O Globo
O Brasil desandou a falar de seu maior
complexo: a irrefreável vocação para matar o pai, Portugal, começando pela
língua
Preocupado com a saúde mental do país, O
GLOBO levou o Brasil a
quatro renomados psicanalistas. Os diagnósticos estão lá, na página 29 da
edição de domingo passado (13 de novembro): psicose, luto, autossabotagem,
idealização, desilusão.
O Brasil ouviu, elaborou, racionalizou,
introjetou, fechou uma gestalt, teve um insight e resolveu ouvir uma quinta
opinião. Procurou Pai Dudu da Gamboa, que incorpora Freud, Jung, Reich e Lacan
em seu terreiro — e volta e meia faz previsões imprevisíveis aqui, nesta
coluna.
Acomodado no divã depois de um rápido banho de descarrego (não por falta do que descarregar, mas premido pelo tempo lógico), o Brasil desandou a falar de seu maior complexo: a irrefreável vocação para matar o pai, Portugal (começando pela língua) e se amasiar com a mãe África (uma relação ambígua de orgulho e preconceito). E, claro, do trauma recente:
— Tenho medo do desamparo, de passar o
resto da vida como um sem-teto.
— Sem teto de gastos... – interpreta Freud.
— Sim. Foram quatro anos ao relento, e tudo
indica que os próximos quatro também serão a céu aberto.
Reich sugere que o Brasil se solte mais,
deixe de lado essa obsessão com censura e controle da mídia, invista no
desbloqueio das armaduras psíquicas e das estradas.
— É que eu estou numa fase de transição.
Não de gênero, mas de um mito para outro.
Jung lembra que foi para o Brasil que ele
desenvolveu, postumamente, o conceito de “inconsequente coletivo”. Algo que se
manifesta nas camadas mais epidérmicas da psique — quando milhões de pessoas se
enrolam na bandeira para pedir que uma ditadura venha salvar a democracia. Ou
outras tantas concordam em dar um cheque em branco a um notório perdulário para
que ele as proteja da bancarrota.
— Impulsos sadomasoquistas — pontifica
Freud. Vamos fazer associações livres...
— Ok. Faz o L, alea jacta est, jactância,
Lava-Jato, Vaza-Jato, compra de jatos suecos, jato da FAB com cocaína, jet ski,
viagem em jatinho de empresário condenado...
Freud faz anotações. Lacan faz um
trocadilho. Darwin baixa, do nada, sente o clima e avisa que volta quando a
situação tiver evoluído.
— Tenho tido pesadelos, doutor: eu sou um
navio, e vem um iceberg desgovernado na minha direção. Ou uma Ponte
Rio-Niterói, não sei bem. Os filhos do capitão brincam com o leme, achando que
aquilo é um manete de videogame.
— Esse pesadelo vai acabar, já já...
— Sei que vai, mas já comecei a ter outro:
agora eu sou um avião, e a mulher do piloto quer um lugar na cabine de comando.
Sem contar que vivo me debatendo em falsos dilemas. Dividir o bolo ou esperar o
bolo crescer? Economia ou saúde? Responsabilidade fiscal ou social?
— Você precisa fortalecer seu Ego liberal,
equilibrando as demandas do Id de esquerda e as imposições do Superego de
direita.
— É que metade de mim está em negação, se
recusando a aceitar a mudança. A outra metade quer mudar, mas para voltar a ser
o que já foi. Doutores, será que eu perdi o rumo, o bonde, o juízo?
Reich e Jung se entreolham, desolados.
Lacan murmura algo incompreensível. Freud explica:
— Perdeu, mané.
Perdeu Mané,não amola.
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