Correio Braziliense
A ruptura entre os dois
primeiros mandatos e o terceiro é uma necessidade histórica, porque existe um
hiato de 12 anos entre ambos, no qual o mundo mudou e a realidade política e
social do país também
Talvez a grande dificuldade para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) operar a transição e a montagem do seu novo governo decorra do fato de que existe uma lógica subliminar nas suas atitudes que não tem viabilidade política: retomar o fio da história de onde sua passagem pela Presidência foi interrompida. Essa foi a linha básica de sua campanha eleitoral, na qual explorou as realizações de seus dois exitosos mandatos como principal ativo eleitoral, ao mesmo tempo em que manteve distância regulamentar da questão ética e do fracasso político, econômico e administrativo de Dilma Rousseff, mascarado pelo discurso de que fora vítima de golpismo.
A ruptura entre os dois primeiros mandatos
e o terceiro é uma necessidade histórica, porque existe um hiato de 12 anos
entre ambos, no qual o mundo mudou e a realidade política e social do país
também. E ainda há o enorme desgaste causado pelos escândalos do mensalão e da
Petrobras, embora esse tema seja como falar de corda em casa de enforcado nessa
transição. Sua Fortuna, para usar o conceito clássico de Nicolau Maquiavel, não
é a mesma de 2002.
Podemos elencar ao menos cinco grandes
contingências para emoldurar as novas circunstâncias: 1) o cenário mundial
alterou-se completamente, com o acirramento da disputa entre os Estados Unidos
e a China, a guerra da Ucrânia, a pandemônio da covid-19 e a retração da
economia global; 2) se esgotaram os efeitos do chamado bônus demográfico, ou
seja, da redução de número de crianças e de idosos dependentes da renda da
população adulta, que possibilitou rápida expansão do mercado; 3) a crise de
financiamento da saúde, da educação e da segurança pública, entre outras
políticas universalistas, se agravou em decorrência da baixa atividade
econômica e do desmonte das políticas sociais por Bolsonaro; 4) um Congresso
mais conservador, mais patrimonialista e mais fisiológico, que hoje controla e
pulveriza os investimentos federais previstos no Orçamento da União; e 5) uma
oposição radical e forte, que mantém o presidente Jair Bolsonaro como uma
alternativa de poder em 2026.
Essas contingências já são suficientes para
que o novo governo Lula seja muito diferente do anterior. O projeto Lula 2022,
no primeiro turno, era de um governo de esquerda, amparado por uma frente
popular, mesmo que esta se autodenomine “frente ampla”. Esse projeto não
vingou, não obteve a maioria dos votos na eleição. Isso ocorreu porque há uma
contradição na construção da hegemonia de Lula: o PT manteve-se como a
principal força no campo da oposição, mas perdeu a liderança moral da
sociedade, que permanece em disputa por parte de Bolsonaro. Perdeu por causa da
Lava-Jato, que é um assunto jurídico transitado em julgado, mas continua sendo
a representação da questão ética para a sociedade.
Governo de coalizão8
Como uma porcelana quebrada, que precisa
ser restaurada com liga de ouro para continuar sendo um objeto de valor, o PT
precisa fazer seu aggiornamento. Nunca assumiu a responsabilidade coletiva
pelos escândalos que foram protagonizados por seus quadros principais. Lula
sempre se declarou inocente e jamais exigiu uma mea culpa de seu partido. A
bandeira da ética manteve-se nas mãos de Bolsonaro e seus aliados, sendo
esgrimida como aríete contra os resultados da eleição e futuro governo. Essa
força de oposição não pode ser subestimada. Lula e os partidos de esquerda não
têm como derrotá-la, a não ser ampliando as alianças ao centro, como ficou
demonstrado no segundo turno.
O problema é traduzir a ampliação dessas alianças, com a plena incorporação do
centro ao novo governo, um xadrez político que mal começou. Nele, o
vice-presidente Geraldo Alckmin tem mais experiência do que os dirigentes
petistas que formam o estado-maior de Lula: a presidente da legenda, Gleisi
Hoffmann, o ex-senador Aloizio Mercadante, o ex-prefeito de Araraquara, Edinho
Silva, o senador eleito Wellington Dias e o deputado José Guimarães. Na
verdade, a política petista tem como espelhos na América Latina o peronismo,
por causa da tradição sindical, e a Frente Ampla do Uruguai, um bloco de centro
esquerda construído na resistência à ditadura. Não é por aí. Talvez a melhor
experiência de alianças e de governo que podem servir de paradigma para o
governo Lula seja a “Concertacion” chilena.
A chave é compartilhar o poder com os
aliados, sem o hegemonismo que está impregnado no PT e transpira por todos os
poros da equipe de transição. O PT e demais partidos de esquerda passam a
impressão de que pretendem “aparelhar” todos os ministérios, o que faria dos
aliados de centro figuras decorativas na Esplanada. Um governo de ampla
coalizão democrática exige mais do que isso, em termos de compartilhamento de
poder, além de um programa tático, mirando os próximos dois anos, o que
significa uma política econômica menos ao gosto da esquerda e mais palatável
para os liberais.
Excelente texto, parabéns ao colunista e ao blog que divulga seu trabalho!
ResponderExcluirUma esquerda moderada,é o que eu espero.
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