quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Fernando Exman - Com Lula, o retorno da diplomacia presidencial

Valor Econômico

Perfil do chanceler vai apontar rumo da política externa

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva recoloca em foco a chamada diplomacia presidencial.

É aquela modalidade de diplomacia conduzida pessoal e diretamente pelo chefe de Estado, a qual ganhou peso nos mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e, sob Lula entre 2003 e 2010, recebeu potentes esteroides anabolizantes. Agora, é dado como certo que Lula buscará novo protagonismo internacional. A dúvida que permanece, sobretudo diante do mistério sobre quem será o ministro da área, é como encaixará o Itamaraty e o futuro chanceler nos seus planos.

Intelectual reconhecido internacionalmente, FHC valeu-se da experiência que acumulou quando esteve à frente do Itamaraty para projetar-se no exterior. Depois de eleito presidente, com ajuda da chancelaria, construiu uma intensa agenda que acabou sendo alvo de críticas e piadas, como se tais visitas não demonstrassem o prestígio político do Brasil no exterior ou ajudassem na abertura de mercados.

Lula chegou à Presidência com bom trânsito entre lideranças de esquerda em outros países, devido à rede de contatos internacionais que construiu durante sua carreira sindical. Sua biografia singular, de operário e retirante que chegara ao topo do poder, ampliou a audiência. É possível dizer que Lula imprimiu, também com ajuda fundamental do Itamaraty, uma política externa com grande ativismo. Com ela, estendeu a atuação brasileira para locais onde o país até então pouco se arriscara, como o Irã.

Mas o petista tampouco foi poupado. Quando adquiriu em 2004 uma nova aeronave presidencial, por exemplo, o avião logo foi batizado pela oposição de “AeroLula”. Em outros casos, como a tentativa de mediar o conflito entre israelenses e palestinos, foi acusado de ter uma ambição desmedida.

Nos últimos anos, o instrumento da diplomacia presidencial foi perdendo peso. Compreensível: Dilma Rousseff e Michel Temer não tiveram a mesma aptidão dos antecessores. Nem o charme.

Jair Bolsonaro, por sua vez, estreou o governo com uma política externa que tinha entre suas diretrizes transformar o Brasil em pária. No fim de março de 2021, em meio a uma crise com o Congresso, substituiu o ministro das Relações Exteriores na tentativa de fazer uma correção de rota. A situação melhorou, sim, mas um passivo considerável já estava dado. Tanto que Lula colocou entre suas prioridades sinalizar logo de cara, em caso de vitória, que o reposicionamento do Brasil na cena internacional seria uma de suas maiores prioridades.

E assim foi feito. No dia 30 de outubro, enquanto o presidente eleito recebia telefonemas de líderes estrangeiros e lia a manifestação de outros nas redes sociais felicitando-o pelo triunfo no segundo turno, articulava-se o seu retorno ao palco internacional em grande estilo.

Diante dos danos à imagem do Brasil por causa da recente política ambiental, decidiu-se que sua estreia seria justamente na cúpula do clima que se realizaria dali a alguns dias no Egito, a COP27. Uma ampla agenda de reuniões bilaterais também era formulada, na qual foram incluídos representantes das Nações Unidas e de parceiros estratégicos.

Antes de retornar ao Brasil, Lula fez escala em Portugal. Foi uma saída estratégica.

Fora do país, o presidente eleito evitou perguntas sobre a escolha de ministros. Conseguiu dar destaque ao discurso sobre seus planos para promover a defesa dos povos originários e do meio ambiente, à medida em que sua equipe assumia o desgaste das negociações com o Congresso sobre a PEC da Transição.

Algo semelhante ocorreu em 2002. Durante o período de transição, Lula viajou para os Estados Unidos para encontrar o então presidente americano, George W. Bush.

Havia tensão no ar de ambos os lados. Àquela altura, não era possível prever como se dariam as relações bilaterais de dois países conduzidos por presidentes tão diferentes do ponto de vista ideológico. O americano era visto pela esquerda brasileira como alguém de extrema direita, ao passo em que o brasileiro vinha sendo chamado de comunista por setores políticos dos EUA. Mas o clima logo mudou.

Testemunhas do encontro contam como se deu a distensão. Bush recebeu Lula de pé com importantes assessores, afirmando que os dois mostrariam como era possível duas pessoas tão diferentes fazerem negócios. Segundo relatos, Lula colocou em prática sua tática para encantar desconhecidos: segurou o braço do interlocutor, mirou-o olho no olho e manteve o papo em tom ameno. Estabeleceu-se, assim, uma improvável relação de confiança.

Nem mesmo um pedido para que Lula não se opusesse publicamente contra a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque atrapalhou a reunião. Bush retribuiu quando, após o escândalo do mensalão, desembarcou em Brasília para dividir a mesa com Lula em um churrasco na Granja do Torto. O gesto foi visto como uma demonstração de apoio ao petista num momento difícil de seu primeiro mandato.

O caso é relatado por quem quer explicar como o fator pessoal, a diplomacia presidencial, pode influenciar as relações exteriores e a política doméstica dos países envolvidos.

É possível argumentar que os quatro anos do governo Bolsonaro foram marcados pela pandemia, e isso pode até ter atrapalhado a agenda internacional do atual presidente. Mas, o fato é que Bolsonaro comprovou a tese existente entre funcionários do Ministério das Relações Exteriores segundo a qual a diplomacia presidencial, no Brasil, tem um caráter errático. Com um ministro ideológico no início do mandato, perdeu tempo precioso e prejudicou os interesses nacionais.

Interlocutores de Lula dão como certo que o presidente eleito deverá dar novo dinamismo à agenda internacional elaborada a partir do Palácio do Planalto. Mas esta sempre dependeu, e continuará dependendo, da estrutura do Itamaraty e das viagens preparatórias realizadas pelo chanceler.

O perfil do ministro irá sinalizar se Lula pretende colocar a pasta a serviço do Estado, de sua própria reputação ou do PT.

 

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