segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Bolsonaro mostra força e leva disputa com Lula ao 2º turno

Valor Econômico

Bolsonaro sente-se revigorado para tentar manter-se no Planalto pelo voto, acirrando uma disputa que parecia decidida a favor de Lula

O presidente Jair Bolsonaro mostrou força nas urnas, com votação bem acima da prevista, assim como os principais candidatos por ele apoiados. O ex-presidente Lula, que se empenhou pelo voto útil para encerrar a disputa no primeiro turno, colocou 5,8 milhões de votos de diferença em relação a Bolsonaro, mas ainda assim faltaram-lhe 2,3 milhões de votos para que alcançasse seu objetivo. Bolsonaro frustrou os planos petistas no maior colégio eleitoral do país, o Sudeste (43% do eleitorado nacional), com vantagens importantes em relação ao rival especialmente em São Paulo, enquanto que em Minas Gerais encurtou a distância que o separava do favorito, Lula.

O mapa do voto dos candidatos se manteve quase igual ao da eleição presidencial anterior, com menos brilho para o bolsonarismo que, ainda assim, deu demonstração de vigor nas urnas. Lula teve vitórias acachapantes no Nordeste, ganhou no Amazonas e no Pará, enquanto Bolsonaro garantiu vantagem de mais de 13 pontos percentuais em todos os Estados do Centro-Oeste, e venceu com tranquilidade no Sul. A pequena dianteira dos petistas no Rio Grande do Sul, dada pelas pesquisas, revelou-se uma ilusão. Bolsonaro obteve 49,9% dos votos, ante 42,2% do rival, e empurrou seu ex-ministro Onyx Lorenzoni à frente de Eduardo Leite (PSDB) na corrida para governador no segundo turno. O vice-presidente Hamilton Mourão conquistou vaga no Senado.

Em São Paulo, o presidente ficou 7 pontos percentuais à frente de Lula, com 47,7% e puxou os votos para seu candidato, Tarcísio de Freitas, que teve 42,3% e ultrapassou o favorito, Fernando Haddad (35,7%), numa das maiores e mais significativas surpresas do primeiro turno. Para o Senado, foi eleito o ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes. Outro bolsonarista, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi um dos mais votados a deputado federal, com 641 mil votos.

São Paulo será de novo o centro de batalha crucial no segundo turno. Freitas obteve votos que migraram de Rodrigo Garcia, o candidato tucano que, com 18,4% dos votos, ficou abaixo do que as pesquisas lhe atribuíam, fora da margem de erro. Tornou-se uma opção aos tucanos para votos antipetistas. Com a derrota de Garcia, o império do PSDB em São Paulo, com 28 anos de governo estadual, chegou ao fim, aprofundando a crise do PSDB.

Para Lula, o desafio será obter os votos dos candidatos da terceira via que não conseguiu no primeiro turno. Simone Tebet (MDB) teve sua melhor votação em São Paulo, de 6,35%, e arrebatou 4,9 milhões de votos. Já Ciro Gomes (PDT) encolheu nas urnas para 3%, com 3,5 milhões de votos. Como Bolsonaro cresceu e Lula obteve a votação que dele se esperava, embora na margem inferior das pesquisas, votos que iriam para Ciro já migraram em alguma medida para o presidente.

O eleitorado de Tebet é em parte conservador e, nas pesquisas anteriores, cerca de um quarto deles revelou que poderia votar em Lula, e quase o dobro dessa fatia, entre eleitores de Ciro, faria a mesma coisa, quando inquiridos se poderiam ainda mudar sua preferência no primeiro turno. O PT abriu portas para a senadora do MDB, e uma composição no segundo turno é possível - para Lula, muito mais que necessária.

Bolsonaro teve o caminho livre para avançar na trilha eleitoral. Sergio Moro, seu ex-ministro da Justiça, que roubaria votos seus no eleitorado conservador, mostrou-se um amador no jogo político e acabou sendo eleito para o Senado, contra seu fiador para uma candidatura presidencial, Álvaro Dias, líder do Podemos. Teve também a sorte de que João Doria, que conta com simpatia de setores conservadores do eleitorado, ter sido alijado da disputa no PSDB, que abdicou das eleições para ficar em posição subalterna na aliança com Simone Tebet.

