domingo, 13 de novembro de 2022

Dorrit Harazim - Clube dos ex

O Globo

Bolsonaro terá dificuldade até para circular em inúmeras regiões planetárias sem ser recebido com protestos

A partir do meio-dia de 1º de janeiro de 2023, o Palácio da Alvorada terá novo locatário. Jair Bolsonaro, derrotado pelo resultado das urnas dois domingos atrás, não será o primeiro nem o último chefe da nação brasileira a fugir da cerimônia de entrega da faixa presidencial. Faixa essa, por sinal, difícil de ser acomodada com elegância em qualquer peito — o simbólico ornamento de seda verde e amarela ou parece curto ou dá a impressão de sobrar nas ancas do portador. Mesmo assim, o ritual faz bem à nação. Fortalece o sentimento de normalidade democrática.

Bolsonaro passará a fazer parte de uma confraria a que ninguém se junta por vontade própria: a de ex. A recepção nesse eclético grupo de desalojados pela força ou pelo voto não costuma ser caridosa com os recém-chegados.

— O único que não falou mal do antecessor foi Tomé de Sousa e, mesmo assim, apenas por ter sido o primeiro — brincava o maranhense José Sarney uma década atrás, quando já estava fora do poder há 20 anos. — O terrível é que a gente nunca pode deixar de ser ex-presidente. Podemos renunciar a tudo, mas continuamos sendo ex-presidentes. A gente passa a ser um grande e profundo encalhe — explicava à época a esta jornalista, então na revista piauí. Hoje, rumando para os 93 anos, Sarney mantém o status de decano da tribo, seguido de perto por Fernando Henrique Cardoso, de 91.

Virar a chave é difícil para todos, e o tempo da ressaca não curada depende dos atributos pessoais de cada egresso. Existe, mundo afora, um punhado de clubes criados para amparar ex-chefes de Estado à procura de afago institucional e/ou financeiro. O InterAction Council é o mais antigo deles. Fundado em 1983 pelos ex Takeo Fukuda, do Japão, e Helmut Schmidt, da Alemanha , debatia questões internacionais a portas fechadas e só começou a perder vigor com o fim da Guerra Fria. Ainda é uma fundação rica, que paga todas as despesas de seus 40 integrantes (um por país — no caso do Brasil, Sarney).

Em 2002, em seu último ano no poder, coube a Fernando Henrique participar da fundação do Clube de Madri, maior fórum mundial de ex-mandatários (122 integrantes de 75 países, inclusive 6 Prêmios Nobel da Paz). Na agremiação, voltada à promoção da democracia, só entra quem os pares consideram defensor das normas democráticas e, mesmo assim, é sujeito a eleição. O republicano George W. Bush não obteve acesso. Bill Clinton, sim.

Mas nada neste universo de reconstrução de biografias globais se compara ao The Elders, fundado 15 anos atrás em torno do líder sul-africano Nelson Mandela, com um aporte inicial de US$ 18 milhões e foco na defesa dos direitos humanos. A entidade abriga apenas 11 integrantes mundiais (além de 4 eméritos, como o brasileiro Fernando Henrique e o americano Jimmy Carter). Clinton ficou de fora porque deixou a Presidência aos 54 anos, atolado em dívidas advocatícias acumuladas com o processo de impeachment que marcou o fim de seu mandato. Desse ponto de vista, saiu-se muito bem. Nos seis primeiros anos fora do poder, já tinha faturado US$ 40 milhões só com palestras. Em determinada semana de outubro de 2010, fez uma espécie de triplo carpado: embolsou US$ 350 mil por uma conferência motivacional em Toronto, Canadá (“Poder interior”), repetiu a apresentação em Calgary por U$ 300 mil e complementou o ganho de dólares extras com uma curta videoconferência resumindo tudo. Sem falar na façanha planetária da fundação que leva o nome de Clinton Global Initiative, cujos aportes bilionários subscritos por grupos empresariais e indivíduos merecem investigações frequentes.

Tudo indica que o horizonte do futuro ex Jair Bolsonaro será mais estreito. Considerado peçonhento demais para circular entre pares de pensar congenial e modos democráticos, terá dificuldade até para circular em inúmeras regiões planetárias sem ser recebido com protestos. Melhor aquietar-se de início na segurança do seu condomínio na Barra da Tijuca. Talvez acredite na mais que duvidosa garantia de impunidade jurídica que alega ter recebido de interlocutores do PT. Ou na proteção do seu mentor Donald Trump, encastelado em Mar-a-Lago e autoproclamado presidente vitalício de número 45 por seus seguidores.

Seria conveniente, também, por ainda ser chefe da nação brasileira, que Bolsonaro cumprisse as funções que o cargo demanda neste mês e meio que ainda lhe resta no poder.

Ou, pensando melhor, talvez não. Quanto menos o capitão fizer, menor o poder de destruição final.

 

 

3 comentários:

  1. Apesar do simbolismo, essa faixa é ridícula, muito América Latrina,

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  2. O GENOCIDA nunca será ex-genocida... Este feito ele levará até sua morte, que espero seja na prisão!

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