Valor Econômico
Risco é esse ideário produzir uma corrida
bancária e hiperinflação
Desde o último fim de semana que agentes do
mercado se dedicam a discutir o texto intitulado “Diretrizes de Políticas
Públicas para 2023 - Elementos para uma Estratégia de Retomada do Crescimento
Sustentável e Inclusão Social”. Elaborado por vários economistas do Cebri
(Centro Brasileiro de Relações Internacionais) sob a coordenação de André Lara
Resende, o texto, somado à notícia de que Fernando Haddad, ex-prefeito de São
Paulo, poderia vir a ser o ministro da Fazenda no governo de Lula, teria
pautado uma piora do mercado na segunda feira.
Não se trata de um texto novo, mas houve
uma corrida em busca de entendimento do que nele se propõe, e é oportuno dar
uma revisitada no seu conteúdo macroeconômico, defendido por Lara Resende, que
faz parte do comitê de transição de governo, na área econômica.
Ele sugere que as políticas monetária e fiscal sejam conduzidas, de forma coordenada, por um comitê composto por diretores do Banco Central e do BNDES, à semelhança do atual Copom. Esse comitê de políticas macroeconômicas seria o responsável pela trajetória da taxa básica de juros (Selic) e pela implementação de um plano plurianual de investimentos públicos que seriam decididos e anunciados por esse novo Copom.
Caberia ao Banco Central fixar a estrutura
a termo da taxa de juro. “A alta de juros atua como inibidor das pressões de
demanda, um efeito monetário contracionista, mas eleva o serviço da dívida e as
despesas financeiras do governo, um efeito fiscal expansionista”, diz o texto.
Sobretudo quando associada a um aumento do déficit primário do governo, o
aumento da taxa básica pode ser contraproducente, pois desacelera a economia e
simultaneamente eleva a despesa financeira do governo.
O BC fixaria a estrutura a termo da taxa de
juros em um patamar abaixo do crescimento da economia. Uma proposta de
políticas públicas para a formulação de uma estratégia de retomada do
crescimento deve partir da constatação de que elas são de responsabilidade do
Estado. “Sem governo e Estado competentes não há como formular e implementar
políticas públicas”, diz. Porém, nas últimas quatro décadas, “cristalizou-se
entre uma parcela expressiva dos analistas, e amplamente dominante na mídia, a
noção de que o Estado é exclusivamente um ônus para a sociedade. Ao
caracterizar o Estado como oneroso e incompetente e o governo e seus ocupantes
irremediavelmente capturados por interesses patrimonialistas e
corporativistas”, concluiu-se que o Estado precisa ser contido.
A expressão prática da noção do Estado e
seus ocupantes como um peso morto “é a hipervalorização da necessidade de
equilíbrio fiscal”. O resultado é que o debate orçamentário no país, hoje,
“resume-se à disputa entre os interesses patrimonialistas pela expansão das
despesas e os ideólogos do equilíbrio fiscal a todo custo”, diz o texto.
Para escapar dessa “armadilha neoliberal”,
o texto propõe diretrizes que devem ser seguidas. O cenário internacional é
marcado por grandes mudanças geopolíticas. Mudanças que vão provocar
importantes deslocamentos internacionais das cadeias produtivas e a necessidade
de revisão das alianças estratégicas, o que abre “desafios e oportunidades para
a reinserção competitiva do Brasil”, avalia.”
É preciso ter em mente que não existe
sociedade organizada, economia de mercado capitalista sem Estado. “A economia e
a sociedade refletem o Estado, assim como o Estado é a expressão da sociedade.”
É fato que o Estado perdulário e incompetente desorganiza a economia, “mas a
solução não é asfixiá-lo, pois asfixiar o Estado é asfixiar a economia”. O
objetivo e o desafio são tornar o Estado eficiente, a sua governança
democrática e competente. Esta parece ser uma visão por demais otimista dos
autores.
A decisão sobre os investimentos públicos e
públicos-privados seria dissociada da questão orçamentária anual,
consequentemente excluída do teto dos gastos, e transferida para um orçamento
plurianual. “A programação de longo prazo estaria a cargo de um órgão técnico
de planejamento e a velocidade de sua implementação submetida à avaliação do
novo comitê de políticas macroeconômicas”, advogam os autores. A formulação e
divulgação de um programa de longo prazo permitirá a mobilização de esforços
públicos e privados para garantir os investimentos necessários para a reversão
do processo de desindustrialização prematura da economia.
“André vem há tempos flertando com ideias
bastante heterodoxas sobre política monetária. Começou com a teoria
‘neofisheriana’, segundo a qual para combater a inflação é preciso derrubar a
taxa de juros”, diz um ex-dirigente do Banco Central. O próprio autor, o
professor John H. Cochrane, da Universidade de Stanford, disse não recomendar
que o Banco Central experimente tal caminho. “Desconselho veementemente”, disse
ele ao repórter especial do Valor Alex
Ribeiro, quando confrontado com o resultado das suas pesquisas. Em seguida ele
migrou para a teoria monetária moderna (MMT na sigla em inglês). Em que ele
argumenta que um governo que emite sua própria moeda nunca vai entrar em
default. O problema é que para emitir moeda ele depende de credibilidade, senão
vai depreciar a taxa de cambio e gerar inflação, que é uma forma de default. “Essa
teoria é um completo non sense.”
André sugere, ainda, que o governo pode
pedir dinheiro emprestado para investir. Cabe, aqui, a pergunta do que é
investimento. Pensando bem, vai se concluir que “educação é investimento, assim
como saúde e segurança são investimentos. Você tem que olhar o quanto de
poupança o setor público está atraindo e se ele não está avançando no espaço da
dívida privada. A criação de uma agência para decidir quais os investimentos
serão feitos na economia “é de um dirigismo sem sentido e de um otimismo
maluco”.
“Outra loucura é que ele fala com um monte
de gente que não entende o que ele está dizendo, mas gosta do que está ouvindo
porque lhe parece um atalho interessante. Mas a macroeconomia dele é uma
biruta”, diz um outro economista.
“André cita o exemplo do Banco do Japão,
que está na fase de juros zero e ameaça de deflação”, comenta esse economista
que conclui que “essa é uma política que requer uma convicção de que o mercado
não funciona”. Não há qualquer sinal de que o novo governo pretende fazer
reformas estruturais para reduzir o custo do dinheiro no país de forma
sustentável.
Lendo e aprendendo.
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