Editoriais / Opiniões
Bolsonaro mostra força e leva disputa com
Lula ao 2º turno
Valor Econômico
Bolsonaro sente-se revigorado para tentar
manter-se no Planalto pelo voto, acirrando uma disputa que parecia decidida a
favor de Lula
O presidente Jair Bolsonaro mostrou força
nas urnas, com votação bem acima da prevista, assim como os principais
candidatos por ele apoiados. O ex-presidente Lula, que se empenhou pelo voto
útil para encerrar a disputa no primeiro turno, colocou 5,8 milhões de votos de
diferença em relação a Bolsonaro, mas ainda assim faltaram-lhe 2,3 milhões de
votos para que alcançasse seu objetivo. Bolsonaro frustrou os planos petistas
no maior colégio eleitoral do país, o Sudeste (43% do eleitorado nacional), com
vantagens importantes em relação ao rival especialmente em São Paulo, enquanto
que em Minas Gerais encurtou a distância que o separava do favorito, Lula.
O mapa do voto dos candidatos se manteve quase igual ao da eleição presidencial anterior, com menos brilho para o bolsonarismo que, ainda assim, deu demonstração de vigor nas urnas. Lula teve vitórias acachapantes no Nordeste, ganhou no Amazonas e no Pará, enquanto Bolsonaro garantiu vantagem de mais de 13 pontos percentuais em todos os Estados do Centro-Oeste, e venceu com tranquilidade no Sul. A pequena dianteira dos petistas no Rio Grande do Sul, dada pelas pesquisas, revelou-se uma ilusão. Bolsonaro obteve 49,9% dos votos, ante 42,2% do rival, e empurrou seu ex-ministro Onyx Lorenzoni à frente de Eduardo Leite (PSDB) na corrida para governador no segundo turno. O vice-presidente Hamilton Mourão conquistou vaga no Senado.
Em São Paulo, o presidente ficou 7 pontos
percentuais à frente de Lula, com 47,7% e puxou os votos para seu candidato,
Tarcísio de Freitas, que teve 42,3% e ultrapassou o favorito, Fernando Haddad
(35,7%), numa das maiores e mais significativas surpresas do primeiro turno.
Para o Senado, foi eleito o ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.
Outro bolsonarista, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi um dos
mais votados a deputado federal, com 641 mil votos.
São Paulo será de novo o centro de batalha
crucial no segundo turno. Freitas obteve votos que migraram de Rodrigo Garcia,
o candidato tucano que, com 18,4% dos votos, ficou abaixo do que as pesquisas
lhe atribuíam, fora da margem de erro. Tornou-se uma opção aos tucanos para
votos antipetistas. Com a derrota de Garcia, o império do PSDB em São Paulo,
com 28 anos de governo estadual, chegou ao fim, aprofundando a crise do PSDB.
Para Lula, o desafio será obter os votos
dos candidatos da terceira via que não conseguiu no primeiro turno. Simone
Tebet (MDB) teve sua melhor votação em São Paulo, de 6,35%, e arrebatou 4,9
milhões de votos. Já Ciro Gomes (PDT) encolheu nas urnas para 3%, com 3,5
milhões de votos. Como Bolsonaro cresceu e Lula obteve a votação que dele se
esperava, embora na margem inferior das pesquisas, votos que iriam para Ciro já
migraram em alguma medida para o presidente.
O eleitorado de Tebet é em parte
conservador e, nas pesquisas anteriores, cerca de um quarto deles revelou que
poderia votar em Lula, e quase o dobro dessa fatia, entre eleitores de Ciro,
faria a mesma coisa, quando inquiridos se poderiam ainda mudar sua preferência
no primeiro turno. O PT abriu portas para a senadora do MDB, e uma composição
no segundo turno é possível - para Lula, muito mais que necessária.
Bolsonaro teve o caminho livre para avançar
na trilha eleitoral. Sergio Moro, seu ex-ministro da Justiça, que roubaria
votos seus no eleitorado conservador, mostrou-se um amador no jogo político e
acabou sendo eleito para o Senado, contra seu fiador para uma candidatura
presidencial, Álvaro Dias, líder do Podemos. Teve também a sorte de que João
Doria, que conta com simpatia de setores conservadores do eleitorado, ter sido
alijado da disputa no PSDB, que abdicou das eleições para ficar em posição
subalterna na aliança com Simone Tebet.
