Correio Braziliense
Bolsonaro não fez nenhum questionamento ao
resultado das eleições, mas também não o endossou publicamente, até agora.
Entretanto, na prática, está digerindo a derrota, ou seja, o “sapo barbudo”
O título da coluna é inspirado na frase
famosa do ex-governador fluminense Leonel Brizola, cujo sonho de chegar à
Presidência foi frustrado em 1989, ao ficar em terceiro lugar na disputa
presidencial, atrás de Fernando Collor de Mello e, para surpresa geral, do
então estreante nas eleições Luiz Inácio Lula da Silva. Atropelado pelo líder
metalúrgico, Brizola decidiu apoiá-lo no segundo turno e transferiu seus votos
para o petista, principalmente no Rio de Janeiro e no Rio Grande Sul. O “sapo
barbudo”, porém, somente viria a se eleger presidente da República em 2002,
tendo que ser digerido pelo senador José Serra (SP), seu adversário tucano.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda não engoliu a vitória do “sapo barbudo”. Seu pronunciamento de ontem, depois de um adiamento de 48 horas após o encerramento da apuração, foi pautado pela ambiguidade política. Agradeceu aos seus eleitores, enalteceu a formação de uma direita ideológica no país, anunciou que sua luta continua, mas não reconheceu a derrota eleitoral nem cumprimentou Lula, o presidente eleito. Sua grande preocupação foi manter o apoio dos caminhoneiros e militantes bolsonaristas de raiz, que ainda não aceitaram o resultado da eleição e, ao mesmo tempo, orientá-los a não cometerem nenhum ato de violência nem impedirem o direito de ir e vir.
Foi um discurso lacônico, seguido de um
pronunciamento minimalista do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que
anunciou o início da transição de governo, que coordenará. O vice-presidente
eleito Geraldo Alckmin será o coordenador da equipe de Lula. Tudo de acordo com
a legislação vigente sobre a troca de governos. Bolsonaro teve 58 milhões de
votos, um resultado muito expressivo, que não deve ser subestimado. Entretanto,
para o pronunciamento, ele precisou de duas noites de sono e muitas conversas.
Seu posicionamento sinaliza a intenção de fazer uma posição dura, permanente,
implacável.
O pronunciamento de Bolsonaro, porém, foi
uma pá de cal em qualquer tentativa de impedir a posse do presidente eleito. Ao
não reconhecer a vitória de Lula e se omitir em relação aos protestos de
caminhoneiros, que realizaram centenas de bloqueios nas estradas do país,
simultaneamente às manifestações bolsonaristas, algumas à porta de quarteis,
acabou politicamente isolado. Além disso, a ação enérgica do presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, proibindo
interdições das estradas, obteve pronta resposta dos governadores, inclusive
aliados de Bolsonaro, que acionaram as forças policiais para acabar com os
bloqueios.
Contrariedade
Bolsonaro está muito contrariado com a
derrota, sempre levantou suspeitas sobre as urnas eletrônicas e alimentou as
desconfianças de seus apoiadores em relação a legitimidade do sistema de
votação e idoneidade da apuração. Não fez nenhum questionamento ao resultado
das eleições, mas também não o endossou publicamente, até agora. Entretanto, na
prática, está digerindo a derrota, ou seja, vai acabar digerindo o “sapo
barbudo”. É que teremos uma transição com certo nível de cooperação de três
atores: o Centrão, representado por Ciro Nogueira, presidente do PP, e o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL; os generais de seu estado-maior, que
sabem da inutilidade de qualquer reação golpista; e a alta burocracia federal,
encastelada na cúpula dos ministérios e dos órgãos do governo.
Paralelamente à existência de políticos
profissionais, acostumados a ganhar e a perder eleições, existe no governo
Bolsonaro uma burocracia formada por funcionários e técnicos de carreira,
encarregados de operar a máquina do Estado. Além dos objetivos programáticos,
que pautaram as ações do governo, existe uma dinâmica de funcionamento da
máquina pública que observa regras muito claras de conduta, não somente nas
ações administrativas, mas também quanto à responsabilidade dos agentes
públicos. No Estado Democrático de Direito, com administrações modernas, não existe
queima de arquivos. Existe sigilo, que pode ser quebrado em caso de
necessidade.
Nesse sentido, salta aos olhos a atuação da
Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia da eleição e durante os bloqueios dos
caminhoneiros, que foge ao padrão dos órgãos de coerção federais. A omissão do
procurador-geral da República, Augusto Aras, durante esses protestos também
constrangeu sua própria instituição.
A transição será fácil? Não, porque haverá
uma nova ruptura de políticas públicas. Entretanto, as atividades permanentes
do Estado não sofrerão descontinuidade, principalmente nas áreas essenciais.
Além disso, os novos integrantes do governo têm grande experiência
administrativa, muitos deles na própria administração federal. O fato de o
vice-presidente Geraldo Alckmin ser o coordenador da equipe de transição já
revela a intenção de fazer com que essas fricções sejam mitigadas.
Ao nomear o vice, Lula sinaliza para as
forças políticas e a sociedade uma postura de moderação e ampliação do diálogo,
que será muito importante durante esse período de transição e pode resultar num
governo de ampla coalizão democrática. Essa parece ser a intenção do presidente
eleito, ao revelar a intenção de atrair para o seu governo todo o MDB, o PSD, o
PSDB, o Podemos e o Cidadania, que não o apoiaram no primeiro turno. São forças
políticas contingenciadas pela polarização eleitoral, mas que reúnem grande
experiência e capacidade de articulação política no Congresso e na sociedade.
Pois é,quem perde sai,quem ganha entra.
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