Mesmo sendo o único contendor na pista da direita, Bolsonaro tropeçou na missão de cativar os eleitores de centro, parte dos quais parece ter recuperado ontem nas urnas, graças aos palanques estaduais montados. O fato de que o PT esteja à frente na corrida presidencial, com Lula, mostra não só a capacidade do ex-presidente de ressuscitar o voto petista, como também os erros cometidos por um líder populista incapaz de ouvir conselhos fora de seu círculo familiar na maior parte do tempo.

Sem o ímpeto eleitoral de 2018, Bolsonaro sente-se revigorado para tentar manter-se no Planalto pelo voto, acirrando uma disputa que parecia decidida a favor de Lula.

Mais 4 semanas

Folha de S. Paulo

Haverá segundo turno; economia favorece Bolsonaro e exige definição de Lula

Como se observou nas cinco eleições presidenciais anteriores deste século, a escolha do mandatário maior do país se dará em segundo turno —dentro de quatro semanas.

Jair Bolsonaro (PL) surpreendeu ao conquistar perto de 43% dos votos válidos, acima do que indicavam as pesquisas de intenção. Parece evidente que o momento de melhora econômica, com queda da inflação e do desemprego, favoreceu o presidente e seus aliados.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) amealhou 48% das preferências e aparecia, antes da abertura das urnas, como líder nas simulações de um confronto com o adversário. Não funcionou, contudo, a tentativa petista de apressar o desfecho da contenda com a atração do voto útil antibolsonarista.

Numa campanha de paupérrimo debate programático até aqui, o segundo turno cria a oportunidade para que os finalistas apresentem propostas mais palpáveis e estabeleçam alianças mais amplas, na melhor hipótese baseadas em compromissos de gestão.

Lula, embora tenha governado o país por oito anos, de 2003 a 2010, permanece uma incógnita quanto a seus planos no vital campo da economia. Sua indicação mais importante foi a composição da chapa com o ex-tucano Geraldo Alckmin, hoje no PSB, na vice. Pouco fez além disso, porém.

Seu partido ainda se deixa encantar por teses estatistas e intervencionistas que levaram à ruína orçamentária e a uma profunda recessão sob Dilma Rousseff. O ex-presidente erra ao dar espaço a tais maquinações, que se chocam com suas próprias experiências bem-sucedidas no Planalto, e pode ser forçado a corrigir o erro agora.

Calcula-se que Lula buscará entendimento com Simone Tebet, presidenciável do MDB. Fará bem se indicar se pretende rumar ao centro, inclusive com a indicação de quem dará as cartas na economia, ou se ficará à esquerda.

Já Bolsonaro protagonizou o abuso mais descarado da máquina público em ano eleitoral já visto desde a redemocratização do país, com a distribuição de benefícios sociais sem sustentação fiscal e intervenção nos impostos sobre combustíveis. Seu governo não foi capaz de apresentar um Orçamento para 2023 que mantenha tais medidas.

Nas próximas semanas, deveria também mostrar compromissos mais convincentes com as instituições democráticas. Terá a chance de ganhar mais votos se abandonar a pregação golpista.

De lamentar neste domingo foram as longas filas nas seções, consequência de exigências mal concebidas do Tribunal Superior Eleitoral sob o ministro Alexandre de Moraes. De mais positivo, a ausência da violência que se temia. Que a campanha continue em paz.

Força direitista

Folha de S. Paulo

Nos estados, incumbentes mostram bom desempenho, com a notável exceção paulista

Se há quatro anos o eleitorado se inclinou fortemente à direita e contra o petismo e as forças políticas tradicionais, desta vez a eleição geral mostrou resiliência em certa medida surpreendente desse campo ideológico, provavelmente impulsionada pelos bons ventos econômicos dos últimos meses.