Mesmo sendo o único contendor na pista da
direita, Bolsonaro tropeçou na missão de cativar os eleitores de centro, parte
dos quais parece ter recuperado ontem nas urnas, graças aos palanques estaduais
montados. O fato de que o PT esteja à frente na corrida presidencial, com Lula,
mostra não só a capacidade do ex-presidente de ressuscitar o voto petista, como
também os erros cometidos por um líder populista incapaz de ouvir conselhos
fora de seu círculo familiar na maior parte do tempo.
Sem o ímpeto eleitoral de 2018, Bolsonaro sente-se revigorado para tentar manter-se no Planalto pelo voto, acirrando uma disputa que parecia decidida a favor de Lula.
Mais 4 semanas
Folha de S. Paulo
Haverá segundo turno; economia favorece
Bolsonaro e exige definição de Lula
Como se observou nas cinco eleições
presidenciais anteriores deste século, a escolha do mandatário maior do
país se dará em
segundo turno —dentro de quatro semanas.
Jair Bolsonaro (PL) surpreendeu ao
conquistar perto de 43% dos votos válidos, acima do que indicavam as pesquisas
de intenção. Parece evidente que o momento de melhora econômica, com queda da
inflação e do desemprego, favoreceu o presidente e seus aliados.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) amealhou 48%
das preferências e aparecia, antes da abertura das urnas, como líder nas
simulações de um confronto com o adversário. Não funcionou, contudo, a
tentativa petista de apressar o desfecho da contenda com a atração do voto útil
antibolsonarista.
Numa campanha de paupérrimo debate programático até aqui, o segundo turno cria a oportunidade para que os finalistas apresentem propostas mais palpáveis e estabeleçam alianças mais amplas, na melhor hipótese baseadas em compromissos de gestão.
Lula, embora tenha governado o país por
oito anos, de 2003 a 2010, permanece uma
incógnita quanto a seus planos no vital campo da economia. Sua
indicação mais importante foi a composição da chapa com o ex-tucano Geraldo
Alckmin, hoje no PSB, na vice. Pouco fez além disso, porém.
Seu partido ainda se deixa encantar por
teses estatistas e intervencionistas que levaram à ruína orçamentária e a uma
profunda recessão sob Dilma Rousseff. O ex-presidente erra ao dar espaço a tais
maquinações, que se chocam com suas próprias experiências bem-sucedidas no
Planalto, e pode ser forçado a corrigir o erro agora.
Calcula-se que Lula buscará entendimento
com Simone Tebet, presidenciável do MDB. Fará bem se indicar se pretende rumar
ao centro, inclusive com a indicação de quem dará as cartas na economia, ou se
ficará à esquerda.
Já Bolsonaro protagonizou o abuso mais
descarado da máquina público em ano eleitoral já visto desde a redemocratização
do país, com a distribuição de benefícios sociais sem sustentação fiscal e
intervenção nos impostos sobre combustíveis. Seu governo não foi capaz de
apresentar um Orçamento para 2023 que mantenha tais medidas.
Nas próximas semanas, deveria também
mostrar compromissos mais convincentes com as instituições democráticas. Terá a
chance de ganhar mais votos se abandonar a pregação golpista.
De lamentar neste domingo foram as longas filas nas seções, consequência de exigências mal concebidas do Tribunal Superior Eleitoral sob o ministro Alexandre de Moraes. De mais positivo, a ausência da violência que se temia. Que a campanha continue em paz.
Força direitista
Folha de S. Paulo
Nos estados, incumbentes mostram bom
desempenho, com a notável exceção paulista
Se há quatro anos o eleitorado se inclinou
fortemente à direita e contra o petismo e as forças políticas tradicionais,
desta vez a eleição geral mostrou resiliência em certa medida surpreendente
desse campo ideológico, provavelmente impulsionada pelos bons ventos econômicos
dos últimos meses.
Assim, beneficiários da onda direitista e
antipolítica de 2018 não foram contaminados pelo desgaste nacional de Jair
Bolsonaro (PL). Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) foi reeleito no primeiro
turno; o mesmo conseguiu no Rio de Janeiro Cláudio Castro (PL), que chegou ao
governo após o impeachment de Wilson Witzel (PMB).
