de muita gente na mídia ao
criticar o que lhe parece o novo consenso no jornal: “Que a verdade não é um
processo de descoberta coletiva, mas uma ortodoxia já conhecida por uns poucos
iluminados cuja tarefa é comunicá-la a todo o resto”.
Algo análogo se passa na política. Para
recobrar a credibilidade, os governos precisam entregar mais bem-estar social,
crescimento inclusivo, liberdades pessoais, acesso à justiça e à paz. Mas tão
importantes quanto esses resultados são seus processos. É crucial expandir
mecanismos que removam barreiras à representação coletiva, deem mais voz aos
cidadãos e tornem o Estado mais responsivo. Ademais, muitas pessoas percebem
seus governos não só como distantes, mas corruptos e capturados por interesses
privados. Por isso, eles precisam distribuir a elas mais instrumentos de
responsabilização e transparência. Participação, transparência e confiança
sempre se reforçam mutuamente.
Para os Três Poderes ou para o Quarto (a
mídia) não se trata de reinventar a roda, mas de revigorar as fontes de toda
credibilidade: competência e integridade. Os cidadãos confiam na imprensa
quando sentem que ela está lhes contando a verdade, e confiam no Estado quando
sentem que ele está lhes provendo a justiça. Mas verdade e justiça são
realizações coletivas. Leitores e eleitores precisam se perceber e, sobretudo,
ser partícipes nesses processos. Por isso, a pedra angular para jornalistas e
estadistas reconstruírem sua credibilidade é a mesma e uma só: humildade.
A confiança é vital para o desenvolvimento
da sociedade. A confiança entre os cidadãos permite que se compreendam e
cooperem. A confiança permite que o poder público planeje políticas e entregue
serviços. Num ecossistema confiável, investidores investem e consumidores
consomem, gerando trabalho e prosperidade. Já a desconfiança leva à
desintegração social, ao “cada um por si”: cada qual buscando a felicidade por
si só para si só. Mas isso é ilusão. O inverso do “Um por todos, todos por um”
é o reverso da fortuna.
“Há muitos membros, mas um só corpo. O olho
não pode dizer à mão: ‘Não preciso de você’; nem a cabeça aos pés: ‘Não preciso
de vocês’. Ao contrário, os membros que parecem mais baixos são
indispensáveis”, advertia o apóstolo Paulo. “Deus dispôs o corpo dando mais
dignidade aos membros que não a tinham, para que não haja dissensões no corpo e
os membros tenham o mesmo cuidado uns pelos outros. Se um sofre, todos padecem
com ele; e se um é revigorado, todos se regozijam com ele.” Assim é em uma
sociedade sadia.
O triunfo dos caquistocratas
O Estado de S. Paulo
Por razões ainda a serem estudadas, eleitores consagraram nas urnas Pazuello, Salles e Damares, que transformaram seu péssimo desempenho como ministros em capital eleitoral
Jair Bolsonaro, como se sabe, instalou no
País uma caquistocracia – o governo dos menos qualificados, em grego –, mas uma
parcela expressiva dos eleitores, em vez de castigar nas urnas os
representantes desse regime destrutivo, premiou alguns de seus melhores
espécimes. Por razões que ainda precisam ser estudadas, os ex-ministros Eduardo
Pazuello, da Saúde, Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Damares Alves, da
Mulher, Família e Direitos Humanos, além de Mário Frias, ex-secretário especial
de Cultura, foram eleitos para o Congresso (Pazuello, Salles e Frias para a
Câmara, e Damares para o Senado) a despeito da razia que cada um promoveu nas
áreas que estiveram sob sua gestão.
É evidente que os quatro não foram eleitos
pelos supostos bons serviços que teriam prestado ao País, mas sim recompensados
nas urnas pela fidelidade canina ao presidente Bolsonaro. Ora, trata-se de um
ex-ministro da Saúde que não teve a menor preocupação com o bem-estar de seus
concidadãos; de um ex-ministro do Meio Ambiente que se pôs ao lado de
desmatadores e garimpeiros ilegais; de um ex-secretário de Cultura mais
preocupado com o armamento da população do que com políticas de fomento às
artes; e de uma ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que
demonstrou ter uma visão muito distorcida sobre o lugar da mulher na sociedade
moderna, não concebe a existência de famílias fora do modelo tradicional e
pensa que alguns humanos têm mais direitos do que outros.
Eleições para cargos proporcionais dão azo
ao triunfo de toda sorte de excentricidades. No entanto, o Brasil terá dado um
passo muito importante em direção ao desenvolvimento humano, político e
econômico quando comportamentos absurdos passarem a merecer somente o repúdio
dos cidadãos, não seus votos.
Em particular, a eleição de Pazuello,
ministro que mais tempo esteve à frente do Ministério da Saúde durante a
pandemia de covid-19, soa como pilhéria sobre os cadáveres dos mais de 680 mil
brasileiros que morreram ao longo da crise sanitária. Sua longevidade no cargo
não se deveu a outro fator que não a subserviência absoluta a Bolsonaro. “Um
manda e outro obedece, é simples assim”, disse Pazuello em outubro de 2020, ao
recuar da compra de vacinas por ordem direta do chefe.
