Valor Econômico
Lula se voltou para o centro, o que não
significa rigor fiscal
Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos
se subestimou o poder dos eleitores moderados para definir um resultado
eleitoral. Há um paralelismo entre o que se desenha como desfecho para as
eleições americanas desta semana e a do Brasil no mês passado, na visão do
professor de Ciência Política da Universidade de Minnesotta, o americano David
Samuels, um brasilianista que tem no estudo do PT e do presidente eleito Luiz
Inácio Lula da Silva uma de suas especialidades.
Foram duas eleições que, a seu ver,
mostraram que para a maioria do eleitorado o extremismo cansou. No Brasil houve
um raro caso, em termos mundiais, de derrota de um governante que tenta se
reeleger. Nos Estados Unidos um governante impopular perdeu muito menos terreno
do que se imaginava nas eleições de meio de mandato.
Em suma, Bolsonaro deixou de ganhar uma reeleição no Brasil, o que seria o natural, e os republicanos, sobretudo os ligados ao ex-presidente Donald Trump, decepcionaram nos Estados Unidos, ao contrário do que seria o esperado diante do apático governo Biden. Em comum, bolsonarismo e trumpismo são agrupamentos políticos relativamente sectários.
“Os normais ganharam”, comenta. Entenda-se
normal, neste caso, como o convencional. Não se nega nem no caso do Brasil e
nem nos Estados Unidos a constatação de que houve e há uma guinada
conservadora, mas predominou o cansaço com a tensão permanente.
Samuels diz que na eleição americana mais
importante que o resultado do Congresso, ou pelo menos tão importante quanto,
foi a vitória dos democratas sobre os republicanos nas eleições estaduais em
lugares como Michigan, Maryland, Minnesota e Massachussetts, onde houve virada.
O eleitorado tende a reagir quando uma
pauta de costumes abraçada por um grupo político interfere diretamente na vida
privada, levando portanto a discussão da arena pública para dentro das casas.
Esta teria sido a consequência eleitoral imediata da interdição do aborto pela
maioria conservadora na Suprema Corte, que acendeu um alerta. Também pesou o
discurso de medo da ruptura que pode significar um eventual retorno do
ex-presidente Donald Trump ao poder.
A derrama de dinheiro público patrocinada
por Bolsonaro no Brasil durante o período eleitoral e a melhoria do quadro
econômico, com inflação e desemprego menores, como se viu, não foram
suficientes para colocá-lo à frente de Lula. A questão política pesou,
sobretudo no segundo turno: as granadas atiradas por Roberto Jefferson contra
policiais, Carla Zambelli de arma em punho, a desconfiança de um golpe, a
conduta negacionista durante a pandemia.
Para o curto prazo, Samuels é cético em
relação à possibilidade de Lula ser emparedado por uma oposição radicalizada e
intransigente. O presidente eleito tem instrumentos para atrair ou pelo menos
dividir o empresariado do agronegócio e os dirigentes das principais
denominações evangélicas. Chamou sua atenção o posicionamento de Edir Macedo,
líder da Igreja Universal do Reino de Deus, de reverter a satanização que
patrocinou contra o petista.
Em relação aos governos estaduais e ao
Legislativo, os instrumentais à disposição do Palácio do Planalto para atrair
governadores e parte da base bolsonarista no Congresso são maiores ainda. No
campo institucional, Lula deve ter o comando. A oposição na classe política
tende a ser pequena, ele prevê. Não descarta, contudo, que surja uma oposição à
esquerda.
“Lula está se abrindo para o centro. Chamou
um tucano para ser seu vice e agora o colocou no centro da costura política. Muitas
portas que estavam fechadas estão se abrindo e muita gente na esquerda talvez
pensasse que iria ter mais espaço e voz no governo do que de fato terá”,
comenta.
A oposição bolsonarista nas ruas representa
uma fração da opinião pública, mas com capacidade de desestabilização, aponta
Samuels. Para comprometer a democracia não é necessário representar a maioria,
basta ser capaz de reunir uma multidão. Caso Bolsonaro mobilize 5% do
eleitorado brasileiro de 156 milhões de pessoas serão cerca de 8 milhões em
campo.
Samuels conversou com a coluna momentos
antes do discurso de Lula ontem aos deputados federais no Centro Cultura Banco
do Brasil. O tom de Lula foi o de um candidato, não de presidente eleito. A
fala preocupou o mercado, não apenas pelo tom, mas porque é nítido que o
presidente eleito poderá forjar alianças para realizar o que se propõe. No
discurso, Lula deixou claro que constrói uma maioria parlamentar para fazer uma
política fiscal mais frouxa e aumentar gastos sociais.
Deve encontrar parceiros para tal. A prova
de que o Legislativo não é avesso a esta estratégia política é o que aconteceu
este ano, com aprovação da PEC Kamikaze, neste caso sob o olhar sereno do
mercado.
Ao poder Judiciário que pode frear seus
arrobos, promete a paz que lhe foi roubada por Bolsonaro. A Arthur Lira, acena
com a ‘realpolitik’, sugere convivência e acena com neutralidade na eleição
para a mesa diretora da Câmara. Ir para o centro não necessariamente significa
ir para a ortodoxia econômica ou para a responsabilidade fiscal.
A reação dos agentes econômicos, traduzida
em uma forte queda da bolsa ontem e elevação dos juros futuros, sinaliza que a
disposição do mercado de se tolerar heterodoxias de Lula é muito menor do que a
que tiveram com as demasias de Bolsonaro.
Se estas expectativas negativas se
traduzirem em menos investimento, câmbio desvalorizado, juros mais altos e mais
inflação, o preço para se manter a frente ampla pretendida e anunciada por Lula
subirá muito e pode se tornar inadministrável.
Em uma de suas declarações públicas nos
últimos dias, o presidente eleito disse não saber direito quem seria oposição a
ele. Ele começou a dar contornos a ela hoje.
É fato , o povo cansou de extremismo e a guerra na Ucrânia é um fator relevante. Trump simplesmente saturou com essa imposição enjoativa de dizer que ganhou as eleições em 202. Pessoas que se impõe pela falácia acaba sempre caindo do galho. A paciência tem limite.
ResponderExcluirImpõem
ResponderExcluirO extremismo cansou... Tomara!
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