Valor Econômico
Transição inaugura fase das negociações políticas
O cafezinho de Bolsonaro nem bem esfriou e
os vultos da República já procuram o próximo inquilino do Palácio do Alvorada.
Gilberto Kassab já apresentou sua fatura -
e ela foi reajustada após a vitória apertada de Lula. Em entrevista à “Folha de
S.Paulo”, o presidente do PSD declarou que seu partido é agora de
centro-direita, e para aportar seus 42 deputados e 11 senadores na base do
governo, faz pesadas exigências.
Luciano Bivar, do União Brasil, disse a “O Globo” que não descarta participar da base lulista, a depender da proposta. Sua contrapartida são 59 deputados e dez senadores - embora a maioria deles seja bolsonarista.
Renan Calheiros, por sua vez, critica que o
governo Lula esteja cedendo demais às exigências do Centrão. Está com ciúmes.
Seu MDB, com 42 deputados e dez senadores, tem intenção de ter assento
privilegiado na nova composição governista.
Até Edir Macedo pregou o perdão e revelou
estar orando pelo petista. Sua Igreja Universal domina o Republicanos e conta
com um rebanho de 41 deputados e três senadores.
Na ponta do lápis, a esquerda (PT-PV-PCdoB,
Psol-Rede, PSB e PDT) contará com 125 deputados federais e 14 senadores. Não dá
nem para apresentar uma PEC.
No outro extremo, entre ex-ministros,
apoiadores de primeira hora (aqueles eleitos pelo PSL em 2018 e reeleitos pelo
PL neste ano), militares, pastores e defensores de bandeiras como o armamento
civil, o bolsonarismo fez em torno de 120 cadeiras na Câmara e 13 no Senado.
Nesse empate técnico entre as principais
forças políticas do país, o desempate será definido no centro - seja no
autodenominado “centro democrático” (MDB, PSD, PSDB-Cidadania, Podemos), seja
no Centrão (PL, PP, União Brasil, Republicanos e outras siglas menores).
É praticamente impossível diferenciar
conservadorismo de fisiologismo. Sorte que temos os números para nos ajudar a
interpretar o movimento dos ventos da política.
Dos 513 deputados que tomarão posse em
fevereiro, podemos identificar 235 filiados a partidos de centro ou de direita
que exerceram pelo menos um mandato na Câmara de 2007 até hoje.
Comparando as votações de cada um deles com
o posicionamento do governo (de Lula 2 a Bolsonaro), vemos que o governismo é
predominante nesse grupo. A média de apoio ao presidente foi de 67,1% no
segundo mandato de Dilma Rousseff a 91,8% com Temer.
Esses números são favoráveis a Lula. Entre
os 41 deputados de partidos do centro e do Centrão que trabalharam durante seu
segundo mandato (2007-2010) e estarão na Câmara em 2023, a média de apoio à sua
gestão nas votações foi de 85,5%.
Isso quer dizer que Lula terá uma avenida
aberta para governar conforme bem entender? Não é bem assim.
Barry Ames, professor emérito da
Universidade de Pittsburgh e um grande especialista nas relações entre os
Poderes Executivo e Legislativo brasileiros, relativiza essa alta taxa de
aprovação.
Em seu livro “Os Entraves da Democracia no
Brasil”, Ames argumenta que os números positivos não levam em conta os casos em
que o governo nem sequer consegue propor ao Congresso reformas que considera
importantes, diante da reação negativa dos líderes partidários. Também não são
computadas como derrotas as propostas que acabam engavetadas e os projetos
“amaciados” nas negociações de bastidores.
A depender da temática, o poder de
mobilização do presidente da República fica à mercê dos interesses privados. Na
votação do Código Florestal, por exemplo, o governo foi derrotado em diversos
dispositivos porque o Centrão, que em 2012 ainda era bastante fiel à presidente
Dilma Rousseff, resolveu seguir a orientação da bancada ruralista.
O episódio demonstra que quanto mais fluido
o apoio, maior o risco de derrotas, principalmente em projetos politicamente
sensíveis.
Faltando quase dois meses para a posse,
Lula já se encontra às voltas com os desafios da governabilidade. Na proposta
orçamentária de 2023 não há nenhum espaço para as suas muitas promessas
eleitorais. A saída é obter um aval do Congresso para furar o teto.
Para aprovar a tal PEC da Transição, Lula
está numa situação inusitada. De um lado, precisará contar com o apoio de 219
deputados e 14 senadores que deixarão Brasília em breve porque não foram
reeleitos. O acerto, porém, terá que contemplar também os desejos e ambições de
seus substitutos, com quem o petista irá conviver nos próximos quatro anos.
Do lado dos caciques partidários, cada qual
quer valorizar seu passe, sinalizando com fusões e federações. As moedas de
troca são as de sempre: verbas e cargos. À medida que as conversas avançam, a
manutenção do orçamento secreto torna-se mais real e o número provável de
ministérios de Lula já passa de três dezenas.
A se pautar pela movimentação em Brasília
nesta primeira semana pós-eleição, a política retorna à normalidade. O bom e
velho presidencialismo de coalizão parece estar de volta.
Enquanto sai de cena o presidencialismo de
colisão que marcou a era Bolsonaro, só podemos torcer para que, em meio a
tantas negociações, o clima não degenere novamente para presidencialismo de
cooptação.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
O Centrão já está e CONTINUARÁ no governo! Lula é que vai embarcar em janeiro com uma nova equipe e tentará controlar o apetite do Centrão...
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