O Globo
As manifestações de bolsonaristas e
bloqueios de rodovias ainda podem continuar provocando tumulto e espanto pelo
radicalismo por mais alguns dias, mas a tendência é que a cada dia fiquem mais
longe no retrovisor. O bolsonarismo ou a direita, porém, continuarão existindo
e terão bases firmes no Congresso Nacional a partir do ano que vem.
Só o PL, partido de Jair Bolsonaro, elegeu
99 deputados e 15 senadores, sem contar os outros partidos que sustentaram o
governo derrotado até aqui e se colocaram à direita do espectro político. Somadas
as bancadas de PP, Republicanos e União Brasil, são 246 deputados, quase metade
dos 513 da Câmara. Como bom Centrão, essas legendas não terão problemas em
fazer uma guinada fisiológica para o centro e começar a votar com o governo
Lula.
A questão, como sempre em Brasília, será o
custo.
Há duas décadas, quando Lula foi eleito pela primeira vez, o Centrão cobrou caro para apoiá-lo no Congresso. Chegou a fazer greve de votações na Câmara para tomar conta de uma diretoria da Petrobras. Foram vitoriosos, e o resultado todos conhecemos.
Esses tempos ficaram no passado. Nas
palavras de um conhecedor dos modos e humores do Centrão, foram superados da
mesma forma que o iPhone 1 foi superado pelo iPhone 13. Assim como a Apple com
seus celulares, esse pessoal desenvolveu novas tecnologias de ocupação da
máquina que os tornaram menos dependentes do Executivo.
Mesmo com o fim do governo Bolsonaro, a
direita ainda tem pelo menos 12 governos estaduais, entre eles São Paulo, e um
naco do fundo partidário proporcional ao tamanho das bancadas. E controla o
principal: o orçamento secreto, também chamado de emendas do relator ou de RP9.
Com acesso a essas emendas parlamentares de
distribuição automática, cujo destino pode ser resolvido no Congresso sem que o
presidente da República apite coisa alguma, o Centrão se “emancipou”, por assim
dizer.
É nesse novo contexto que Lula precisará
encontrar recursos para começar o ano cumprindo as promessas mais básicas. Só
para manter o valor do Auxílio Brasil em R$ 600, mais os R$ 150 por criança de
até 6 anos, serão necessários R$ 70 bilhões que não estão disponíveis.
Na campanha, Lula também prometeu acabar
com o orçamento secreto, para obter mais controle dos recursos da pauta do
Congresso. Só que não vai rolar, e o PT sabe disso.
Em público e nos bastidores, os
parlamentares já deram o recado: no orçamento secreto, ninguém mete a mão. O
próprio relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), que se reunirá hoje com o
time da transição, já disse ao Estado de S. Paulo:
—Eu não vou propor isso. Não vivo de
fantasia, vivo de realidade.
E acrescentou:
— Imagina propor uma coisa que não tem
chance nenhuma de ser aprovada.
A primeira consequência desse impasse, o
próprio senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) já reconheceu publicamente: Lula
não apresentará candidatos contra os presidentes da Câmara, Arthur Lira, ou do
Senado, Rodrigo Pacheco, que disputam a reeleição em fevereiro.
— Tem uma determinação da parte do
presidente eleito de não interferir na disputa, ao passo que é fundamental
também a construção da maioria para garantir a governabilidade —disse à CNN.
Segundo Randolfe, Lula buscará compor um
“governo de reconciliação nacional”, não apenas com os dez partidos que o
apoiaram, mas “com todas as forças políticas deste país que quiserem construir
a reconciliação nacional”.
A tarefa de unir o país é urgente e
necessária, mas não dá para ignorar que Pacheco e Lira ainda têm sob seu
controle R$ 8 bilhões que restam do orçamento secreto para distribuir neste ano
-- desde que o ministério da Economia consiga incluí-los sob o teto deste ano.
Contra essa bolada, Lula, que nem tomou
posse ainda, não poderá competir. É essa a costura que acontecerá nos próximos
dias em Brasília, em reuniões do time de Lula com os caciques do Centrão, e do
próprio Lula com Pacheco e Lira.
A menos, é claro, que o Supremo Tribunal
Federal decida julgar nas próximas semanas uma ação pendente na corte e declare
inconstitucionais as emendas do relator.
Se cai o orçamento secreto, o jogo se
transforma completamente.
Até a eleição, tudo o que se ouvia em
Brasília era que os ministros estavam dispostos a fazê-lo. Não é impossível,
porém, que Lula e o Centrão considerem o tumulto das manifestações destes dias
e prefiram se arranjar como der para isolar a extrema direita — com furo no
teto de gastos, com as emendas de relator, com Supremo e com tudo.
Periga até trocar o nome do orçamento
secreto para orçamento sagrado. E vamos que vamos.
Malu Gaspar sabe das coisas.
ResponderExcluirSagradas são as mentiras de Bolsonaro, ungidas (eu falei ungidas, não mugidas) pelos pastores safados do rebanho desmiolado...
ResponderExcluirIsso é o que acontece lá dentro mas o problema está aqui fora conforme os Discursos de Campanhas nos estados, quanto as nomeações para cargos importantes como para comandar a CONAB com todo esse dinheiro em "mão de vaca"! Tem que ser alguém com grande influência no Agronegócio...
ResponderExcluir