Assim, beneficiários da onda direitista e antipolítica de 2018 não foram contaminados pelo desgaste nacional de Jair Bolsonaro (PL). Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) foi reeleito no primeiro turno; o mesmo conseguiu no Rio de Janeiro Cláudio Castro (PL), que chegou ao governo após o impeachment de Wilson Witzel (PMB).

A centro-direita e a direita mostraram vigor também no Centro-Oeste, Sul e Sudeste, inclusive em estados nos quais se esperava que Lula superasse os adversários.

Em São Paulo, em disparada não detectada pelos institutos de pesquisa, o candidato do Planalto, Tarcísio de Freitas (Republicanos), garantiu o primeiro lugar. No maior colégio do país, vai enfrentar o petista Fernando Haddad, o que de quebra põe fim a uma hegemonia tucana de 28 anos no estado.

A esquerda manteve um desempenho fraco nas disputas estaduais do Sul, do Centro-Oeste e do Norte. No Rio Grande do Sul, onde está o quinto maior eleitorado do país, passaram à segunda etapa o bolsonarista Onyx Lorenzoni (PL) e Eduardo Leite (PSDB), governador até o início deste ano.

Goiás e Pará, os maiores colégios de suas regiões, consagraram dois nomes e sobrenomes tradicionais, reelegendo Ronaldo Caiado (União Brasil) e Helder Barbalho (MDB), respectivamente.

Já a liderança nacional de Luiz Inácio Lula da Silva veio acompanhada de alguma recuperação do PT e de seus aliados. O lulismo confirmou seu poderio no Nordeste. No Rio Grande do Norte, no Piauí e no Ceará, onde já fora vitorioso nos pleitos de 2018, o PT obteve conquistas no primeiro turno.

Correligionários estarão no segundo turno na Bahia e em Sergipe. Em Pernambuco, com o segundo maior número de eleitores da região, atrás da Bahia, Marília Arraes (Solidariedade) segue no páreo.

Tudo considerado, o pragmatismo parece ter superado o afã anterior por renovação. A maioria dos principais incumbentes teve bom desempenho, com a notável exceção paulista —na qual Rodrigo Garcia, no posto há apenas seis meses, não conseguiu superar o processo de erosão do PSDB local.

Segundo turno exige atitude diferente de Lula e Bolsonaro

O Globo

Para vencer o adversário, os dois candidatos têm de oferecer ao eleitor mais do que um antagonismo vazio

As urnas desfizeram ontem a alegria dos que apostavam no voto útil como força irresistível, capaz de catapultar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de volta ao Planalto no primeiro turno. Ao contrário do que sugeriam as pesquisas, ele ficou longe de superar a metade dos votos válidos e meros cinco pontos percentuais à frente do presidente Jair Bolsonaro. Pesaram para a decepção petista a abstenção nos estratos sociais em que Lula reúne mais apoio (pobres e menos escolarizados) e a reação surpreendente de Bolsonaro em estados críticos do Sudeste, como Rio e São Paulo.

Independentemente do desenho regional e do Congresso que emerge das urnas, o Brasil enfrentará o segundo turno em novas condições. Os eleitores deixaram claro — para Lula, para o PT e para os que embarcaram na nau ecumênica dos autoproclamados “salvadores da democracia” — que nem as manhas, patranhas e artimanhas de Jair Bolsonaro foram suficientes para garantir a seu rival uma vitória que lhe permitiria governar como bem entendesse, sem fazer concessões. Vencerá no segundo turno aquele que conseguir atrair a maior parte dos votos dos demais derrotados. Para ambos, isso significará oferecer ao eleitor mais do que o antagonismo vazio que marcou a campanha até aqui.

No caso de Bolsonaro, persiste o desafio de superar a rejeição acumulada desde o início do governo, sobretudo em razão de sua política desastrosa na pandemia. Para isso, ele precisará ser mais explícito em relação ao que fará de concreto em seu novo mandato em áreas como política ambiental, segurança ou educação, para além das obsessões ideológicas que deram o tom do bolsonarismo no primeiro mandato. As urnas demonstraram que ele tem mais força política do que parecia, sobretudo para quem já o julgava derrotado. Mas não necessariamente o suficiente para superar a distância que o separa do primeiro colocado. Para isso, ele precisa apresentar mais.

