Valor Econômico
É como se o mercado transferisse para o
próximo presidente a irresponsabilidade fiscal do atual
Ao contrário do que os economistas e
analistas vinculados a fundos de investimento fazem crer, o chamado mercado
financeiro não é um oásis de virtude. Sempre que haja brechas por descuido das
autoridades reguladoras, ocorrem ganhos de uns em detrimento de outros. O
exemplo mais notório é o da crise de 2008/2009 que redundou no escândalo dos
“subprimes” com perdas imensas para os investidores nos Estados Unidos e altos
custos para a economia como um todo. Surgiu de um esquema tipo pirâmide montado
por bancos e fundos com o objetivo de alavancar ganhos sobre ativos de
altíssimo risco.
No dia a dia, as instituições que administram o dinheiro dos poupadores e ou investidores não deixam de tirar proveito em benefício próprio e podem gerar lucro adicional a partir de boatos e suposições que afetam os preços dos ativos para o bem ou para o mal. Ao imaginar situações ruins e causar sofrimento antecipado, o mercado espalha a distopia na forma de manada, todos juntos para o mesmo lado.
Desde o final do segundo turno das
eleições, o mercado financeiro vive em sobressaltos com a demora da nova regra
fiscal e da indicação dos nomes pelo próximo presidente da República. Oscila
para cima e para baixo, como uma espécie de gangorra que não consegue encontrar
um equilíbrio e não há nada de anormal nisso. Afinal, a incerteza se reflete no
risco e este é inerente às operações financeiras, em especial aquelas que lidam
com ativos de renda variável como as ações e o câmbio.
Mas há um exagero no “frisson” provocado
pelas dúvidas relacionadas ao comportamento fiscal do próximo governo que,
mesmo sem ter tomado posse, é acusado de perdulário. Vale lembrar que só se
saberá o valor inscrito na emenda constitucional destinada aos programas
sociais a partir de 2023 quando for votada pelo Congresso Nacional. Portanto, é
precipitado e errado antecipar eventuais efeitos fiscais considerando as
propostas que ainda não se transformaram em peças constitucionais definitivas.
Também é exagerada a impaciência com a falta
de definição da nova regra fiscal para substituir um teto de gastos roto e há
muito tempo desacreditado. O fato de o governo estar acéfalo torna o cenário
confuso, sem dúvida. Faz com que ao presidente eleito seja imputada uma culpa
que não lhe pertence. É como se o mercado estivesse transferindo para o próximo
presidente a irresponsabilidade fiscal que é do atual mandatário. Afinal, um
orçamento com rubricas sem verba é como um cheque falso. Ainda que dentro do
teto, não tem valor algum.
A tarefa de colocar nos eixos a
desorganização promovida pelo governo Bolsonaro nas contas públicas não é nada
trivial. Vai demandar trabalho, bom senso e conhecimento da intrincada teia de
condicionantes que configura o orçamento federal e os desvios que o afetam, em
especial as verbas secretas que saem do bolso dos contribuintes sem que estes
tenham noção do destino que tomam.
Para além disso, os prognósticos para o
comportamento da economia são reféns das incertezas do mundo pós pandemia,
afetadas pelas dúvidas com a oferta de gás, petróleo e grãos, e pelo impacto
inflacionário nos países mais desenvolvidos. A atividade econômica dos próximos
anos no Brasil deverá passar por situações que nenhum governo (com exceção da
Rússia, talvez) tem hoje condições de desenhar com certo grau de
previsibilidade.
Isso leva às diferenças de prognóstico. A
Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado Federal, prevê no
relatório deste mês três cenários para o PIB. Variam do crescimento de 1,4% a
0,3% em 2023 e de expansão média entre 3% e 1% no período entre 2024 e 2031. A
arrecadação, sabe-se, é uma variável dependente do comportamento do PIB.
Não se conhece o efeito sobre o PIB do
consumo das famílias brasileiras com a continuidade do auxílio de R$ 600 por
mês, com o bônus de R$ 150 por crianças até seis anos e o aumento do salário
mínimo. Para além do caráter de ajuda emergencial, há ali um volume nada
desprezível de recursos que ajudará a puxar a economia.
Obviamente, há um custo fiscal a ser
considerado do ponto de vista da contabilidade do orçamento e esse é um encargo
que a sociedade concordou em assumir ao eleger o novo presidente da República.
Causa espanto o argumento de que o aumento daquele gasto acabaria por
prejudicar os mais pobres pela via da inflação, como se houvesse opção em
deixar morrer de fome agora para garantir o acesso à comida mais barata no
futuro.
Espanta, também, o grau de importância
assumido nas discussões sobre a questão fiscal. O economista Armínio Fraga, na
entrevista que concedeu ao Globo no sábado, chamou a equipe econômica da
transição de “seleção nacional da heterodoxia e do fracasso” salvaguardando uma
exceção que tudo indica ser a de Pérsio Arida, em nome de quem disse falar ao
criticar as declarações do presidente eleito. Os demais integrantes são André
Lara Resende, Nelson Barbosa e Guilherme Mello.
Com todo o respeito a Armínio, não se pode
desconsiderar a relevância de André na história econômica do país. Nenhum outro
economista tem se dedicado a desenvolver estudos teóricos na busca de novas
alternativas que permitam enfrentar a realidade nacional, arriscando até o
prestígio pessoal. Junto com Pérsio, André Lara Resende criou a tese da moeda
indexada que anos mais tarde resultou no Plano Real e acabou com a
hiperinflação. Nenhum outro, além deles, pode igualar-se em tamanha envergadura
intelectual.
Mais (Maria) clara e correta, impossível!
ResponderExcluirBoa,gostei.
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