sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Claudia Safatle - Ideias de Lara Resende são música para governo Lula

Valor Econômico

Risco é esse ideário produzir uma corrida bancária e hiperinflação

Desde o último fim de semana que agentes do mercado se dedicam a discutir o texto intitulado “Diretrizes de Políticas Públicas para 2023 - Elementos para uma Estratégia de Retomada do Crescimento Sustentável e Inclusão Social”. Elaborado por vários economistas do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) sob a coordenação de André Lara Resende, o texto, somado à notícia de que Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, poderia vir a ser o ministro da Fazenda no governo de Lula, teria pautado uma piora do mercado na segunda feira.

Não se trata de um texto novo, mas houve uma corrida em busca de entendimento do que nele se propõe, e é oportuno dar uma revisitada no seu conteúdo macroeconômico, defendido por Lara Resende, que faz parte do comitê de transição de governo, na área econômica.

Ele sugere que as políticas monetária e fiscal sejam conduzidas, de forma coordenada, por um comitê composto por diretores do Banco Central e do BNDES, à semelhança do atual Copom. Esse comitê de políticas macroeconômicas seria o responsável pela trajetória da taxa básica de juros (Selic) e pela implementação de um plano plurianual de investimentos públicos que seriam decididos e anunciados por esse novo Copom.

Caberia ao Banco Central fixar a estrutura a termo da taxa de juro. “A alta de juros atua como inibidor das pressões de demanda, um efeito monetário contracionista, mas eleva o serviço da dívida e as despesas financeiras do governo, um efeito fiscal expansionista”, diz o texto. Sobretudo quando associada a um aumento do déficit primário do governo, o aumento da taxa básica pode ser contraproducente, pois desacelera a economia e simultaneamente eleva a despesa financeira do governo.

O BC fixaria a estrutura a termo da taxa de juros em um patamar abaixo do crescimento da economia. Uma proposta de políticas públicas para a formulação de uma estratégia de retomada do crescimento deve partir da constatação de que elas são de responsabilidade do Estado. “Sem governo e Estado competentes não há como formular e implementar políticas públicas”, diz. Porém, nas últimas quatro décadas, “cristalizou-se entre uma parcela expressiva dos analistas, e amplamente dominante na mídia, a noção de que o Estado é exclusivamente um ônus para a sociedade. Ao caracterizar o Estado como oneroso e incompetente e o governo e seus ocupantes irremediavelmente capturados por interesses patrimonialistas e corporativistas”, concluiu-se que o Estado precisa ser contido.

A expressão prática da noção do Estado e seus ocupantes como um peso morto “é a hipervalorização da necessidade de equilíbrio fiscal”. O resultado é que o debate orçamentário no país, hoje, “resume-se à disputa entre os interesses patrimonialistas pela expansão das despesas e os ideólogos do equilíbrio fiscal a todo custo”, diz o texto.

Para escapar dessa “armadilha neoliberal”, o texto propõe diretrizes que devem ser seguidas. O cenário internacional é marcado por grandes mudanças geopolíticas. Mudanças que vão provocar importantes deslocamentos internacionais das cadeias produtivas e a necessidade de revisão das alianças estratégicas, o que abre “desafios e oportunidades para a reinserção competitiva do Brasil”, avalia.”

É preciso ter em mente que não existe sociedade organizada, economia de mercado capitalista sem Estado. “A economia e a sociedade refletem o Estado, assim como o Estado é a expressão da sociedade.” É fato que o Estado perdulário e incompetente desorganiza a economia, “mas a solução não é asfixiá-lo, pois asfixiar o Estado é asfixiar a economia”. O objetivo e o desafio são tornar o Estado eficiente, a sua governança democrática e competente. Esta parece ser uma visão por demais otimista dos autores.

A decisão sobre os investimentos públicos e públicos-privados seria dissociada da questão orçamentária anual, consequentemente excluída do teto dos gastos, e transferida para um orçamento plurianual. “A programação de longo prazo estaria a cargo de um órgão técnico de planejamento e a velocidade de sua implementação submetida à avaliação do novo comitê de políticas macroeconômicas”, advogam os autores. A formulação e divulgação de um programa de longo prazo permitirá a mobilização de esforços públicos e privados para garantir os investimentos necessários para a reversão do processo de desindustrialização prematura da economia.

“André vem há tempos flertando com ideias bastante heterodoxas sobre política monetária. Começou com a teoria ‘neofisheriana’, segundo a qual para combater a inflação é preciso derrubar a taxa de juros”, diz um ex-dirigente do Banco Central. O próprio autor, o professor John H. Cochrane, da Universidade de Stanford, disse não recomendar que o Banco Central experimente tal caminho. “Desconselho veementemente”, disse ele ao repórter especial do Valor Alex Ribeiro, quando confrontado com o resultado das suas pesquisas. Em seguida ele migrou para a teoria monetária moderna (MMT na sigla em inglês). Em que ele argumenta que um governo que emite sua própria moeda nunca vai entrar em default. O problema é que para emitir moeda ele depende de credibilidade, senão vai depreciar a taxa de cambio e gerar inflação, que é uma forma de default. “Essa teoria é um completo non sense.”

André sugere, ainda, que o governo pode pedir dinheiro emprestado para investir. Cabe, aqui, a pergunta do que é investimento. Pensando bem, vai se concluir que “educação é investimento, assim como saúde e segurança são investimentos. Você tem que olhar o quanto de poupança o setor público está atraindo e se ele não está avançando no espaço da dívida privada. A criação de uma agência para decidir quais os investimentos serão feitos na economia “é de um dirigismo sem sentido e de um otimismo maluco”.

“Outra loucura é que ele fala com um monte de gente que não entende o que ele está dizendo, mas gosta do que está ouvindo porque lhe parece um atalho interessante. Mas a macroeconomia dele é uma biruta”, diz um outro economista.

“André cita o exemplo do Banco do Japão, que está na fase de juros zero e ameaça de deflação”, comenta esse economista que conclui que “essa é uma política que requer uma convicção de que o mercado não funciona”. Não há qualquer sinal de que o novo governo pretende fazer reformas estruturais para reduzir o custo do dinheiro no país de forma sustentável.

 

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