Quanto a Lula, as circunstâncias o obrigarão a explicitar e a negociar aquilo que, por ter deixado em segundo plano, abriu o flanco à reação bolsonarista. Se, como insiste, sua missão é construir consensos com todos os setores da sociedade, a hora de começar é agora. Não basta encantar a plateia de jantares ou enviar emissários para sussurrar o que diferentes audiências gostariam de ouvir. É preciso reunir uma equipe com a credibilidade necessária para resgatar os danos do bolsonarismo em meio ambiente, educação, saúde, segurança, política externa. Mas antes de tudo e especialmente seu desafio é a economia. Pois foi essa a área em que as gestões petistas cometeram os erros mais graves e duradouros, sem o partido jamais ter feito uma avaliação honesta deles.

Qual sua proposta para substituir o teto de gastos? Que fará a respeito da reforma trabalhista e das privatizações? Que tem a dizer sobre as reformas tributária e administrativa? E sobre o papel do Estado e dos bancos públicos no desenvolvimento? Para superar a reação bolsonarista, um bom começo seria repudiar os devaneios petistas que levaram o Brasil à bancarrota. Se Lula quer ser líder de uma coalizão plural pela democracia, precisa agir como tal — e não como o ungido de um grupo político restrito que, da última vez que ocupou o poder, deixou um legado de ruína fiscal e corrupção. Ele tem quatro semanas para explicar como resgatará o Brasil do abismo bolsonarista. Do contrário, as urnas poderão lhe trazer uma nova surpresa desagradável.

Posição brasileira sobre anexação na Ucrânia causa consternação

O Globo

É compreensível zelar pela compra de fertilizantes russos, mas Brasil tem dever moral de defender democracias

Causou consternação o comportamento da diplomacia brasileira em votação no Conselho de Segurança da ONU na última sexta-feira. Uma resolução apresentada por Estados Unidos e Albânia condenava a anexação de quatro territórios da Ucrânia pela Rússia, descrita corretamente como “violação da Carta das Nações Unidas e do direito internacional”. Dos 15 integrantes do Conselho, dez votaram a favor do texto. O Brasil se uniu a Gabão, China e Índia na abstenção. Antes da votação, todos já sabiam que a medida não daria em nada, pois a Rússia, membro permanente do Conselho, vetaria o texto. Mas não passou despercebido quem ficou em cima do muro.

O argumento brasileiro é conhecido. Declarações do presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral tornaram explícitos os motivos que o levaram a acenar à Rússia e a visitar Vladimir Putin dias antes da invasão. Ele disse ter acertado a entrega de fertilizantes imprescindíveis ao agronegócio brasileiro. O Brasil não ficou só no exercício da realpolitik, a diplomacia baseada em considerações práticas, em detrimento das morais ou ideológicas. A Índia, outra democracia vista pelos americanos como contrapeso aos chineses na Ásia, também se absteve e vem aumentando a compra do petróleo que financia o regime de Putin. Na conta da Índia, além dos fertilizantes, pesa a dependência de armamentos russos.

Nesse contexto, a abstenção brasileira poderia ser interpretada como parte do pagamento pelo fornecimento de fertilizantes. Só que essa é uma visão limitada, com foco no curto prazo. Por mais que fertilizantes sejam essenciais, nossos maiores interesses estratégicos dependem de democracias, não de ditaduras. Mantida essa política, não tardará a chegar o momento em que poderemos sofrer mais na economia e na defesa por ficar em cima do muro numa questão tão evidente.

Os últimos movimentos de Vladimir Putin, com plebiscitos fajutos e a anexação dos quatro territórios, equivalem a uma provocação ao Ocidente num momento em que a Rússia perde terreno no campo de batalha. Em razão da audácia teimosa de Putin, a guerra na Ucrânia deverá perdurar por bom tempo, dividindo o mundo ao meio: um campo ligado ao Ocidente democrático, outro a autocracias como China e Rússia.