A centro-direita e a direita mostraram
vigor também no Centro-Oeste, Sul e Sudeste, inclusive em estados nos quais se
esperava que Lula superasse os adversários.
Em São Paulo,
em disparada não detectada pelos institutos de pesquisa, o candidato do
Planalto, Tarcísio de Freitas (Republicanos), garantiu o primeiro lugar. No
maior colégio do país, vai enfrentar o petista Fernando Haddad, o que de
quebra põe fim a uma
hegemonia tucana de 28 anos no estado.
A esquerda manteve um desempenho fraco nas
disputas estaduais do Sul, do Centro-Oeste e do Norte. No Rio Grande do Sul,
onde está o quinto maior eleitorado do país, passaram à segunda etapa o
bolsonarista Onyx Lorenzoni (PL) e Eduardo Leite (PSDB), governador até o
início deste ano.
Goiás e Pará, os maiores colégios de suas
regiões, consagraram dois nomes e sobrenomes tradicionais, reelegendo Ronaldo
Caiado (União Brasil) e Helder Barbalho (MDB), respectivamente.
Já a liderança nacional de Luiz Inácio Lula
da Silva veio acompanhada de alguma recuperação do PT e de seus aliados. O
lulismo confirmou seu poderio no Nordeste. No Rio Grande do Norte, no Piauí e
no Ceará, onde já fora vitorioso nos pleitos de 2018, o PT obteve conquistas no
primeiro turno.
Correligionários estarão no segundo turno
na Bahia e em Sergipe. Em Pernambuco, com o segundo maior número de eleitores
da região, atrás da Bahia, Marília Arraes (Solidariedade) segue no páreo.
Tudo considerado, o pragmatismo parece ter superado o afã anterior por renovação. A maioria dos principais incumbentes teve bom desempenho, com a notável exceção paulista —na qual Rodrigo Garcia, no posto há apenas seis meses, não conseguiu superar o processo de erosão do PSDB local.
Segundo turno exige atitude diferente de
Lula e Bolsonaro
O Globo
Para vencer o adversário, os dois
candidatos têm de oferecer ao eleitor mais do que um antagonismo vazio
As urnas desfizeram ontem a alegria dos que
apostavam no voto útil como força irresistível, capaz de catapultar o
ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva de volta ao Planalto no primeiro turno. Ao
contrário do que sugeriam as pesquisas, ele ficou longe de superar a metade dos
votos válidos e meros cinco pontos percentuais à frente do presidente Jair
Bolsonaro. Pesaram para a decepção petista a abstenção nos estratos
sociais em que Lula reúne mais apoio (pobres e menos escolarizados) e a reação
surpreendente de Bolsonaro em estados críticos do Sudeste, como Rio e São
Paulo.
Independentemente do desenho regional e do
Congresso que emerge das urnas, o Brasil enfrentará o segundo turno em novas
condições. Os eleitores deixaram claro — para Lula, para o PT e para os que
embarcaram na nau ecumênica dos autoproclamados “salvadores da democracia” —
que nem as manhas, patranhas e artimanhas de Jair Bolsonaro foram suficientes
para garantir a seu rival uma vitória que lhe permitiria governar como bem
entendesse, sem fazer concessões. Vencerá no segundo turno aquele que conseguir
atrair a maior parte dos votos dos demais derrotados. Para ambos, isso
significará oferecer ao eleitor mais do que o antagonismo vazio que marcou a
campanha até aqui.
No caso de Bolsonaro, persiste o desafio de
superar a rejeição acumulada desde o início do governo, sobretudo em razão de
sua política desastrosa na pandemia. Para isso, ele precisará ser mais
explícito em relação ao que fará de concreto em seu novo mandato em áreas como
política ambiental, segurança ou educação, para além das obsessões ideológicas
que deram o tom do bolsonarismo no primeiro mandato. As urnas demonstraram que
ele tem mais força política do que parecia, sobretudo para quem já o julgava
derrotado. Mas não necessariamente o suficiente para superar a distância que o
separa do primeiro colocado. Para isso, ele precisa apresentar mais.
