Folha de S. Paulo
Relatório da Defesa paga pedágio a
Bolsonaro e encerra de forma melancólica relação tumultuada
Em sua primeira incursão a Brasília após
ser eleito presidente pela terceira vez, Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) foi cirúrgico. Prometeu normalidade institucional, abriu
portas ao centrão e buscou desarmar o discurso golpista que subsiste
em estradas e na frente de quartéis Brasil afora.
O temor do mundo político residia no uso
que o bolsonarismo quer fazer do relatório
do Ministério da Defesa acerca das urnas eletrônicas, que cumpriu o papel
de deixar suspeitas no ar apesar de atestar que não houve fraude no pleito —um
fim melancólico para a tumultuada
reinserção dos militares na política sob Jair Bolsonaro (PL).
Não por acaso, o texto só foi divulgado depois que Lula concedeu sua entrevista coletiva, após reunião com o destinatário do papelório, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes.
O petista evitou
dar oxigênio para o golpismo. Disse que "não há tempo para
vingança", para sacar na sequência sua primeira declaração acerca dos
protestos.
"Essas pessoas não têm o que
contestar", afirmou, completando de forma nada inocente que é necessária a
investigação acerca do financiamento dos atos antidemocráticos. Esta é a pedra
de toque do manejo jurídico de Moraes em casos semelhantes.
Nenhuma palavra sobre o relatório ou
acerca do
papel complexo que estratos militares diversos, Defesa, serviço ativo e
reserva, tiveram no relacionamento íntimo com o capitão reformado do Exército
Bolsonaro.
Ponto para Lula, que teve interlocutores
alertados nos últimos dias de que a caserna quer passar a régua no tema das
urnas eletrônicas. Não se sabe ainda se isso é uma sinalização de armistício,
mas ao focar nos manifestantes como entes isolados, o petista acenou.
Um integrante da cúpula militar dizia, na
noite de quarta (9), que não havia alternativa e que Bolsonaro desejava algo
ainda mais contundente, tentando assim pintar um quadro de cooperação fardada
para evitar uma crise.
Se a versão lhe é conveniente, e é, ela
também casa com a ideia de que alguma normalização está sendo buscada. A reação
do TSE, "recebendo
com satisfação" a peça, vai nesse sentido de fim de jogo.
Como
a Folha mostrou na segunda (7), a
relação entre o presidente eleito e os fardados tem várias arestas egressas do
episódio do tuíte do ex-comandante do Exército que pressionou o Supremo a
não lhe conceder um habeas corpus em 2018.
Naturalmente, toda essa concertação precisa
ser posta à prova pela realidade. O bolsonarismo segue o modelo de Donald Trump
em 2020, quando o ídolo do presidente perdeu a eleição e passou meses fomentando
uma sedição que não veio.
Houve a invasão traumática do Capitólio,
mas, olhando com a perspectiva da distância temporal, foi algo isolado e até
menor em escala do que sua versão tupiniquim —que, de resto, parece tender a
ser um elemento de paisagem política, ridicularizada por uns, ignorada por
outros, mas até aqui sem eficácia.
Um teste mais óbvio será a diplomação de
Lula e do vice, Geraldo Alckmin (PSB), pelo TSE tão odiado pelos bolsonaristas.
Ela ocorrerá até 19 de dezembro, e institucionalmente isso equivale ao 6 de
janeiro de 2021, quando o Congresso americano foi atacado.
Sobre o relatório em si, fruto
de um erro do TSE em colocar os militares como protagonista que já
era, na prática, do processo eleitoral, a montanha pariu um rato —mas um roedor
pode causar estragos no longo prazo. Nenhuma acusação de fraude ou falha grave,
e uma série de sugestões de aprimoramentos técnicos dos mecanismos de votação.
"A urna eletrônica é uma
conquista", ressaltou Lula, sem falar no trabalho fardado. Após passar
quase quatro nos na berlinda, associada a um golpe que não veio, a
Defesa se prestou a dar alimento às conspiratas vulgares do bolsonarismo.
Esse
erro será cobrado no futuro, isso parece claro, mas a palavra de ordem
na Brasília de Lula 3º é "volta a normalidade", com presidente
conversando com chefes de outros Poderes e sentando à mesa com ministros que
ajudaram a mandá-lo para 580 dias de prisão.
Os termos do relatório servirão para
Bolsonaro e os seus sustentarem até 2026 o discurso contra as urnas, e a
pacificação proposta pelo petista terá um teste de fogo no trabalho adicional
de Moraes contra os financiadores dos correntes atos.
E claro, ainda falta a eventual manifestação do presidente recluso em sua torre simbólica, magoado pela derrota cercado pelos filhos e acólitos residuais. Se deixará a cadeira com um sussurro ou uma explosão, é algo em aberto. O que está claro é que ninguém importante parece prestar atenção a essa altura.
O falastrão se calou e continua quase mudo... Melhor assim! Quem nada tem a dizer, que fique de boca fechada... Assim, as moscas não poderão entrar nela ao procurarem o fedor de esgoto que exala do GENOCIDA!
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