Valor Econômico
Perfil do chanceler vai apontar rumo da
política externa
A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva
recoloca em foco a chamada diplomacia presidencial.
É aquela modalidade de diplomacia conduzida
pessoal e diretamente pelo chefe de Estado, a qual ganhou peso nos mandatos do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e, sob Lula entre 2003 e 2010, recebeu
potentes esteroides anabolizantes. Agora, é dado como certo que Lula buscará
novo protagonismo internacional. A dúvida que permanece, sobretudo diante do
mistério sobre quem será o ministro da área, é como encaixará o Itamaraty e o
futuro chanceler nos seus planos.
Intelectual reconhecido internacionalmente, FHC valeu-se da experiência que acumulou quando esteve à frente do Itamaraty para projetar-se no exterior. Depois de eleito presidente, com ajuda da chancelaria, construiu uma intensa agenda que acabou sendo alvo de críticas e piadas, como se tais visitas não demonstrassem o prestígio político do Brasil no exterior ou ajudassem na abertura de mercados.
Lula chegou à Presidência com bom trânsito
entre lideranças de esquerda em outros países, devido à rede de contatos
internacionais que construiu durante sua carreira sindical. Sua biografia
singular, de operário e retirante que chegara ao topo do poder, ampliou a
audiência. É possível dizer que Lula imprimiu, também com ajuda fundamental do
Itamaraty, uma política externa com grande ativismo. Com ela, estendeu a atuação
brasileira para locais onde o país até então pouco se arriscara, como o Irã.
Mas o petista tampouco foi poupado. Quando
adquiriu em 2004 uma nova aeronave presidencial, por exemplo, o avião logo foi
batizado pela oposição de “AeroLula”. Em outros casos, como a tentativa de
mediar o conflito entre israelenses e palestinos, foi acusado de ter uma
ambição desmedida.
Nos últimos anos, o instrumento da
diplomacia presidencial foi perdendo peso. Compreensível: Dilma Rousseff e
Michel Temer não tiveram a mesma aptidão dos antecessores. Nem o charme.
Jair Bolsonaro, por sua vez, estreou o
governo com uma política externa que tinha entre suas diretrizes transformar o
Brasil em pária. No fim de março de 2021, em meio a uma crise com o Congresso,
substituiu o ministro das Relações Exteriores na tentativa de fazer uma
correção de rota. A situação melhorou, sim, mas um passivo considerável já
estava dado. Tanto que Lula colocou entre suas prioridades sinalizar logo de
cara, em caso de vitória, que o reposicionamento do Brasil na cena
internacional seria uma de suas maiores prioridades.
E assim foi feito. No dia 30 de outubro,
enquanto o presidente eleito recebia telefonemas de líderes estrangeiros e lia
a manifestação de outros nas redes sociais felicitando-o pelo triunfo no
segundo turno, articulava-se o seu retorno ao palco internacional em grande
estilo.
Diante dos danos à imagem do Brasil por
causa da recente política ambiental, decidiu-se que sua estreia seria
justamente na cúpula do clima que se realizaria dali a alguns dias no Egito, a
COP27. Uma ampla agenda de reuniões bilaterais também era formulada, na qual
foram incluídos representantes das Nações Unidas e de parceiros estratégicos.
Antes de retornar ao Brasil, Lula fez
escala em Portugal. Foi uma saída estratégica.
Fora do país, o presidente eleito evitou
perguntas sobre a escolha de ministros. Conseguiu dar destaque ao discurso
sobre seus planos para promover a defesa dos povos originários e do meio
ambiente, à medida em que sua equipe assumia o desgaste das negociações com o
Congresso sobre a PEC da Transição.
Algo semelhante ocorreu em 2002. Durante o
período de transição, Lula viajou para os Estados Unidos para encontrar o então
presidente americano, George W. Bush.
Havia tensão no ar de ambos os lados.
Àquela altura, não era possível prever como se dariam as relações bilaterais de
dois países conduzidos por presidentes tão diferentes do ponto de vista
ideológico. O americano era visto pela esquerda brasileira como alguém de
extrema direita, ao passo em que o brasileiro vinha sendo chamado de comunista
por setores políticos dos EUA. Mas o clima logo mudou.
Testemunhas do encontro contam como se deu
a distensão. Bush recebeu Lula de pé com importantes assessores, afirmando que
os dois mostrariam como era possível duas pessoas tão diferentes fazerem
negócios. Segundo relatos, Lula colocou em prática sua tática para encantar
desconhecidos: segurou o braço do interlocutor, mirou-o olho no olho e manteve
o papo em tom ameno. Estabeleceu-se, assim, uma improvável relação de
confiança.
Nem mesmo um pedido para que Lula não se
opusesse publicamente contra a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque
atrapalhou a reunião. Bush retribuiu quando, após o escândalo do mensalão,
desembarcou em Brasília para dividir a mesa com Lula em um churrasco na Granja
do Torto. O gesto foi visto como uma demonstração de apoio ao petista num
momento difícil de seu primeiro mandato.
O caso é relatado por quem quer explicar
como o fator pessoal, a diplomacia presidencial, pode influenciar as relações
exteriores e a política doméstica dos países envolvidos.
É possível argumentar que os quatro anos do
governo Bolsonaro foram marcados pela pandemia, e isso pode até ter atrapalhado
a agenda internacional do atual presidente. Mas, o fato é que Bolsonaro
comprovou a tese existente entre funcionários do Ministério das Relações
Exteriores segundo a qual a diplomacia presidencial, no Brasil, tem um caráter
errático. Com um ministro ideológico no início do mandato, perdeu tempo
precioso e prejudicou os interesses nacionais.
Interlocutores de Lula dão como certo que o
presidente eleito deverá dar novo dinamismo à agenda internacional elaborada a
partir do Palácio do Planalto. Mas esta sempre dependeu, e continuará
dependendo, da estrutura do Itamaraty e das viagens preparatórias realizadas
pelo chanceler.
O perfil do ministro irá sinalizar se Lula
pretende colocar a pasta a serviço do Estado, de sua própria reputação ou do
PT.
Fernando Exman,muito bom.
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