Quanto a Lula, as circunstâncias o
obrigarão a explicitar e a negociar aquilo que, por ter deixado em segundo
plano, abriu o flanco à reação bolsonarista. Se, como insiste, sua missão é
construir consensos com todos os setores da sociedade, a hora de começar é
agora. Não basta encantar a plateia de jantares ou enviar emissários para
sussurrar o que diferentes audiências gostariam de ouvir. É preciso reunir uma
equipe com a credibilidade necessária para resgatar os danos do bolsonarismo em
meio ambiente, educação, saúde, segurança, política externa. Mas antes de tudo
e especialmente seu desafio é a economia. Pois foi essa a área em que as
gestões petistas cometeram os erros mais graves e duradouros, sem o partido
jamais ter feito uma avaliação honesta deles.
Qual sua proposta para substituir o teto de
gastos? Que fará a respeito da reforma trabalhista e das privatizações? Que tem
a dizer sobre as reformas tributária e administrativa? E sobre o papel do
Estado e dos bancos públicos no desenvolvimento? Para superar a reação
bolsonarista, um bom começo seria repudiar os devaneios petistas que levaram o
Brasil à bancarrota. Se Lula quer ser líder de uma coalizão plural pela
democracia, precisa agir como tal — e não como o ungido de um grupo político
restrito que, da última vez que ocupou o poder, deixou um legado de ruína fiscal
e corrupção. Ele tem quatro semanas para explicar como resgatará o Brasil do
abismo bolsonarista. Do contrário, as urnas poderão lhe trazer uma nova
surpresa desagradável.
Posição brasileira sobre anexação na
Ucrânia causa consternação
O Globo
É compreensível zelar pela compra de
fertilizantes russos, mas Brasil tem dever moral de defender democracias
Causou consternação o comportamento da
diplomacia brasileira em votação no Conselho de Segurança da ONU na última
sexta-feira. Uma resolução apresentada por Estados Unidos e Albânia condenava a
anexação de quatro territórios da Ucrânia pela Rússia, descrita corretamente
como “violação da Carta das Nações Unidas e do direito internacional”. Dos 15
integrantes do Conselho, dez votaram a favor do texto. O
Brasil se uniu a Gabão, China e Índia na abstenção. Antes da
votação, todos já sabiam que a medida não daria em nada, pois a Rússia, membro
permanente do Conselho, vetaria o texto. Mas não passou despercebido quem ficou
em cima do muro.
O argumento brasileiro é conhecido.
Declarações do presidente Jair Bolsonaro na campanha eleitoral tornaram
explícitos os motivos que o levaram a acenar à Rússia e a visitar Vladimir
Putin dias antes da invasão. Ele disse ter acertado a entrega de fertilizantes
imprescindíveis ao agronegócio brasileiro. O Brasil não ficou só no exercício
da realpolitik, a diplomacia baseada em considerações práticas, em detrimento
das morais ou ideológicas. A Índia, outra democracia vista pelos americanos
como contrapeso aos chineses na Ásia, também se absteve e vem aumentando a
compra do petróleo que financia o regime de Putin. Na conta da Índia, além dos
fertilizantes, pesa a dependência de armamentos russos.
Nesse contexto, a abstenção brasileira
poderia ser interpretada como parte do pagamento pelo fornecimento de
fertilizantes. Só que essa é uma visão limitada, com foco no curto prazo. Por
mais que fertilizantes sejam essenciais, nossos maiores interesses estratégicos
dependem de democracias, não de ditaduras. Mantida essa política, não tardará a
chegar o momento em que poderemos sofrer mais na economia e na defesa por ficar
em cima do muro numa questão tão evidente.
Os últimos movimentos de Vladimir Putin,
com plebiscitos fajutos e a anexação dos quatro territórios, equivalem a uma
provocação ao Ocidente num momento em que a Rússia perde terreno no campo de
batalha. Em razão da audácia teimosa de Putin, a guerra na
Ucrânia deverá perdurar por bom tempo, dividindo o mundo ao
meio: um campo ligado ao Ocidente democrático, outro a autocracias como China e
Rússia.