É aí que entra em jogo o segundo problema na posição do Itamaraty: ela é contrária a nossos valores. Os brasileiros vivem numa democracia, valorizam o regime que desfrutam e não estão dispostos a abrir mão dele. Mesmo sabendo que a votação no Conselho não teria efeito prático, o governo brasileiro tinha o dever moral de ficar ao lado das democracias que condenam a violação óbvia da soberania ucraniana.

O episódio também demonstra a urgência de o Brasil diversificar suas fontes de fertilizantes. A guerra na Ucrânia deverá se estender, a ditadura russa não mostra sinais de que esteja prestes a ruir, e a anexação possivelmente não será sua última medida absurda. O Brasil não pode correr o risco de queimar sua imagem por satisfazer aos interesses de um autocrata como Putin.

O pior dos pesadelos

O Estado de S. Paulo

Infelizmente, o 2.º turno terá o embate de dois dos piores candidatos disponíveis. Resta esperar que ao menos respeitem o eleitor, mas, a julgar pelo histórico de ambos, é esperar demais

Eis o que dá confiar em Luiz Inácio Lula da Silva para “salvar a democracia”. Mesmo tendo por adversário Jair Bolsonaro – o presidente que fez por merecer a mais alta rejeição no cargo –, o líder petista mostrou-se incapaz de reunir a maioria do eleitorado em torno de sua candidatura. Agora, o Brasil terá o suplício de mais quatro semanas de uma campanha eleitoral que não apenas foi até aqui a mais desprovida de propostas e ideias da história nacional recente, como entra numa fase ainda mais sofrível, ao resumir-se a dois candidatos que são, cada um a seu modo, a exata antítese do que o País precisa.

Lula e Bolsonaro se merecem, mas o País não os merece.

Não há a mínima condição de mais quatro anos de Jair Bolsonaro. Seu governo foi caótico, conflituoso, desumano e assustadoramente destrutivo. Bolsonaro descumpriu o primeiro e mais básico compromisso de um presidente da República: respeitar e defender a Constituição de 1988. Ameaçou o processo eleitoral, envolveu as Forças Armadas em questões político-partidárias, foi omisso e perverso na pandemia, desorganizou a administração pública, desrespeitou leis fiscais e eleitorais, implodiu o sistema de proteção social, mostrou-se conivente com escândalos de corrupção nas pastas da Educação e da Saúde, fez da gestão do Orçamento público moeda de troca política – subvertendo os critérios de transparência e de eficiência – e usou o aparato estatal para perseguir adversários políticos e beneficiar familiares e amigos, entre outros descalabros. Isso sem falar da sua absoluta falta de decoro no exercício da Presidência. 

Ou seja, Bolsonaro violou quase todos os princípios republicanos e democráticos que este jornal defende desde sua fundação, razão pela qual não podemos considerar adequado para o País que este senhor seja reeleito. Tivesse a Procuradoria-Geral da República ou o Congresso cumprido o seu papel na proteção da lei e do regime democrático, como aliás defendemos em diversas ocasiões nesta página, o candidato do PL estaria hoje inelegível. E o eleitor estaria livre de ser submetido ao pesadelo da recondução do presidente.

Por sua vez, Lula da Silva achou que bastava ter no horizonte a possibilidade de reeleição de Jair Bolsonaro para que o eleitor crítico do presidente apoiasse incondicionalmente a candidatura petista. Não achou necessário apresentar programa de governo nem se comprometer com nenhuma proposta concreta para os próximos quatro anos. Pediu ao eleitor um cheque em branco, coisa que Lula e o PT, como bem se sabe, nunca fizeram por merecer.

O partido de Lula superou-se em desfaçatez. Após ser protagonista dos dois maiores escândalos de corrupção das últimas décadas, quis obter o apoio majoritário do eleitorado sem pedir desculpas à população e, principalmente, sem apresentar o que fará de diferente para que a corrupção não volte. Ontem as urnas mostraram que a tática marota não funcionou. Não basta destacar o caráter tenebroso da gestão de Jair Bolsonaro. O regime democrático exige mais de quem almeja ser o presidente da República.

