O Globo
Acima de tudo, precisaremos, como dizia
Anísio Teixeira em 1947, fazer ‘da educação o serviço fundamental da República’
“Falamos
em Democracia, temos aspirações democráticas, sentimentos democráticos.
Suspiramos pela Democracia, mas nunca lhe quisemos pagar o preço”. Esta frase
poderia ter sido escrita hoje, na véspera da mais importante eleição desde a
redemocratização, tal a precisão do diagnóstico sobre o que está em jogo no
país. Mas é de 1947, e consta de um discurso de
Anísio Teixeira (1900-1971) na Assembleia Constituinte Estadual da Bahia, num
momento em que o Brasil havia acabado de sair de uma Ditadura.
Sendo o autor um dos maiores educadores
brasileiros de todos os tempos, não é difícil imaginar qual seria, em sua
visão, o preço que nunca quisemos pagar: “o preço da Democracia é a educação
para todos, educação boa e bastante para todos, a mais difícil, repetimos, das
educações: a educação que faz homens livres e virtuosos”.
Anísio foi profundamente influenciado pelo pensamento do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952), que enfatizava ser a educação universal não apenas um direito, mas condição necessária para a construção de uma democracia estável. Não por acaso, em seu discurso, Anísio citava outro educador dos Estados Unidos, Horace Mann (1796-1859), principal liderança do Common School Movement, que defendia a tese – revolucionária à época – de que todas as crianças deveriam estar matriculadas em escolas públicas e gratuitas.
Historiadores da educação enfatizam que não
é coincidência o fato de o Common School Movement, do século XIX, ter
acontecido no mesmo período em que ocorreram campanhas de ampliação do direito
ao voto em democracias ocidentais.
A educação, chave essencial para um projeto
de sociedade democrática, não é a única variável relevante em jogo hoje no
Brasil. Nossa situação se insere em um movimento global caracterizado pela
tentativa de erodir a ordem democrática através de um conjunto de práticas
sistemáticas que incluem ataques ao jornalismo profissional e aos opositores do
governo, incitação à violência, loteamento do Judiciário, descrédito e ameaças
de fechamento do Parlamento.
À esquerda ou à direita, essa tem sido a
estratégia de lideranças autoritárias que conquistam o poder por vias
democráticas, mas o exercem de modo arbitrário e violento. É no segundo
mandato, porém, que esses projetos autoritários ganham maior robustez, ao
migrarem da retórica agressiva e antissistema para o efetivo desmonte das
instituições basilares do funcionamento democrático, permitindo que autocratas
se perpetuem no poder. Casos como Hungria, Turquia e Venezuela ilustram bem os
perigos do flerte autoritário.
A experiência histórica nos diz que a
ruptura democrática ocorria, em geral, por meio de um choque, como um clássico
golpe de estado. Como enfatizado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em “Como as democracias morrem”, de 2018, a subversão
democrática tem se dado de forma distinta no século XXI.
Trata-se de um fenômeno lento e gradual,
frequentemente subvertido por dentro, pelas mãos de líderes de tendência
autoritária que, navegando através de instituições e poderes, terminam por
erodir a democracia.
Nos últimos três anos e meio – para além
dos ataques diretos aos sistemas de freios e contrapesos – o governo federal
desmontou políticas públicas nas áreas de Meio Ambiente, Educação, Cultura,
Ciência e Assistência Social, imprescindíveis para o bom funcionamento de nossa
democracia. Recolocar o país na rota de aperfeiçoamento da democracia,
portanto, exigirá de nós muito mais do que respeito às instituições e às regras
do jogo eleitoral.
Aventuras populistas autoritárias em todo o
mundo – vimos, nesta semana, o exemplo da Itália – se alimentam justamente do
ressentimento e da frustração do eleitorado com sua qualidade de vida.
De novo, Anísio Teixeira alerta que, apesar
de conhecermos as promessas e os frutos da democracia, este é “por excelência,
um regime social e político difícil e de alto preço”. Assim, mesmo ao recompor
a trajetória democrática a partir do resultado das urnas amanhã, certo é que
teremos uma árdua tarefa pela frente.
Vamos precisar de muita disposição para o
diálogo; de competência técnica e política para recolocar as políticas públicas
na direção certa; e de visão estratégica para acelerar a velocidade das
transformações estruturais, além de fortalecer
nossas instituições democráticas. Mas,
acima de tudo, precisaremos, como dizia Anísio em 1947, fazer “da educação o
serviço fundamental da República”. Ao vencedor, pois, a missão da educação – de
qualidade e para todos.
*Ricardo Henriques, economista, é superintendente-executivo do Instituto Unibanco e professor associado da Fundação Dom Cabral
Desejo saúde e paz a todos.
ResponderExcluirEu sempre leio os artigos um dia depois.
ResponderExcluir"Nos últimos três anos e meio...o governo federal desmontou políticas públicas...de Meio Ambiente, Educação, Cultura, Ciência e Assistência Social"
ResponderExcluirE nada pôs no lugar.
Bozo apenas e tão somente destruiu, fez terra arrasada.
Caberá a LULA RE-construir, o q será feito com melhorias.
Preferencialmente, com LULA NO PRIMEIRO TURNO AMANHÃ.
Educação de qualidade a todos,é isto aí.
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