quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Cristiano Romero - Marina Silva volta ao governo Lula?

Valor Econômico

Referência internacional, Izabella Teixeira é o melhor nome para negociação climática

Depois de anos afastada de Luiz Inácio Lula da Silva, Marina Silva (Rede) desempenhou papel relevante na fase final da campanha do presidente eleito. Ela trabalhou para conquistar o apoio de setores do ambientalismo antipetistas. Alguém pode alegar que isso não tenha trazido muitos votos, porém, dado o fato de Lula ter superado Jair Bolsonaro (PL) por vantagem muito pequena - 2,1 milhões de eleitores, equivalentes a 1,72% dos votos válidos -, é bom não desprezar nenhum dos apoiadores que se empenharam pela vitória do petista no domingo.

É possível que isso pese na definição do ministério de Lula. Tão logo se divulgou o resultado da eleição, a ex-ministra Marina Silva foi mencionada pela mídia como “ministeriável” e iniciou-se debate sobre clima - assunto mais quente da área ambiental no planeta - e reestruturação do organograma do novo governo nessa área. Surgiu, por exemplo, a ideia de se criar uma espécie de superautoridade para cuidar das negociações da questão climática.

Quando presidiu o Brasil durante oito anos, Lula foi extremamente pragmático em áreas como economia, reforma agrária, agronegócio e meio ambiente. Nomeou Marina, símbolo do ambientalismo, para comandar o Meio Ambiente e Roberto Rodrigues, ícone do agronegócio, para a Agricultura. O propósito de Lula, já em 2002, era fazer um governo de reconciliação nacional - e nos lembremos que a polarização daquela ocasião, entre PT e PSDB, de tão respeitosa, parecia desentendimento de um casal de namorados adolescentes.

O pragmatismo de Lula não foi replicado nos ministérios, onde a disputa de poder se dá de maneira direta e franca porque se tem uma coisa que a liturgia de Brasília não admite é ministro fraco, aquele que perde a maioria das batalhas para seus vizinhos na Esplanada dos ministérios. Ministro da Economia, por exemplo, não só precisa ser forte o tempo todo, mas também parecer sê-lo. Ministros como Marina Silva e Roberto Rodrigues, representantes legítimos de setores da vida nacional, permaneceram em seus cargos enquanto o número de derrotas de suas teses não superaram o das vitórias.

A vida de Rodrigues, liderança inconteste do movimento cooperativista, não foi fácil no governo. Desde o início, petistas atuaram para enfraquecer o ministro. Uma forma de fazer isso foi, na divisão política dos cargos, apoderar-se da gestão da Embrapa, estatal vinculada à pasta da Agricultura. Ora, para Rodrigues, não ter a estatal sob sua supervisão era equivalente ao Ministério da Economia perder o direito de comandar a Receita ou o Tesouro Nacional.

Nos anos em que serviu ao governo Lula, Marina teve embates com o substituto de Rodrigues, Reinhold Stephanes, o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, e a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que a pressionava para tornar o Ibama mais célere na análise dos pedidos de licenciamento ambiental de grandes obras. Para Marina, a gota d’água foi Lula ter entregue ao professor Mangabeira a elaboração de um plano estratégico para a Amazônia - esta foi a razão, digamos, oficial, mas, em Brasília, até os ipês-roxos que florescem em junho e julho sabem que o motivo da saída de Marina tem nome (Dilma) e sobrenome (Rousseff).

Marina deixou o governo Lula em maio de 2008, depois de atuar por pouco menos de 5,5 anos como ministra do Meio Ambiente. Com posições muitas vezes apontadas como inflexíveis, desfiliou-se do PT e fundou o Rede. Na eleição de 2014, como vice de Eduardo Campos (PSB) e, depois da trágica morte do político pernambucano, como candidata à Presidência, lançou-se contra a reeleição de Dilma, o nome do PT. No segundo turno, confirmou seu distanciamento do partido ao apoiar o então candidato do PSDB, Aécio Neves.

Lula volta ao poder 12 anos depois com forte oposição do agronegócio. O presidente eleito perdeu para Jair Bolsonaro nos Estados que formam o cinturão do agronegócio - que vai do Rio Grande do Sul a Rondônia, passando por Goiás e o Distrito Federal. Na capital da República, onde o funcionalismo, graças ao estatismo e ao corporativismo defendidos por amplos setores do PT, sempre esteve ao lado da esquerda no plano nacional, Lula sofreu “goleada” (Bolsonaro ficou, respectivamente, com 16 e 17 pontos percentuais acima dos votos recebidos pelo petista).

O momento político atual é mais delicado do que o encontrado por Lula em 2002. O país não vivia naquele momento o grau de polarização visto agora. Bolsonaro perdeu a eleição, mas sua votação mostra que o bolsonarismo é uma realidade.

Na área ambiental, se a ideia é radicalizar ainda mais o clima existente no país, Marina Silva é um ótimo nome. A reedição da polarização com o ruralismo teria nova e espetacular retomada, afirma profundo conhecedor da cena ambiental brasileira.

Muita coisa aconteceu entre 2008 e 2022. O destaque foi o controle do desmatamento empreendido pelo governo Dilma, sob a liderança da então ministra Izabella Teixeira. Foi uma das poucas áreas em que a então presidente sucedeu. Outros destaques do período foram a aprovação das legislações do Código Florestal e do Marco Regulatório do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios, ambas decorrentes de intensas negociações com vários setores da sociedade, em especial, os empresários.

Izabella Teixeira tornou-se a maior referência internacional relacionada às questões climáticas brasileiras e possui credibilidade única junto ao setor produtivo nacional, justamente pela forma como conduziu o Ministério do Meio Ambiente entre 2010 e 2016.

É plausível supor que Marina e Izabella têm espaço no novo governo Lula. A nomeação de Izabella para comandar uma Secretaria Extraordinária de Mudança Climática, ligada à Presidência da República, liberando as outras funções para o Ministério do Meio Ambiente, a ser comandado por Marina ou alguém indicado por ela, seria um arranjo que acomodaria bem os acertos políticos empreendidos por Lula na campanha do segundo turno e, o melhor, preservaria os objetivos e as expectativas de sucesso do Brasil na conferência do clima.

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