É aí que entra em jogo o segundo problema
na posição do Itamaraty: ela é contrária a nossos valores. Os brasileiros vivem
numa democracia, valorizam o regime que desfrutam e não estão dispostos a abrir
mão dele. Mesmo sabendo que a votação no Conselho não teria efeito prático, o
governo brasileiro tinha o dever moral de ficar ao lado das democracias que
condenam a violação óbvia da soberania ucraniana.
O episódio também demonstra a urgência de o Brasil diversificar suas fontes de fertilizantes. A guerra na Ucrânia deverá se estender, a ditadura russa não mostra sinais de que esteja prestes a ruir, e a anexação possivelmente não será sua última medida absurda. O Brasil não pode correr o risco de queimar sua imagem por satisfazer aos interesses de um autocrata como Putin.
O pior dos pesadelos
O Estado de S. Paulo
Infelizmente, o 2.º turno terá o embate de dois dos piores candidatos disponíveis. Resta esperar que ao menos respeitem o eleitor, mas, a julgar pelo histórico de ambos, é esperar demais
Eis o que dá confiar em Luiz Inácio Lula da
Silva para “salvar a democracia”. Mesmo tendo por adversário Jair Bolsonaro – o
presidente que fez por merecer a mais alta rejeição no cargo –, o líder petista
mostrou-se incapaz de reunir a maioria do eleitorado em torno de sua
candidatura. Agora, o Brasil terá o suplício de mais quatro semanas de uma
campanha eleitoral que não apenas foi até aqui a mais desprovida de propostas e
ideias da história nacional recente, como entra numa fase ainda mais sofrível,
ao resumir-se a dois candidatos que são, cada um a seu modo, a exata antítese
do que o País precisa.
Lula e Bolsonaro se merecem, mas o País não
os merece.
Não há a mínima condição de mais quatro
anos de Jair Bolsonaro. Seu governo foi caótico, conflituoso, desumano e
assustadoramente destrutivo. Bolsonaro descumpriu o primeiro e mais básico
compromisso de um presidente da República: respeitar e defender a Constituição
de 1988. Ameaçou o processo eleitoral, envolveu as Forças Armadas em questões
político-partidárias, foi omisso e perverso na pandemia, desorganizou a
administração pública, desrespeitou leis fiscais e eleitorais, implodiu o
sistema de proteção social, mostrou-se conivente com escândalos de corrupção
nas pastas da Educação e da Saúde, fez da gestão do Orçamento público moeda de
troca política – subvertendo os critérios de transparência e de eficiência – e
usou o aparato estatal para perseguir adversários políticos e beneficiar
familiares e amigos, entre outros descalabros. Isso sem falar da sua absoluta falta
de decoro no exercício da Presidência.
Ou seja, Bolsonaro violou quase todos os
princípios republicanos e democráticos que este jornal defende desde sua
fundação, razão pela qual não podemos considerar adequado para o País que este
senhor seja reeleito. Tivesse a Procuradoria-Geral da República ou o Congresso
cumprido o seu papel na proteção da lei e do regime democrático, como aliás
defendemos em diversas ocasiões nesta página, o candidato do PL estaria hoje
inelegível. E o eleitor estaria livre de ser submetido ao pesadelo da
recondução do presidente.
Por sua vez, Lula da Silva achou que
bastava ter no horizonte a possibilidade de reeleição de Jair Bolsonaro para
que o eleitor crítico do presidente apoiasse incondicionalmente a candidatura
petista. Não achou necessário apresentar programa de governo nem se comprometer
com nenhuma proposta concreta para os próximos quatro anos. Pediu ao eleitor um
cheque em branco, coisa que Lula e o PT, como bem se sabe, nunca fizeram por
merecer.
O partido de Lula superou-se em desfaçatez.
Após ser protagonista dos dois maiores escândalos de corrupção das últimas
décadas, quis obter o apoio majoritário do eleitorado sem pedir desculpas à
população e, principalmente, sem apresentar o que fará de diferente para que a
corrupção não volte. Ontem as urnas mostraram que a tática marota não
funcionou. Não basta destacar o caráter tenebroso da gestão de Jair Bolsonaro.
O regime democrático exige mais de quem almeja ser o presidente da República.
