quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Lu Aiko Otta - Uma chance para a América Latina

Valor Econômico

Busca por energia segura, verde e barata pode dar as cartas dos investimentos privados nos próximos anos

O desmonte do Superministério da Economia no próximo governo é dado como certo, mas há detalhes ainda não decididos que poderão influenciar o nível de atratividade do Brasil para investimentos estrangeiros. Por exemplo: o que será feito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que hoje administra uma carteira de R$ 901 bilhões em projetos de concessões, privatizações e Parcerias Público-Privadas (PPPs) federais, além de alguns projetos de responsabilidade de Estados e municípios.

Reunindo empreendimentos em áreas como rodovias, ferrovias, portos, energia elétrica, óleo e gás, mobilidade urbana, iluminação pública e até gestão de parques nacionais, o PPI tem um perfil parecido com o antigo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que deverá ser retomado no próximo governo. Portanto, um possível destino é o Ministério do Planejamento, especula-se.

Um primeiro olhar do time da transição na carteira do PPI indicou que, no geral, os projetos devem seguir seu curso. Com exceções. Por exemplo, a desestatização da administração do porto de Santos (SP) merecerá uma avaliação mais cuidadosa. Será recomendado ao futuro governo que tire do radar a privatização dos Correios, segundo informou o ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo.

Além disso, a transição pediu ao Ministério das Cidades o adiamento do leilão do metrô de Belo Horizonte, marcado para o dia 22 de dezembro. Integrante do grupo de Cidades, o ex-governador de São Paulo Márcio França disse que o contrato do metrô será homologado pelo próximo governo. Assim, é possível que essa situação traga alguma insegurança aos interessados, comentou. O senador Jean Paul Prates (PT-RN) pediu para a Petrobras suspender seus desinvestimentos.

Apesar disso, as parcerias devem avançar. Estimativa recente elaborada pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia apontou que, no que vem, os contratos de concessão já assinados resultarão em investimentos de R$ 82 bilhões. Até 2025, serão R$ 416,3 bilhões.

Esses números impressionantes são olhados com alguma desconfiança pela equipe de transição. Há dúvidas, por exemplo, se as autorizações para a construção de ferrovias sairão do papel nos volumes e no prazo previstos.

O avanço do capital privado em infraestrutura, processo que se vê em amadurecimento no Brasil, é uma tendência na região e deverá ganhar força na gestão de Ilan Goldfajn à frente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que começa no próximo dia 19.

Essa foi uma linha de sua plataforma ao cargo. Seria uma forma de fazer com que o capital do banco, insuficiente para atender às demandas por financiamento de toda a região, possa ter um alcance maior. A atuação do BID Invest, braço financeiro da instituição, deve ser reforçada.

Nesse ponto, o programa de Ilan coincidiu com o desejo dos Estados Unidos, donos da maior fatia de capital do BID: aumentar a participação privada no desenvolvimento regional.

Isso ocorre num momento em que parece haver uma conspiração do universo para que a América Latina e o Caribe se tornem a bola da vez na recepção de investimentos estrangeiros.

Ao apresentar a candidatura brasileira à presidência do BID em outubro passado, em almoço com representantes de outros países no banco, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a instituição deveria viabilizar projetos como a ferrovia Bioceânica, que atravessa o Brasil e o Peru para ligar o Atlântico ao Pacífico, e Vaca Muerta, que traria gás natural da Argentina para o Brasil.

A integração regional passou a figurar nas falas de Guedes depois que os Estados Unidos, abalados pela ruptura das cadeias internacionais de fornecimento durante a pandemia, adotaram a ideia do “nearshoring”. Os países ricos concluíram que não devem mais depender de componentes produzidos do outro lado do mundo.

Assim, foi criada uma oportunidade de desenvolvimento para a América Latina e o Caribe. No entanto, esses países precisam ter infraestrutura eficiente.

A pandemia e o “nearshoring” vieram acompanhados de outra mudança na cena mundial. A guerra entre Rússia e Ucrânia colocou a Europa diante da insegurança energética e alimentar.

Guedes costuma repetir que a costa brasileira é capaz de gerar energia equivalente a “50 Itaipus”. Essa energia eólica abundante, limpa e barata é a ideal para produzir hidrogênio verde, que pode ser transportado para suprir a carência europeia.

Mas a oportunidade é mais ampla do que isso, acredita o vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Jorge Arbache. A lógica do “nearshoring”, diz ele, tem relação com mão de obra barata. Na sua visão, a vantagem regional é maior do que essa.

“Powershoring” foi a expressão que ele cunhou para descrever o que chama de “driver do século XXI”. É a busca por energia segura, verde e barata que dará as cartas dos investimentos privados nos próximos anos, acredita. Fábricas europeias e japonesas querem realocar sua produção para perto das boas fontes de energia. É a partir dessa tendência que os países da região poderão montar novas plataformas de atração de investimentos diretos estrangeiros.

Novamente, será preciso uma boa infraestrutura logística, sobretudo de portos, para receber esses empreendimentos. Além de um bom ambiente de negócios, com regulações que garantam a produção de energia com segurança e previsibilidade.

Embora haja muitos fatores a favor do aumento de investimentos no Brasil e na região, há perigos à frente. A começar pelo risco de recessão nos países ricos. Isso nubla o horizonte de crescimento econômico e torna difíceis as decisões de investimento.

Nesse cenário, não convém ao Brasil agregar dificuldades a si mesmo. Não é hora de flertar com irresponsabilidade na gestão pública, muito menos com ruptura institucional.

 

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