sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Maria Cristina Fernandes - Transição começa com conflito explícito de interesses

Valor Econômico

Secretário-executivo da Casa Civil, também conselheiro da Petrobras, participa de reunião de transição e da estatal ao mesmo tempo

Na manhã da quinta-feira aconteceram duas reuniões importantes para as condições em que o próximo presidente encontrará o país. Às 8h30 teve início a reunião do conselho de administração da Petrobras, que foi até às 13h15 e votou a distribuição de dividendos da empresa. Às 9h, começou no Tribunal de Contas da União reunião sobre a transição para o novo governo, em que se tratou, entre outros temas, do acesso da equipe do presidente eleito aos dados fiscais da atual gestão.

A curiosidade fica por conta da onipresença do secretário-executivo da Casa Civil, Jônathas Castro, também conselheiro da Petrobras. Ele foi levado ao TCU pelo titular da Pasta, o ministro Ciro Nogueira. Como a reunião da estatal se realizasse no Rio, sua participação foi digital. Nela ingressou, virtualmente, ainda do carro, quando se dirigia para o prédio do TCU. A dupla participação de Jônathas não o impediu de votar, à distância, no conselho de administração, pela distribuição de R$ 43,6 bilhões, dos quais quase a metade deverá ser destinada ao caixa do acionista controlador, a União.

Não se trata de obra e graça das facilidades da tecnologia moderna, mas de um comportamento que denota a desídia administrativa não condizente com a função de conselheiro prevista na Lei das S.A. Quem diz é Floriano de Azevedo Marques, professor de direito da USP. A ubiquidade de Jônathas Castro, diz, também demonstra o acerto da vedação da Lei das Estatais para que integrantes do governo integrem o conselho de administração das companhias. O preceito foi ignorado em sua indicação para o colegiado.

A concomitância da participação de Jônathas Castro nas reuniões ainda tem, como agravante, o fato de a distribuição de dividendos ter sido questionada durante a reunião do conselho de administração da Petrobras. Em um pedido de providência encaminhado à Procuradoria-Geral da República, a Associação Nacional dos Petroleiros Acionistas Minoritários da Petrobras (Anapetro) questiona a atuação do conselho de forma contrária à orientação da nova gestão do Estado-controlador que toma posse em menos de 60 dias. A decisão, por nove votos a dois, somou a distribuição de R$ 173,6 bilhões em 2022, o equivalente a mais de quatro vezes o volume investido pela estatal ao longo do ano. Sem capacidade de investimento, a sustentabilidade financeira da companhia poderá ficar em jogo, comprometendo, ainda, o CPF dos conselheiros que tomaram esta decisão.

Tudo isso se desenrolou enquanto o secretário-executivo da Casa Civil na atual gestão discutia no TCU o acesso do governo eleito às contas públicas. Uma das informações que mais interessa à futura administração é o fôlego fiscal para o cumprimento das promessas de campanha. O voto de Jônathas deu-se no sentido de fechar os buracos das benesses eleitorais distribuídas pelo presidente-candidato. Em julho deste ano, o Ministério da Economia distribuiu às estatais e bancos públicos um ofício em que pedia redobrado esforço para que se aumentasse a distribuição de dividendos de maneira a auxiliar no esforço fiscal exigido pela PEC que viabilizou o Auxílio Brasil.

O secretário-executivo da Casa Civil não respondeu às tentativa de contato feitas pelo Valor.

 

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