Valor Econômico
Sintonia do governo eleito com Poderes
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Dois fatos definem a passagem do presidente
eleito por Brasília. O anúncio de que a tramitação da PEC da Transição se
iniciará pelo Senado e o convite para que o Supremo Tribunal Federal participe
da discussão da questão ambiental e do status da posse e do porte de armas.
O anúncio revela que, por mais amistoso que
tenha sido o encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), o governo eleito confia mais no senador Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), presidente da Casa que, por iniciar a PEC, terá a última palavra.
O convite ao Supremo revela a expectativa
de Lula de que a Corte equilibre o perfil marcadamente bolsonarista do
Congresso para a reversão de marcos legais que tanto fizeram avançar o
desmatamento quanto o armamento civil.
Ao se encontrar com os presidentes dos
Poderes, Lula ainda evidenciou os termos da parceria estabelecida com seu vice.
Enquanto Lula se movimenta como chefe de Estado, Geraldo Alckmin comanda o
governo eleito.
Por trás do sorriso permanente, do ritual da nominata nas reuniões mais cotidianas e da disposição de falar tudo sem dizer nada, o vice eleito vai aparando arestas, compondo divergências e buscando soluções para conflitos infindáveis. Testa possibilidades e mata no peito as frustrações. Até Bolsonaro encontrou.
Tomou o lugar de Lula nas redes sociais do
governo eleito. É Alckmin quem aparece de óculos escuros, falando de dentro do
carro, cortando o bolo do seu aniversário e amaciando os contratempos da
transição.
Seu desgaste preserva Lula para as missões
presidenciais, como aquela para a qual parte neste fim de semana na COP-27. É
sob a aura de liderança mundial da agenda climática que espera levar a cabo a
tarefa de nomeação efetiva dos ministros. Aí já não terá Alckmin como escudo.
Se a equipe de transição revela a utopia
possível do convívio entre divergentes, como Persio Arida e Nelson Barbosa,
Simone Tebet e Teresa Campello, Priscilla Cruz e Henrique Paim, Guilherme
Boulos e Floriano Pesaro, Germano Rigotto e Bernard Appy estão a demonstrar, as
movimentações na Câmara exibem o mesmo Centrão velho de guerra.
Tome-se, por exemplo, a oposição anunciada
pelo presidente do PL. Foi o único fato a rimar com o relatório do Ministério
da Defesa, que deu alento aos golpistas instalados no Palácio do Planalto e nas
ruas e estradas do país. A disposição, porém, é temporária. Terá que durar,
pelo menos, até o dia 2 de fevereiro, quando os parlamentares tomam posse. É a
bancada da posse que define o valor dos fundos eleitoral e partidário. Com a
maior bancada da Câmara, o PL terá acesso à maior fatia do fundo.
O discurso de que o partido enfrentará os
ideais “comunistas” e os “questionamentos” à Justiça Eleitoral tem esta data de
validade. Mais da metade dos 99 deputados eleitos ameaçava sair se Costa Neto
não endossasse o discurso dos bárbaros que tomam as ruas sem doçura alguma.
Foi assim que Valdemar da Costa Neto se
explicou quando cobrado pelo tom de sua fala. O presidente Jair Bolsonaro
alavancou o PL muito mais do que o fizera com sua antiga legenda em 2018.
Naquele ano, o PSL elegeu 52 deputados. Na posse, já tinha perdido um. O DEM
empossou 29.
Com a fusão, obtiveram 80 deputados, o que
deu à União Brasil R$ 782 milhões de fundo eleitoral, 55% a mais do que a
legenda que ficou em segundo lugar (PT). Depois de 2 de fevereiro, o PL poderá
calibrar o discurso e, principalmente, sua atuação. E, com um pé em cada canoa,
tentar se manter ao alcance do governo eleito sem perder de vista os 58 milhões
de votos de Bolsonaro.
Ao constatar que o bolsonarismo é maior que
Bolsonaro, Valdemar Costa Neto disse que, por esta razão, não se podia
“atravessar o samba”. A expressão, destinada aos radicais do bolsonarismo, é
usada pelos sambistas para definir quem destoa. Isso quando está em pauta uma
melodia e não a zoada dos seguidores do presidente.
Na cadência da transição, foi o presidente
do PL quem, até aqui, mais se atravessou no caminho do governo eleito. Ao
apoiar a reeleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) para a Presidência da Câmara
e pedir seu apoio para seu partido no Senado, deixou claro que o governo
eleito, se quiser paz no Congresso, vai ter que negociar com ele.
Lira recebeu o apoio de Valdemar e não tem
concorrente à vista no PT, no MDB ou no PSD, mas acha pouco. Quer o apoio
explícito de Lula. Teme as reviravoltas que a declaração do presidente do PL
pode causar nos partidos que o apoiariam na Câmara em troca de seu apoio no
Senado, como o PSD do senador Rodrigo Pacheco.
Lira não despertou a disposição de Lula em
se meter na disputa. Não bastasse o trauma com o qual a eleição de Eduardo
Cunha marcou o PT para o resto de sua existência, o governo eleito tem como
prioridade viabilizar a PEC da Transição, que permitiria fazer caber o governo
no Orçamento.
A dependência que o governo tem desta PEC
facilita a vida de Lira que hoje é quem tem voto para aprová-la, mas não
garante que ele seja o candidato único à Mesa. O presidente da Casa sabe que
correligionários como o deputado Aguinaldo Ribeiro (PB) são mantidos como
reserva de contingência.
Ministro das Cidades no governo Dilma
Rousseff, Ribeiro garantiria o apoio do PP sem os poderes plenipotenciários que
hoje Lira exibe. O presidente da Câmara encontrou-se nesta quarta com seu
antecessor, o deputado federal Rodrigo Maia (PSDB-RJ), de quem Ribeiro sempre
foi aliado, chegando a ser cogitado para sucedê-lo.
As inseguranças não param por aí. Lira não
tem garantia de que o STF lhe dê cobertura na decisão sobre o orçamento
secreto. A Corte foi desafiada na determinação de tornar transparente a
destinação das verbas e fez de conta de que a decisão estava sendo cumprida
para manter, pelo menos com o Congresso, a institucionalidade destruída pelo
Executivo.
Agora já não há motivos para manter as
aparências. O STF não pode acabar com o orçamento secreto, mas tem todas
prerrogativas constitucionais para impor sua publicidade. Esta decisão tem
potencial para erodir a base de Lira na Câmara porque mostraria a desigualdade
do tratamento a aliados.
Pesa contra o desembaraço do Supremo no
tema as hesitações da ministra Rosa Weber. Pesa a favor, a sintonia demonstrada
com o presidente eleito numa Brasília ocupada por caminhoneiros a contestar o
resultado das urnas com o respaldo de um relatório golpista dos militares.
Maria Cristina Fernandes.
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