segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Denis Lerrer Rosenfield* - A eleição do não

O Estado de S. Paulo

Se Lula não seguir a narrativa do discurso comemorativo e adotar fórmula do ‘nós contra eles’, entrará num terreno pantanoso que pode afundar o Brasil.

Diante da polarização entre a extrema direita bolsonarista, com apoio da direita conservadora e alguns liberais, e a esquerda petista, sem nenhuma pauta nova, crítica, em relação a seus atos passados, os eleitores defrontaram-se com uma escolha difícil. A rigor, os que votaram em Bolsonaro o fizeram contra o PT e os eleitores de Lula o fizeram contra o bolsonarismo. Na verdade, tanto o antipetismo quanto o antibolsonarismo são fortes em nosso país. Nesse sentido, não houve uma pauta positiva a ser votada, nenhum dos candidatos, fora os seus lugares-comuns, apresentou um programa de governo capaz de responder aos graves problemas nacionais.

Nos debates televisivos, ambos os candidatos se contentaram com ataques ao outro, cada um desviando-se dos seus respectivos tetos de vidro, com predomínio de questões relativas ao não combate à pandemia por Bolsonaro e à corrupção nunca enfrentada por Lula. Nenhum deles foi capaz de apresentar uma ideia nova sequer, como se suas correspondentes biografias já fossem suficientes. Neste caso, haveria uma “rigorosa” seleção por cada um dos fatos a serem apresentados. O que não convinha foi varrido para debaixo do tapete, com destaque dado à hagiografia mais apropriada para a ocasião.

Nas campanhas, Bolsonaro dirigiu-se à sua própria bolha, privilegiando, como sempre, pautas armamentistas e críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao sistema eleitoral. Não teve preocupação maior com eleitores que não apreciam suas ideias, sempre apostando em que o antipetismo faria o resto do trabalho. Note-se que a concepção armamentista do bolsonarismo não é a da autodefesa, como quando um cidadão guarda uma arma em casa ou numa propriedade rural para proteção. O seu lema é claramente político, o de que um povo armado jamais será escravizado, o que pode ser traduzido como uma espécie de “direito de matar”. Curiosamente, foi abatido pelos tiros de Roberto Jefferson à Polícia Federal e pela atitude agressiva da deputada Carla Zambelli apontando uma arma contra um crítico seu, denominado de “homem negro”.

A estratégia de Lula, por sua vez, foi muito mais inteligente, voltada para sair de sua própria bolha, não se contentado apenas com o apoio dos antibolsonaristas. Procurou apresentar-se como um candidato de centro, pacificador, chegando a articular uma frente democrática. A escolha de Geraldo Alckmin respondeu a essa estratégia, assim como o apoio da senadora Simone Tebet. Não falou somente para os convertidos, para os que votariam nele de qualquer maneira. Talvez por isso deixou de apresentar ideias sobre como fazer face aos desafios fiscais, sociais e econômicos, que são da maior relevância. Contentou-se com fórmulas batidas, ambíguas, que servem eleitoralmente, mas são inúteis para governar. Agora, deverá enfrentar-se com o que fazer, todo uso da ambiguidade sendo progressivamente perigoso.

Lula foi eleito com uma pequena margem, tendo Bolsonaro demonstrado vigor em sua derrota. Seus apoiadores continuam presentes e seguem fazendo barulho. Em torno de 25% da população optou por se abster ou votar nulo ou em branco. Isto é, Lula não foi aclamado, e é obrigado, para governar, a demonstrar humildade. Nesse sentido, seu discurso comemorativo de vitória não foi voltado para os que nele votaram, mas para todos os brasileiros. Se seguir essa sua narrativa, estará no bom caminho da pacificação nacional; se não segui-la, adotando a sua fórmula tantas vezes utilizada do “nós contra eles”, entrará num terreno pantanoso que pode afundar o País.

Entre outras pautas, Lula deverá vencer sua aversão ao agronegócio, abandonando suas fórmulas carcomidas de reforma agrária e de defesa do MST. Se atacar o setor mais moderno e competitivo da economia brasileira, contratará o desastre. Deverá reconhecer a importância das Forças Armadas, abandonando as pautas ideológicas de revisão da anistia, de Comissão da Verdade, de interferência nas escolas militares e de ingerência no sistema de promoção dos generais – temas caros aos petistas e prejudiciais à reconciliação nacional. Deverá deixar de opor a responsabilidade fiscal à social, pois, quanto maiores forem a inflação e a dívida pública, com as consequências daí decorrentes, tanto pior será para os mais pobres. Deverá abandonar as ideias anacrônicas da “nova matriz econômica”, que causaram graves danos ao Brasil no governo Dilma. Processo eleitoral não pode ser confundido com “licença para gastar”. Ensaios que estão sendo apresentados por membros de sua equipe vão nessa direção, embora acenem também para posições de tipo liberal. A escolha será obrigatória.

Em suma, deverá o novo presidente assumir uma posição de centro, com políticas sociais que atendam às demandas mais urgentes de nossa população mais carente. O caminho da pacificação, da responsabilidade e da segurança jurídica e institucional é aquele que todos os brasileiros almejam, salvo para os que apostam no confronto.

*Professor de filosofia na Ufrgs. 

 

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