Se quisesse realmente demonstrar preocupação com a democracia, Lula teria começado por afastar-se, sem meias palavras, dos companheiros ditadores de esquerda na América Latina; teria declarado, sem sombra de dúvidas, seu respeito pela liberdade de imprensa, abandonando qualquer ideia de controlar o que a mídia publica ou deixa de publicar; e teria rejeitado o aparelhamento ideológico da máquina estatal e a condução irresponsável de políticas econômicas, marcas do lulopetismo que acabaram por cindir a sociedade. Mas Lula não fez nada disso e não se deve ter esperança de que o fará algum dia, o que é razão mais que suficiente para que este jornal, igualmente, rejeite o voto neste senhor.

Diante de tal cenário, o que se espera é que os dois concorrentes do segundo turno ao menos respeitem a inteligência do eleitor e mantenham um mínimo de civilidade. A julgar pelo que conhecemos de ambos, infelizmente, é pedir demais.

Sem retrocessos regulatórios em 2023

O Estado de S. Paulo

Nos últimos anos, foram ameaçados marcos regulatórios como a Lei das Estatais e legislação das agências reguladoras. É tempo de responsabilidade, e não de aparelhamento

O País tem imensos desafios pela frente, mas seria um erro pensar que se está diante de uma terra arrasada, que nada tem a ser preservado. Apesar de todos os pesares, muitas coisas boas foram feitas desde 1988 – e também em períodos mais recentes. Em concreto, adverte-se para a necessidade de se preservar marcos regulatórios importantes que foram aprovados pelo Congresso nos últimos anos, marcos estes que, de uma forma ou de outra, foram colocados em risco ao longo do governo de Jair Bolsonaro e durante a campanha eleitoral.

Toda legislação pode e deve ser aperfeiçoada. Não existe lei perfeita. Não existe lei que não seja afetada pela passagem do tempo, a exigir uma periódica revisão. No entanto, uma coisa é aperfeiçoar determinada legislação; outra, bem diferente, é alterar precisamente seus pontos positivos ou mesmo revogá-la inteiramente, o que significaria um evidente retrocesso legislativo. As regras devem ser estáveis. Só assim poderão gerar seus melhores efeitos.

É fundamental fortalecer os marcos legais das agências reguladoras. O PT foi contrário à criação das agências. Para Lula, elas representavam uma indevida diminuição do poder do Executivo. Durante as administrações petistas, a resistência contra o fortalecimento do caráter técnico do poder estatal manifestou-se no desleixo em relação a essas autarquias especiais. Diversas vezes, Dilma Rousseff atrasou nomeações das agências reguladoras, deixando colegiados incompletos e sem a devida representação.

Por sua vez, Jair Bolsonaro tentou limitar e constranger a atuação das agências reguladoras; em especial, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) durante a pandemia. Nesse aspecto em concreto, Bolsonaro revelou a mesma incompreensão de Lula. Não aceitou que aspectos técnicos da administração pública – por exemplo, a análise e aprovação de vacinas – estivessem sob a alçada de órgãos técnicos. Queria que tudo fosse submetido a seu arbítrio.

Aprovada durante o governo de Michel Temer, a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) é resultado direto da experiência do País com o escândalo petista do petrolão. O Congresso deu-se conta de que era preciso proteger as estatais e as empresas de capital misto de ingerências políticas. Nomeações de diretores sem critério técnico não apenas atrapalham o bom funcionamento das empresas, como facilitam a ocorrência de crimes contra a administração pública. Nos governos petistas, as estatais viraram celeiro de corrupção. Para evitar isso, o Legislativo impôs requisitos e impedimentos para a nomeação de diretores nessas empresas.

Sem maiores pudores, o PT ensaiou na atual legislatura mexer na Lei das Estatais. Felizmente, o intento não foi adiante, mas contou com o apoio de Jair Bolsonaro – incomodado com o fato de não poder nomear qualquer um para a diretoria da Petrobras. Uma vez mais, Lula e Bolsonaro estavam do mesmo lado. No lado errado.