Se quisesse realmente demonstrar
preocupação com a democracia, Lula teria começado por afastar-se, sem meias
palavras, dos companheiros ditadores de esquerda na América Latina; teria
declarado, sem sombra de dúvidas, seu respeito pela liberdade de imprensa,
abandonando qualquer ideia de controlar o que a mídia publica ou deixa de
publicar; e teria rejeitado o aparelhamento ideológico da máquina estatal e a
condução irresponsável de políticas econômicas, marcas do lulopetismo que
acabaram por cindir a sociedade. Mas Lula não fez nada disso e não se deve ter
esperança de que o fará algum dia, o que é razão mais que suficiente para que
este jornal, igualmente, rejeite o voto neste senhor.
Diante de tal cenário, o que se espera é
que os dois concorrentes do segundo turno ao menos respeitem a inteligência do
eleitor e mantenham um mínimo de civilidade. A julgar pelo que conhecemos de
ambos, infelizmente, é pedir demais.
Sem retrocessos regulatórios em 2023
O Estado de S. Paulo
Nos últimos anos, foram ameaçados marcos regulatórios como a Lei das Estatais e legislação das agências reguladoras. É tempo de responsabilidade, e não de aparelhamento
O País tem imensos desafios pela frente,
mas seria um erro pensar que se está diante de uma terra arrasada, que nada tem
a ser preservado. Apesar de todos os pesares, muitas coisas boas foram feitas
desde 1988 – e também em períodos mais recentes. Em concreto, adverte-se para a
necessidade de se preservar marcos regulatórios importantes que foram aprovados
pelo Congresso nos últimos anos, marcos estes que, de uma forma ou de outra,
foram colocados em risco ao longo do governo de Jair Bolsonaro e durante a campanha
eleitoral.
Toda legislação pode e deve ser
aperfeiçoada. Não existe lei perfeita. Não existe lei que não seja afetada pela
passagem do tempo, a exigir uma periódica revisão. No entanto, uma coisa é
aperfeiçoar determinada legislação; outra, bem diferente, é alterar
precisamente seus pontos positivos ou mesmo revogá-la inteiramente, o que
significaria um evidente retrocesso legislativo. As regras devem ser estáveis.
Só assim poderão gerar seus melhores efeitos.
É fundamental fortalecer os marcos legais
das agências reguladoras. O PT foi contrário à criação das agências. Para Lula,
elas representavam uma indevida diminuição do poder do Executivo. Durante as
administrações petistas, a resistência contra o fortalecimento do caráter
técnico do poder estatal manifestou-se no desleixo em relação a essas
autarquias especiais. Diversas vezes, Dilma Rousseff atrasou nomeações das
agências reguladoras, deixando colegiados incompletos e sem a devida
representação.
Por sua vez, Jair Bolsonaro tentou limitar
e constranger a atuação das agências reguladoras; em especial, da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) durante a pandemia. Nesse aspecto em
concreto, Bolsonaro revelou a mesma incompreensão de Lula. Não aceitou que
aspectos técnicos da administração pública – por exemplo, a análise e aprovação
de vacinas – estivessem sob a alçada de órgãos técnicos. Queria que tudo fosse
submetido a seu arbítrio.
Aprovada durante o governo de Michel Temer,
a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) é resultado direto da experiência do País
com o escândalo petista do petrolão. O Congresso deu-se conta de que era
preciso proteger as estatais e as empresas de capital misto de ingerências
políticas. Nomeações de diretores sem critério técnico não apenas atrapalham o
bom funcionamento das empresas, como facilitam a ocorrência de crimes contra a
administração pública. Nos governos petistas, as estatais viraram celeiro de
corrupção. Para evitar isso, o Legislativo impôs requisitos e impedimentos para
a nomeação de diretores nessas empresas.
Sem maiores pudores, o PT ensaiou na atual
legislatura mexer na Lei das Estatais. Felizmente, o intento não foi adiante,
mas contou com o apoio de Jair Bolsonaro – incomodado com o fato de não poder
nomear qualquer um para a diretoria da Petrobras. Uma vez mais, Lula e
Bolsonaro estavam do mesmo lado. No lado errado.
Outro marco jurídico importante ameaçado
pelo PT é a reforma trabalhista de 2017, de fino equilíbrio social e econômico.
