segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Alex Ribeiro - Preocupações do BC com a política fiscal

Valor Econômico

Pela ata do Copom, o que conta não é exatamente a opinião do Banco Central sobre como será a política fiscal de Lula, mas sim a reação dos mercados ao que for anunciado pelo governo eleito

O Banco Central está evitando falar de política fiscal nesse período de transição para o governo Lula, mas discretamente não deixa de passar a sua preocupação com a evolução das contas públicas. Banqueiros centrais sabem que, sem o fiscal em ordem, não há independência de fato para a política monetária baixar a inflação.

Na sexta-feira, o diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra Fernandes, foi questionado em um evento da Bradesco Asset Management sobre qual é o tamanho do “waiver” fiscal que seria aceitável para a autoridade monetária, permitindo cumprir o mandato de estabilidade monetária. “Vou fugir da resposta específica”, disse. Ele preferiu recontar o caso do governo de Liz Truss no Reino Unido, que foi punido pelos mercados por anunciar cortes de impostos que agravaram a situação fiscal do país. “Os mercados já não vão aceitar assim tão facilmente a expansão de gastos, como aceitaram até recentemente”, completou, ainda se referindo a situação do Reino Unido, que levou à queda de Truss.

Serra nem precisava entrar em detalhes, porque as atas do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central já expressam há tempos as preocupações com a política fiscal do futuro governo, fosse eleito Lula ou Bolsonaro. “O aumento de gastos de forma permanente e a incerteza sobre sua trajetória a partir do próximo ano podem elevar os prêmios de risco do país e as expectativas de inflação à medida que pressionem a demanda agregada e piorem as expectativas sobre a trajetória fiscal.”

Pelo que está escrito na ata, o que conta não é exatamente a opinião do Banco Central sobre como será a política fiscal de Lula, mas sim a reação dos mercados ao que for anunciado. Se não for bem recebido, o risco país sobe, levando junto a cotação do dólar, e as expectativas de inflação podem piorar ainda mais. Nessa hipótese, a inflação subiria, e o Copom teria que reagir com mais juros.

A reação dos mercados nessa primeira semana do governo eleito foi positiva, com queda do dólar e dos juros futuros. Isso apesar de, durante a semana, surgirem rumores de que a licença que o governo Lula pretende pedir ao Congresso para gastar mais poderá chegar a R$ 200 bilhões.

Como muita coisa aconteceu ao mesmo tempo, não dá para saber exatamente o quanto a melhora dos mercados reflete um voto de confiança em Lula. Notícias de que a China poderá flexibilizar a política de covid zero ajudaram o Brasil, assim como um relatório sobre o mercado de trabalho americano, que foi bem recebido pelos investidores. Mas, por outro lado, nos dias ruins, não sofremos muito, como após o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, anunciar que pode ir mais longe com a alta de juro. O impacto dos rumores sobre o “waiver” também foi amenizado por um outro rumor, o de que o ex-ministro Henrique Meirelles poderá comandar a economia de Lula.

A verdadeira reação do mercado só vamos conhecer a partir desta semana. Hoje, a equipe de transição apresenta a proposta de “waiver” ao presidente Lula e, amanhã, ela deverá ser entregue ao Congresso. O mercado, provavelmente, vai olhar os dois pontos destacados pelo Banco Central. Primeiro, qual é o impacto do “waiver” sobre a demanda agregada? Segundo, o que representa para a trajetória de consolidação fiscal nos próximos anos?

Um “waiver” de cerca de R$ 100 bilhões é palatável para o mercado porque foi indicado como possível pelo próprio Meirelles. Na semana passada, circularam relatos de conversas de políticos com representantes do mercado dando conta que foi o próprio Lula quem autorizou Meirelles a citar o número em entrevistas.

Um economista do mercado acha que, com os rumores de que o waiver poderá chegar a R$ 200 bilhões, o governo Lula está fazendo um balão de ensaio para esticar mais corda. Seria uma forma de chegar a cerca de R$ 160 bilhões. Mas muita gente no mercado acredita que poderá ser bem menos.

Uma preocupação do mercado é sobre o quanto um “waiver” maior no ano que vem poderá pesar na demanda agregada. Neste ano, segundo cálculos de alguns economistas, o impulso fiscal chega a 2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Um especialista em contas publicas diz que as transferências de renda à população no ano que vem, junto com o reajuste real do salário mínimo, podem complicar a tarefa de baixar a inflação, porque vêm acompanhadas de um mercado de trabalho muito apertado.

“Seria ruim mais impulso fiscal, mas pelo menos isso é algo que o Banco Central pode lidar, com alta de juros”, afirma a economista-chefe para o Brasil do Credit Suiss e, Solange Srour. “O que preocupa é mais pelo lado do risco fiscal, pelo risco de dominância fiscal. Nesse caso, a situação fica bem mais complicada.”

Muitos analistas ouvidos pelo Valor dizem que, com um “waiver” de R$ 100 bilhões, o mercado poderia dar um voto de confiança para o governo Lula, desde que acompanhado pelo anúncio de um ministro da Fazenda respeitado, que sirva de fiador da política econômica. Vários deles se dizem apreensivos com a negociação feita em torno do “waiver” sem a definição do comando da economia, que, teoricamente, poderia estabelecer os limites e garantir a coerência dessa despesa excepcional com o plano fiscal do próximo governo.

Se o governo Lula avançar muito além de R$ 100 bilhões, o ponto de partida para o ajuste fiscal seria mais desfavorável. O deficit primário poderia superar 2% do PIB, e o ajuste fiscal necessário para estabilizar a dívida bruta em relação ao PIB poderia chegar a cerca de 4% do PIB.

Nessa hipótese, seria preciso, além do anunciar o ministro da Fazenda, deixar claro qual será a nova âncora fiscal e o plano para atingir dentro do próprio governo Lula o resultado primário para conter a escalada do endividamento público. Como o teto de gastos foi desmoralizado no governo Bolsonaro, seria preciso também medidas concretas para a redução de gastos. Meirelles parece ciente disso, ao defender uma imediata reforma administrativa.

Alex Ribeiro 

 

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