Outro marco jurídico importante ameaçado pelo PT é a reforma trabalhista de 2017, de fino equilíbrio social e econômico. Sem retirar direitos do trabalhador, a Lei 13.467/2017 modernizou a legislação trabalhista. Entre outros pontos, ampliou as oportunidades de negociação entre empregador e empregado, fortaleceu a segurança jurídica e excluiu a contribuição sindical obrigatória – medida que, além de ferir a liberdade de associação assegurada na Constituição, distorcia a função de representação das entidades sindicais. Apesar de todos esses efeitos positivos – talvez seja o caso de admitir: em razão de todos esses efeitos –, o PT tem anunciado sua intenção de trabalhar para que, em 2023, o Congresso revogue a Lei 13.467/2017.

O Brasil tem de olhar para a frente e fazer as reformas que tanto lhe fazem falta; entre elas, a tributária, a política, a do funcionalismo público e a da gestão do Orçamento. É urgente também configurar como política de Estado, com critérios técnicos, os programas sociais. Há muito a fazer. Ainda que políticos oportunistas digam o contrário, não há tempo para brincar de retrocesso. 

Jovens em mau estado emocional

O Estado de S. Paulo

Pandemia cobra seu preço na forma de ansiedade, mostra pesquisa nacional. Isso demanda atenção redobrada nas escolas

A notícia, publicada no Estadão, de que seis em cada dez jovens na faixa de 15 a 29 anos relataram ter sentido ansiedade nos últimos 12 meses em razão da pandemia de covid-19 é preocupante e serve de alerta para famílias, educadores e profissionais da saúde. Mas está longe de ser uma surpresa. Na verdade, surpreendente seria se o estado emocional e a saúde física e mental da juventude brasileira tivessem passado incólumes por quase dois anos de escolas total ou parcialmente fechadas, em um contexto de incertezas, perdas e sofrimento decorrentes de uma pandemia que mudou por completo a rotina de toda a população – e matou mais de 686 mil pessoas no País.

O dado consta em um levantamento nacional respondido por 16,3 mil jovens entre julho e agosto deste ano. Enquanto 63% dos entrevistados citaram a ansiedade, 50% contaram sentir cansaço permanente ou exaustão e 36% fizeram referência à insônia. A lista é longa e inclui problemas como ganho ou perda exagerada de peso (mencionados por 33% dos respondentes), depressão (18%) e automutilação e/ou pensamento suicida (9%). Não à toa, quase metade dos entrevistados apontou a psicoterapia como atividade prioritária para cuidar da saúde mental. 

Eis um desafio a mais para escolas e redes de ensino, assim como para as universidades, uma vez que fragilidades emocionais e traumas associados à pandemia atingem estudantes de todas as idades. Como se sabe, a educação vai muito além da parte cognitiva, isto é, da aprendizagem dos conteúdos e do desenvolvimento das habilidades e competências curriculares. Acolher os alunos, ouvir suas queixas e criar espaços de apoio e diálogo, se possível com a participação de profissionais da área de saúde mental, são iniciativas que se fazem necessárias no ambiente escolar.

O Brasil foi um dos países onde as escolas permaneceram mais tempo fechadas durante a pandemia, o que privou crianças, adolescentes e jovens do convívio com colegas e professores – parte essencial da formação escolar e universitária. Impossível imaginar, portanto, que a retomada das aulas presenciais pudesse se dar sem um olhar mais atento para as naturais e esperadas dificuldades de quem ficou tanto tempo encerrado em casa na frente da tela de um computador ou do celular.

A pesquisa Juventudes e a pandemia: e agora?, coordenada pelo Atlas das Juventudes, reúne evidências que podem ser úteis para educadores e gestores. Uma delas é que 74% dos entrevistados destacaram, entre os aprendizados da pandemia, a importância da saúde mental. Ou seja, três em cada quatro entrevistados. De novo, o dado é contundente, mas não chega a surpreender. Adultos e idosos sabem como foi desafiador manter o equilíbrio emocional e lidar com as mudanças e com os desafios trazidos pela pandemia. O que dizer, então, de crianças e jovens em fase de formação escolar ou universitária? Mais do que nunca, cuidar da saúde mental dos alunos – e, por extensão, dos professores – é indispensável para fazer a educação avançar.

 

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