Ninguém de boa-fé haveria de imputar a
Bolsonaro ou a membros de seu governo a responsabilidade total pelos
desdobramentos trágicos da pandemia no País. Contudo, a desídia e a
insensibilidade da dupla Bolsonaro-Pazuello foram, sim, responsáveis por
transformar uma crise sanitária que já seria muito grave por si só no horror
inominável que custou a vida de tantos milhares de brasileiros. É
estupefaciente notar que Bolsonaro foi o candidato à Presidência mais votado em
Manaus (AM), com 53,5% dos votos válidos. Afinal, foi ali que, há não tanto
tempo, dezenas de acometidos por covid-19 morreram em agonia afogados no seco
pela demora do governo federal em enviar oxigênio para os hospitais da região.
O desgoverno Bolsonaro não se restringe,
obviamente, à condução do País durante a pandemia. Políticas públicas nas áreas
de saúde, educação e proteção ambiental foram dizimadas por interesses
particulares e questões ideológicas que beiraram o delírio. Insere-se nesse
contexto o ataque de Bolsonaro contra as vacinas. A bem da verdade, o
presidente não inaugurou o movimento antivacina no Brasil, mas seu discurso
anticientífico o agravou profundamente. Nunca as taxas de cobertura vacinal
contra sarampo e poliomielite, por exemplo, foram tão baixas como agora.
Mas nem tudo é desalento. Figuras ligadas
ao bolsonarismo tiveram desempenho pífio nas urnas, como Fabrício Queiroz,
notório faz-tudo do clã Bolsonaro; Frederick Wasseff, rábula dos Bolsonaros;
Abraham Weintraub, o mais exótico ministro da Educação deste governo; Nise
Yamaguchi e Mayra Pinheiro, candidatas da “bancada da cloroquina”; e Sérgio
Camargo, o presidente da Fundação Palmares que hostilizava negros.
Ou seja, os eleitores indicaram que até
para aberrações é preciso haver algum limite.
O pedregoso caminho do Censo
O Estado de S. Paulo
Depois de inúmeros obstáculos para sua realização, pesquisa do IBGE, essencial para o País, teve sua conclusão adiada
Parecem não ter fim as dificuldades para a
realização do Censo Demográfico 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), cujo término foi adiado de outubro para dezembro. O
principal levantamento estatístico nacional, imprescindível para o planejamento
de políticas públicas e para o rateio de recursos entre Estados e municípios,
acumula tropeços de todo tipo. A cada novo atraso, infelizmente, o País inteiro
sai perdendo.
Um dado resume a grandiosidade e a
importância do Censo: o levantamento é realizado apenas uma vez por década. A
partir daí, suas informações servem de base para o desenho das amostras das
demais pesquisas que, ano após ano, vão atualizando o retrato do País. Outra
característica única do Censo é o detalhamento das estatísticas em nível
municipal, referência para identificar, por exemplo, onde há mais crianças sem
creche. Inclusive em bairros e regiões específicas, o que se mostra essencial
em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
O atual Censo deveria ter sido realizado em
2020, mas foi adiado em razão da pandemia de covid-19 – uma decisão sensata.
Mas a verdadeira saga começou em 2021, expondo, uma vez mais, o aparente
desprezo do governo do presidente Jair Bolsonaro por tudo que se relaciona à
ciência, à pesquisa e ao planejamento de políticas públicas a partir de
evidências.
O governo simplesmente não destinou
recursos para o Censo em 2021, o que levou o governo do Maranhão a acionar o
Supremo Tribunal Federal (STF). Como se sabe, o Censo orienta os repasses dos
Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM). Após o Supremo
determinar que o levantamento ocorresse em 2022, o governo não alocou dinheiro
suficiente − isso depois de já ter exigido que o IBGE enxugasse despesas com o
levantamento. No fim de 2021, o IBGE precisou buscar apoio no Congresso
Nacional para complementar as verbas.
A coleta de dados começou em 1.º de agosto.
E aí surgiram muitas outras dificuldades. A começar por atrasos nos pagamentos
aos recenseadores. O que dizer de uma administração federal capaz de atrasar a
remuneração dos profissionais na linha de frente de um Censo iniciado já dois
anos depois do prazo? Pois foi o que ocorreu, ensejando, claro, uma paralisação
e a debandada de muitos recenseadores. A isso se soma a hostilidade de parte da
população, que teme ou se recusa a responder às perguntas.
Resultado: a coleta está atrasada e, por
causa do ritmo bem mais lento do que em 2010, o prazo final teve que ser
estendido até dezembro, o que pode até prejudicar a qualidade do levantamento,
uma vez que as respostas têm como referência uma data específica e, quanto mais
distante dessa data for a entrevista, menos precisas tendem a ser as respostas.
Correndo para tentar reverter os prejuízos, o IBGE decidiu fazer uma campanha
de conscientização sobre a importância do Censo em 18 capitais. Antes tarde do
que nunca. Em tempos de desmoralização das informações de qualidade, é
imperioso esclarecer os brasileiros sobre a relevância da pesquisa, para que
todos colaborem.
"Lula tem de explicar o que entende por ‘reindustrialização"
ResponderExcluirReindustrialização é refazer o q o broxonaro destruiu - simples.
"Esperar que Jair Bolsonaro (PL) respeite as regras do jogo é exercício tão ingênuo quanto estéril"
ResponderExcluirEm outras palavras, broxonaro é criminoso pois não respeita regras.