O Estado de S. Paulo
Não funcionou a tática das duas campanhas de apelar ao esquecimento
Na fase final da corrida eleitoral as
campanhas se dedicam também à supressão de duas memórias coletivas. Ambas de
altíssimo conteúdo emocional.
Por parte de Lula, é a tentativa de apagar
da recente memória coletiva os enormes escândalos de corrupção do período
petista. Esforço até aqui malsucedido: a rejeição de Lula subiu nas últimas
semanas.
Por parte de Bolsonaro, é a tentativa de
apagar da recente memória coletiva a dor e o sofrimento trazidos pela pandemia.
São sentimentos de forte impacto sobretudo no eleitorado feminino. Esforço
também malsucedido: a rejeição de Bolsonaro “melhorou”, mas continua superior à
de Lula.
O que explica o empenho de duas campanhas profissionais em tentar relativizar acontecimentos bastante recentes de tamanhas amplitude e relevância?
Provavelmente o apego à convicção, nos
operadores políticos profissionais, de que a essência da política é fazer a
própria narrativa prevalecer, impedindo que a do adversário se sobreponha. Isso
é tão velho quanto a política, mas parece ter assumido significância ainda
maior no atual “espírito de nossa época”, que é o da criação de “fatos
alternativos”.
O problema é o choque dessas táticas
político-eleitorais com a realidade, pois parecem ter apostado numa monumental
dissonância cognitiva coletiva. As duas campanhas aparentemente menosprezaram o
peso de acontecimentos históricos cujo alcance se mostrou bem superior à
capacidade de gerar “fatos alternativos”, mesmo com a predominância de redes
sociais.
No caso de Lula, é o fato de que uma enorme
parcela da população enxerga a corrupção como o pior problema do País e viu na
Lava Jato uma resposta aos poderosos que sempre escapavam da Justiça. Ela não é
vista como simplesmente uma operação policial ou vingança contra Lula: é
encarada como evento a ser celebrado, não importa que erros possa ter cometido.
No caso de Bolsonaro, os mortos da pandemia
pesam não só pelos números horríveis, mas, sobretudo, pela gritante falta de
empatia frente ao sofrimento de centenas de milhares de famílias. É algo tão
profundo, esse tipo de sentimento, que mal se consegue expressar em palavras –
mas a rejeição é o sintoma. Ela traduz a falta do gesto de carinho, do abraço,
da lágrima dividida com quem perdeu alguém.
É claro que na decisão do eleitor impactam fatores comuns a qualquer eleição em qualquer lugar, tais como economia, ideologias, valores, religião. E tudo se funde num tipo de emoção, em geral de esperança. No caso do Brasil, prevalece o medo. Nenhuma das duas campanhas conseguiu escapar da frase “teu passado te condena”.
Só resta escolher o mal menor.
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