Valor Econômico
Personagens ilustres mandam recado para
Lula 3.0
Está sendo difícil a transição,
especialmente para um economista tão famoso, sobre o qual se deposita muita
esperança para a elaboração do programa econômico do novo governo.
O presidente eleito resolveu montar uma
equipe eclética, com técnicos representando correntes econômicas distintas. No
discurso, a proposta é explorar a diversidade de visões sobre os desafios
brasileiros; na prática, porém, os diagnósticos e, pior ainda, os prognósticos
entram sempre em conflito.
Para piorar, ninguém sabe muito bem o que
se passa na cabeça do futuro presidente. Nas poucas vezes em que o economista
teve oportunidade de se reunir com ele, a conversa é muito diferente da
mensagem expressa em seus discursos e entrevistas.
A indefinição também vem da política. Para vencer a eleição, foi preciso construir uma frente ampla de apoio, que precisa ser contemplada no futuro ministério. Sobram pretendentes e faltam cargos de relevo. A briga nos bastidores do poder é sangrenta.
Como o partido do presidente está longe de
possuir maioria legislativa, o presidente tem que fazer concessões para a base
fisiológica do Congresso. Para o economista, as chances de termos uma era de
grandes transformações se esvai dia a dia. O medo de que um governo medíocre
pode levar a um retorno do período autoritário tem lhe tirando o sono.
Deixando um pouco de lado as preocupações
com o país e pensando um pouco no seu próprio destino, o economista também se
inquieta com o papel que pode ter na condução da futura equipe econômica. A
esta altura da vida, já na casa dos sessenta anos, realizado profissionalmente
e com reconhecimento internacional pela sua contribuição acadêmica, no íntimo
suas expectativas são elevadas.
Não se trata de vaidade ou desejo de poder;
ele já esteve no centro das decisões na juventude e não é a primeira vez que
concebe um plano econômico para o Brasil. O que ele possui é uma ânsia de
implementar as medidas que julga necessárias para mudar o país.
Para concretizar seus sonhos, não pode se
contentar com um cargo qualquer. Depois de tantos anos, ele não voltou a se
envolver com a política se não for para assumir o papel de protagonista. Assim,
ser secretário, diretor ou presidente de uma estatal ou banco público é pouco -
a esse nível ele já havia chegado décadas atrás. É difícil esconder que sua
esperança é ser ministro da Fazenda ou do Planejamento.
Não, este texto não é uma tentativa de
imaginar o que se passa na cabeça de Persio Arida ou de André Lara Resende
durante este período de transição.
Essas reflexões foram inspiradas nos
escritos de Celso Furtado, à época em que o economista participou da comissão
que discutiu um plano econômico para o governo de Tancredo Neves, ao longo dos
últimos meses de 1984 e início de 1985, publicados em “Diários Intermitentes:
1937-2002”. São impressionantes as semelhanças com o momento atual.
A meio caminho entre 1985 e 2022, Lula
esteve à frente do primeiro processo institucionalizado de transição
governamental na história brasileira, concebido por Fernando Henrique Cardoso.
Alguns técnicos e políticos petistas
nomeados para a equipe de transição atual tiveram a oportunidade de estar
presentes no Centro Cultural Banco do Brasil em 2002. As ausências mais
relevantes, porém, tiveram seu futuro político destruído poucos anos depois:
Antonio Palocci e José Dirceu.
Há 20 anos Lula nomeou Palocci para
coordenar a transição, enquanto Dirceu se encarregou das negociações políticas.
Não havia “economistas liberais” na equipe
de transição de Lula em 2002 - nenhum técnico ligado à concepção do Plano Real
ou oriundo de escolas do mainstream ortodoxo. Todos os escalados eram petistas
de carteirinha ou ligados ao partido: Bernard Appy, então sócio de Luciano
Coutinho na LCA, Arno Augustin (secretário de Fazenda de Olívio Dutra na
Prefeitura de Porto Alegre e no governo do Rio Grande do Sul), Miriam Belchior
(ex-secretária de Administração na Prefeitura de Santo André/SP) e o então
secretário de Planejamento de Belo Horizonte, Maurício Borges Lemos.
A ausência de “liberais” na transição não
impediu Palocci de montar um time comprometido com a responsabilidade fiscal e
as reformas pró-mercado quando foi convocado para comandar a Fazenda. Escolheu
o mais moderado da equipe, Bernard Appy, para a sua Secretaria Executiva e
nomeou Marcos Lisboa para a Secretaria de Política Econômica e Joaquim Levy
para o Tesouro Nacional.
Na composição do restante do ministério, o
apetite do PT era insaciável. O partido ficou com o controle da articulação política
(Dirceu na Casa Civil), das principais pastas da área social (Saúde com
Humberto Costa, Educação com Cristovam Buarque e Benedita da Silva na
Assistência Social) e da regulação das relações trabalhistas (Jaques Wagner no
Trabalho e Ricardo Berzoini na Previdência), além de Meio Ambiente (Marina
Silva) e Cidades (Olívio Dutra).
Aos aliados PSB e PCdoB foram dadas pastas
menores: Esportes e Ciência e Tecnologia. O PL, partido do vice José Alencar,
ficou com os Transportes e Ciro Gomes recebeu a Integração Nacional.
No início de dezembro de 2002, José Dirceu
costurou um acordo e chegou a anunciar que o PMDB entraria na base do governo,
recebendo as pastas das Minas e Energia e Comunicações, bem como suas poderosas
estatais. Dois dias depois, porém, Lula cedeu às críticas dos petistas e mandou
cancelar o acordo. Dilma Rousseff (PT) e Miro Teixeira (PDT) tornaram-se os
ministros.
Sem o apoio da bancada peemedebista, o
governo Lula acabou tendo que recorrer ao mensalão para aprovar suas reformas.
José Dirceu rodou quando o escândalo veio à tona.
Quando Palocci também caiu, abriu-se espaço
para que Guido Mantega e os petistas heterodoxos conduzissem a economia do país
por quase nove anos.
Celso Furtado acabou tendo que se contentar
com a Embaixada do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia como prêmio de
consolação, após Tancredo ter escolhido seu sobrinho Francisco Dornelles para
chefiar o Ministério da Fazenda.
São lições de outras transições para a nova
fase Lula 3.0.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
É importante conhecer o passado pra não repetir os mesmos erros no presente e no futuro. Muito oportuno e sensato o texto da coluna! Parabéns ao autor e ao blog que divulga seu trabalho!
ResponderExcluirBruno Carazza entende do riscado.
ResponderExcluirBruno Carazza é só um fofoqueiro engravatado
ResponderExcluir