Folha de S. Paulo
Origem e história do identitarismo são
decifradas em conjunto de ensaios
O "ópio dos intelectuais", como o
qualificou Raymond Aron, já não é o marxismo, mas o identitarismo. Sua origem,
história, morfologia e linguagem são decifradas em "A crise da política
identitária", conjunto de ensaios lançado pela TopBooks e organizado por
Antonio Risério, intelectual condenado no Santo Ofício da IRUD (Igreja
Racialista dos Últimos Dias) e expurgado desta Folha.
São mais de 550 páginas, 20 ensaios
inéditos, uma entrevista e alguns artigos de jornal (inclusive deste
colunista). Os autores não formam um exército ideológico. Como explica o
organizador, "o tom vai de um extremo a outro: da recusa à procura do
diálogo". Há, inclusive, autores favoráveis a cotas raciais nas
universidades.
A doutrina identitária habita lugar ambíguo. Nasceu na universidade e exibe-se como saber acadêmico, mas opera como movimento social e rejeita a aplicação das regras do método científico na avaliação de suas próprias teses. Wilson Gomes perscruta esse labirinto e oferece um manual sobre suas táticas polêmicas. Uma delas: diante de uma crítica a uma premissa do movimento identitário negro, "o crítico deve ser acusado de racista" e, "se possível, de supremacista branco e fascista". Você já leu isso, não?
Ricardo Rangel investiga a prática do
"cancelamento" literário. Seu registro: "Ao tornar aceitável o
banimento de obras culturais, a esquerda identitária dá à direita o argumento
(‘se eles censuram, por que eu não posso?’) de que precisa para perseguir obras
que interessam à causa do combate ao preconceito". De passagem, desvenda
as contradições do discurso feminista radical aplicado às aventuras de Meghan
Markle. Aí, você vai gargalhar —a não ser que seja uma delas...
Barbara Maidel ilumina a colonização identitária
da Folha –não
as colunas de opinião, mas o noticiário. Daria excelente ombudsman pois olha o
jornal como leitora que acreditou no compromisso de busca da objetividade, não
como juiz da "opinião verdadeira". Já Pedro Franco desvia o holofote
para a absorção do identitarismo pelas corporações, indicando suas
consequências imprevistas. Sugiro a leitura, especialmente, a executivos
engajados na moda de ESG.
Identitários amam quantificação, mas seguem
a receita de Churchill: "Só devemos acreditar em estatísticas que nós
mesmos fabricamos". César Benjamin e Bruna Frascola anotam instâncias de
manipulação de estatísticas sobre as relações entre cor de pele e pobreza no
Brasil. Gustavo Alonso narra a história da campanha virtual pelo vira-lata na
cédula de 200 reais para concluir que, apesar de tudo, continuamos apegados à
noção antirracista de miscigenação.
"O identitarismo é uma das formas mais
poderosas de americanização da política e das relações sociais hoje no
mundo", constata Wilson Gomes. A doutrina surgiu nos EUA e, na sua versão
de esquerda, tomou de assalto o Partido Democrata, produzindo resultados
catastróficos. Empurrou os eleitores brancos para a extrema direita e "deu
a Trump os elementos para fomentar um identitarismo de direita baseado na
identidade do homem branco".
Raphael Garcia cita uma frase de Steve
Bannon, guru
da direita nacionalista nos EUA e amigo do peito de Eduardo
Bolsonaro: "Enquanto vocês estiverem falando de políticas de
identidade, nós ganharemos". Lá, a vitória de Trump deflagrou
uma onda de críticas de esquerda à obsessão identitária. Aqui, onde tudo chega
mais tarde, a igreja identitária vive seu apogeu, que coincide com a cavalgada
triunfante da direita nas eleições para o Congresso.
O livro oferece muito mais. Nele, há
brilhantes análises conceituais ao lado de inúmeras hipóteses problemáticas.
Tem dupla vocação. Numa ponta, material inflamável para as fogueiras
inquisitoriais acesas em cerimônias de purificação identitária. Na outra,
leitura instigante para mentes que acreditam no debate honesto.
As eleições de 2018 e desse ano mostraram a derrota do discurso e prática do identitarismo. Ao que parece, essa esquerda de nicho acadêmico e digital não aprendeu com a eleição apertada e com o Pacto de Moncloa à brasileira.
ResponderExcluirSem surpresas... Parcialidade, preconceitos, pseudoanálises... Mais do mesmo!
ResponderExcluirDevemos criticar os excessos da esquerda (quase sempre inofensivos),mas jamais pular para a extrema-direita.Obrigado a todas,todos,todes e todxs,rs.
ResponderExcluirÓtima dica de leitura.
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