Os resultados eleitorais estampam o sucesso
dessa empreitada com sua expressiva votação entre os eleitores de renda mais
alta, embora insuficiente para sua vitória, que significaria a legitimação de
um regime autocrático de pendores fascistas. A reação a essa política
demofóbica foi caracterizadamente classista, opuseram-se a ela os pobres, as
mulheres ainda sujeitas ao patriarcalismo milenar em nossa história e as
regiões desfavorecidas no capitalismo brasileiro como o nordeste.
A vitória eleitoral da coalizão democrática,
embora tenha desatado a esperança e júbilo, vem à luz num cenário hostil com a
arregimentação de setores renitentes à derrota nas urnas em aberta conspiração
em favor de uma intervenção golpista a ser desfechada por militares. O caminho
da democracia brasileira é o de pedras, e avançar nele está a requerer manobras
ainda mais audaciosas do que as praticadas na campanha eleitoral, como a de
ampliar alianças em direção às forças políticas agrupadas no chamado centrão,
assim como as de representação do agronegócio que possam se associar na defesa
do meio ambiente.
Nesse sentido, marcham em boa direção as
tratativas realizadas no processo da transição para o novo governo sob a
condução do vice-presidente eleito Geraldo Alkmin, atento às necessidades de
preservar e alargar uma coalizão política do tipo geringonça onde caibam alhos
e bugalhos, tal como já ocorreu em Portugal, que possam vir a garantir
sustentação ao governo democrático, desafiado antes mesmo de nascer pela grei
dos derrotados nas eleições em movimentos subversivos, mas que conta a seu
favor com um inédito apoio no cenário internacional.
A vitória em nosso país do campo
democrático sobre os iliberais e negadores dos processos de globalização e das
políticas ambientalistas transcendeu suas fronteiras, fato testemunhado pelo reconhecimento
imediato, logo que fechadas as urnas, por parte do governo de Biden, da
Alemanha, da França e de outras potências ocidentais, a que não faltou a
presença dos principais países da nossa região. Tal rápida e vigorosa
movimentação blindou o resultado das eleições, reforçada pela feliz
oportunidade aberta pela conferência climática com sede no Egito, para a qual
foi convidado o presidente eleito Lula, quando além dos pronunciamentos
importantes sobre a temática do clima que enunciou, teve a oportunidade de
corpo presente de obter reconhecimento por parte de altos dirigentes nacionais.
Tacitamente, o mundo desenvolvido deixava o recado de que a solução brasileira
importava a todos.
A natureza estratégica das relações
internacionais para o destino da democracia brasileira foi ainda mais realçada
com o fracasso da chamada onda trumpista nas eleições legislativas nos Estados
Unidos, assegurando-se ao governo Biden o comando do senado a partir de uma
campanha em que o tema da defesa da democracia e do meio ambiente ocupou papel
de centralidade. O fato de bons ventos vindos de fora serem propícios aos bons
propósitos do governo Lula-Alkmin, para nada servirão se as velas não enfunarem
em boa direção guiadas por uma pilotagem consciente dos riscos presentes na
situação, em que uma encarniçada oposição do bolsonarismo e dos grossos
interesses a ele associados, temerosos com uma eventual perda dos seus
privilégios, não perdem de vista uma intervenção golpista.
Na Inglaterra da 2ª Guerra Mundial sob os
pesados bombardeios da aviação nazista dizia-se, referindo-se aos pilotos
britânicos que porfiavam por rechaçar os ataques aéreos que nunca tantos
dependeram de tão poucos. Os membros do governo de transição, que ora saem em
busca dos caminhos difíceis que viabilizem nosso reencontro com um Estado
democrático, não tem o direito de errar. Certamente não é tarefa fácil
compatibilizar a responsabilidade social com a fiscal num país em que boa parte
do seu povo vive abaixo da linha da pobreza. Os que não estiverem à altura do
desafio que deixem seus lugares para os de melhor têmpera que encontrarão os
meios para vencer.
*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, Puc-Rio
A democracia venceu o autoritarismo.
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