Sem retirar direitos do trabalhador, a Lei 13.467/2017 modernizou a legislação
trabalhista. Entre outros pontos, ampliou as oportunidades de negociação entre
empregador e empregado, fortaleceu a segurança jurídica e excluiu a
contribuição sindical obrigatória – medida que, além de ferir a liberdade de
associação assegurada na Constituição, distorcia a função de representação das
entidades sindicais. Apesar de todos esses efeitos positivos – talvez seja o
caso de admitir: em razão de todos esses efeitos –, o PT tem anunciado sua
intenção de trabalhar para que, em 2023, o Congresso revogue a Lei 13.467/2017.
O Brasil tem de olhar para a frente e fazer
as reformas que tanto lhe fazem falta; entre elas, a tributária, a política, a
do funcionalismo público e a da gestão do Orçamento. É urgente também
configurar como política de Estado, com critérios técnicos, os programas
sociais. Há muito a fazer. Ainda que políticos oportunistas digam o contrário,
não há tempo para brincar de retrocesso.
Jovens em mau estado emocional
O Estado de S. Paulo
Pandemia cobra seu preço na forma de ansiedade, mostra pesquisa nacional. Isso demanda atenção redobrada nas escolas
A notícia, publicada no Estadão, de
que seis em cada dez jovens na faixa de 15 a 29 anos relataram ter sentido
ansiedade nos últimos 12 meses em razão da pandemia de covid-19 é preocupante e
serve de alerta para famílias, educadores e profissionais da saúde. Mas está
longe de ser uma surpresa. Na verdade, surpreendente seria se o estado
emocional e a saúde física e mental da juventude brasileira tivessem passado
incólumes por quase dois anos de escolas total ou parcialmente fechadas, em um
contexto de incertezas, perdas e sofrimento decorrentes de uma pandemia que
mudou por completo a rotina de toda a população – e matou mais de 686 mil
pessoas no País.
O dado consta em um levantamento nacional
respondido por 16,3 mil jovens entre julho e agosto deste ano. Enquanto 63% dos
entrevistados citaram a ansiedade, 50% contaram sentir cansaço permanente ou
exaustão e 36% fizeram referência à insônia. A lista é longa e inclui problemas
como ganho ou perda exagerada de peso (mencionados por 33% dos respondentes),
depressão (18%) e automutilação e/ou pensamento suicida (9%). Não à toa, quase
metade dos entrevistados apontou a psicoterapia como atividade prioritária para
cuidar da saúde mental.
Eis um desafio a mais para escolas e redes
de ensino, assim como para as universidades, uma vez que fragilidades
emocionais e traumas associados à pandemia atingem estudantes de todas as
idades. Como se sabe, a educação vai muito além da parte cognitiva, isto é, da
aprendizagem dos conteúdos e do desenvolvimento das habilidades e competências
curriculares. Acolher os alunos, ouvir suas queixas e criar espaços de apoio e
diálogo, se possível com a participação de profissionais da área de saúde
mental, são iniciativas que se fazem necessárias no ambiente escolar.
O Brasil foi um dos países onde as escolas
permaneceram mais tempo fechadas durante a pandemia, o que privou crianças,
adolescentes e jovens do convívio com colegas e professores – parte essencial
da formação escolar e universitária. Impossível imaginar, portanto, que a
retomada das aulas presenciais pudesse se dar sem um olhar mais atento para as
naturais e esperadas dificuldades de quem ficou tanto tempo encerrado em casa
na frente da tela de um computador ou do celular.
A pesquisa Juventudes e a pandemia: e
agora?, coordenada pelo Atlas das Juventudes, reúne evidências que podem ser
úteis para educadores e gestores. Uma delas é que 74% dos entrevistados
destacaram, entre os aprendizados da pandemia, a importância da saúde mental.
Ou seja, três em cada quatro entrevistados. De novo, o dado é contundente, mas
não chega a surpreender. Adultos e idosos sabem como foi desafiador manter o
equilíbrio emocional e lidar com as mudanças e com os desafios trazidos pela
pandemia. O que dizer, então, de crianças e jovens em fase de formação escolar
ou universitária? Mais do que nunca, cuidar da saúde mental dos alunos – e, por
extensão, dos professores – é indispensável para fazer a educação avançar.
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