O Estado de S. Paulo
Indicações estratégicas no ocaso da elite política que se despede geram restrições
A cada transição de governo, com a chegada
de uma nova elite política ao poder, surgem preocupações sobre a possibilidade
de que a composição de vários órgãos de controle e de representação, como
agência reguladoras, tribunais, comissões de ética, embaixadas etc, reflita
estrategicamente as preferências da “velha” e não da “nova” elite.
A interpretação dominante é a de que a principal motivação do governo que se despede é a autoproteção. É racional supor que, ao nomear pessoas de confiança, a elite que sai estaria assim se protegendo contra potenciais retaliações da elite que entra. Será que a sociedade não poderia extrair algum benefício desse comportamento estratégico no crepúsculo de governos que perdem eleições?
Um efeito colateral desse comportamento
supostamente autoprotetivo é criar restrições ao próximo governante.
Funcionaria como uma salvaguarda política e institucional contra potenciais
mudanças radicais da preferência mediana da sociedade, o que estaria alinhado
com o desenho inclusivo do presidencialismo multipartidário.
É natural que um governo eleito busque
moldar o perfil de várias políticas públicas às suas promessas de campanha.
Mas, diante da polarização de preferências entre a nova e a antiga elite
política, também seria racional que a que está prestes a deixar o poder tenha
interesse em “amarrar as mãos” da que entra, para reduzir de forma
intertemporal seus graus de liberdade na implementação de políticas distantes
de suas preferências.
Vale salientar que a conduta, supostamente
oportunista, não é prerrogativa do governo Bolsonaro. Outros governos,
inclusive os de Lula, apresentaram comportamentos semelhantes.
No artigo Delegation Dilemmas: Coalition
Size, Electoral Risk and Regulatory Governance in New Democracies, eu e meus
coautores, Marcus Melo e Heitor Werneck, testamos a hipótese de que quanto
maior a autonomia delegada por governadores para agências reguladoras, menores
seriam as chances de interferência política do seu sucessor na política
estadual.
Mostramos que quanto maior o risco
eleitoral do incumbente perder as eleições, capturado pela menor distância
entre o primeiro e segundo colocados e pela a maior frequência de alternância
de elites no poder, maior a autonomia delegada para agências reguladoras nos
Estados brasileiros.
Eleições extremamente incertas e competitivas, decididas por pequena margem, e grande alternância de elites no poder têm sido a marca da democracia brasileira. Daí não ser surpresa nomeações estratégicas para funções de Estado nos estertores do governo que se despede.
*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE), sênior fellow do CEBRI e professor visitante da Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne
Pois é.
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