quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Maria Cristina Fernandes - O café frio de Bolsonaro

Valor Econômico

Queda de braço será longa, enfrenta o risco de torná-lo mártir se engrossar e tem como meta a inelegibilidade

A relação das instituições com o presidente Jair Bolsonaro já foi definida um dia pelo ministro Gilmar Mendes como um jogo de xadrez com um pombo, que voa, derruba as peças, faz caca no tabuleiro e apronta confusão. Durante encontro no Supremo Tribunal Federal, o pombo posou de estadista para se manter no jogo depois de janeiro. A nota do STF, como sempre acontece quando, além da Constituição, a Corte se arvora a interpretar o presidente da República, é política. Se atesta um reconhecimento do resultado eleitoral que não houve, é menos pela certeza de que ele vai se aquietar e mais para mantê-lo à mão na partida que está para começar.

Bolsonaro não apenas se manterá encrencado no inquérito das Fake News, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, como, ao chegar à planície, se deparará com um juiz de primeira instância a cada esquina. Três anos e sete meses depois do tuíte do general Villa Boas, que empurrou o STF a negar o “habeas corpus” a Luiz Inácio Lula da Silva, a Corte faz o antituíte com a publicação, na rede social, da nota em que passa a mão na cabeça do presidente arruaceiro. Mais do que negociar anistia, indulto ou graça, para os quais só será elegível se condenado, Bolsonaro bateu às portas do STF numa tentativa de deixá-las abertas para os HCs de que precisará. Ele os terá?

A baderna é só mais um dos crimes de sua ficha corrida. Bolsonaro dança na boca do vulcão com a declaração em que tanto pediu o desbloqueio das pistas quanto estimulou sua ocupação. A notícia de que já há risco de desabastecimento de diesel demonstra que foi mais bem sucedido no segundo intento. Ainda sem reconhecer a derrota, voltou a fazer um apelo mais veemente ontem à noite pela desocupação das estradas. Continuará a dançar a mesma música ao deixar a Presidência. Sabe que sua prisão o tornaria mártir e manteria a turba mobilizada. Para que o centro e a direita democráticas recuperem os votos que o bolsonarismo lhes tirou, o apelo de que o atual presidente é porta-voz tem que ser sufocado aos poucos, na mesma velocidade com a qual ele asfixiou a democracia ao longo de seu mandato. A carta na manga que o Judiciário terá, ao fim desta guerra, é sua inelegibilidade.

De imediato, a maior ameaça que paira sobre Bolsonaro é o café que esfria no bule seu. Comércio varejista e transportadoras, setores bolsonaristas por excelência, amargam perdas. Evangélicos, vide Silas Malafaia, pedem que as pessoas voltem para casa. Se os 58 milhões de votos blindam Bolsonaro contra uma reação mais imediata do Judiciário, a incitação à baderna pode vir a desidratar seu eleitorado mais rapidamente do que deseja.

Quem elegeu Bolsonaro não foram os neofascistas que tomaram as ruas neste Finados, mas o brasileiro comum que assiste estarrecido a um protesto contra o resultado eleitoral que prejudica o abastecimento de oxigênio nos hospitais. É a tragédia que se repete como tragédia. Só a percepção de que Bolsonaro é vítima de uma injustiça é capaz de reverter esta desidratação. Daí a cautela.

O desembarque não se limita ao eleitorado. A pequena diferença de votos que consagrou a vitória de Lula é inversamente proporcional à força com a qual foi investido. Vai dos 38 minutos que separaram o reconhecimento da vitória e os cumprimentos do presidente americano Joe Biden até o tapete vermelho que lhe é estendido por toda parte. Há, por exemplo, mais de 30 vagas de desembargadores a serem preenchidas nos tribunais regionais federais. Dependem de listas a serem enviadas para o Palácio do Planalto. E não o serão até 31 de dezembro porque os tribunais preferem esperar o novo presidente. Ao oferecerem a Lula a oportunidade de nomear esses novos desembargadores, disponibilizam também uma barreira futura contra Bolsonaro na segunda instância.

O mesmo acontece com as indicações que repousam no Senado para os tribunais superiores e agências reguladoras ou até com a vaga que a Câmara tem o direito de indicar para o Tribunal de Contas da União. Tudo agora passa não exatamente por uma troca de gentilezas com o presidente eleito mas pela expectativas geradas pela troca de poder. O que aconteceria, por exemplo, se o Supremo resolvesse descruzar os braços e declarasse a inconstitucionalidade da PEC Kamikaze, aquela que liberou recursos para o pagamento das maiores benesses eleitorais (Auxílio Brasil e os vales gás, caminhoneiro e taxista)? A decisão não devolveria os recursos para os cofres públicos mas abriria caminho para os órgãos de controle correrem atrás do CPF de quem os autorizou. É improvável que isso aconteça, mas dá uma ideia do cardápio de serviços que as instituições podem prestar como um sinal de “boa vontade” se o governante que está para assumir encontrar dificuldades na transição.

Não menos importante é a convergência das instituições para este que já se vislumbra como eixo do novo governo: liderar a agenda mundial de combate ao aquecimento global para atrair investimentos e enfrentar retrocessos internos do desmatamento e garimpo ilegal. E, de quebra, apertar o garrote do bolsonarismo. Lula sabe que há uma avenida a ser ocupada no cenário internacional, como o mostraram os telefonemas de Joe Biden e Emmanuel Macron. Os governadores do consórcio Amazônia Legal correram para convidá-lo a participar da 27ª Conferência do Clima, no Egito.

E há ainda aqueles que se anteciparam no tema, como o TCU. Na próxima semana, o presidente interino do tribunal, Bruno Dantas, assumirá a Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle, composta por 196 países, com o objetivo de liderar uma auditoria global sobre as metas assumidas por cada país nas COPs.

Nenhum gesto de boa vontade é mais importante para Lula, porém, do que a perspectiva de o Congresso acolher uma proposta de emenda constitucional com um crédito extraordinário de até R$ 200 bilhões capaz de abarcar as promessas de seu discurso eleitoral. Para ser capaz de arrancar esta dívida, o governo eleito deverá demonstrar algum compromisso com um novo teto de gastos que atrele a elevação da despesa social a um percentual do crescimento do PIB, por exemplo. Esta é a agenda dos primeiros enviados da transição à capital federal hoje.

Se o antibolsonarismo impulsionou a vitória de Lula no domingo também empurra o vento a favor do novo governo. A perspectiva de devolver a política ao seu curso não vai durar para sempre, mas, por enquanto, esquenta o café de Lula enquanto esfria - e azeda - o de Bolsonaro.

 

5 comentários:

  1. Coluna muito informativa! Nosso futuro gravita entre o passado trágico representado pelo triste fim do DESgoverno Bolsonaro e o que Lula precisará (ou conseguirá) cumprir de suas promessas.
    "Mais do que negociar anistia, indulto ou graça, Bolsonaro bateu às portas do STF numa tentativa de deixá-las abertas para os HCs de que precisará." Bolsonaro é carta fora do baralho no curto prazo, a carta do PALHAÇO. Tentará sobreviver politicamente e escapar da JUSTIÇA... Já ficou uma hora enchendo linguiça no STF pra tentar melhorar sua situação tão ameaçada. SIM, a partir de 2023 VÃO CHOVER PROCESSOS NA JUSTIÇA CONTRA O GENOCIDA! E isto é o que ele MAIS TEMIA... Tema e trema, canalha! Teu destino é a CADEIA!

    ResponderExcluir
  2. 🤝👏👏Aqui direita extremista fascistas não se cria nunca mais 🙏

    ResponderExcluir