Valor Econômico
Vácuo de definições reaproxima golpistas
que ocupam as ruas do eleitor que optou por Lula pelo anti-bolsonarismo
O governo que está por ser empossado
resiste a definir o valor da licença para gastar que vai pedir ao Congresso, o
compromisso fiscal que assumirá em troca e os ministros da tropa que vai entrar
em campo. Não são as manifestações antidemocráticas no país que represam estas
definições, mas a zoada, amplificada esta semana pela petição golpista do maior
partido do Congresso em 2023, resume a armadilha em curso. Se o presidente
eleito precisou ampliar para ganhar a eleição não poderá ir no sentido
contrário para enfrentar a chantagem armada.
É bem verdade que na primeira vez em que Luiz
Inácio Lula da Silva foi eleito, as definições tardaram, mas, 20 anos atrás, a
terra era mais redonda. O terraplanismo golpista, além de ter sobrevido ao
resultado eleitoral, mostra-se diferente daquele da campanha. Se a ameaça à
democracia amalgamou credos em torno de Lula, as indefinições sobre seu futuro
governo aproximaram, pelo mau humor, os eleitores de Jair Bolsonaro daqueles
que optaram pelo petista para se livrar do atual presidente.
O exemplo mais explícito disso foi o do ministro do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, no áudio em que juntou a “irresponsabilidade fiscal” do PT com a aposta na insurreição das casernas. O binômio se reproduz em mesas de operação e reuniões de conselhos de empresas nos últimos dias.
Foi isso que se viu numa reunião, na
segunda-feira, na Federação das Indústrias de São Paulo, que, a pretexto de
discutir o futuro da política externa, agregou empresários, economistas,
advogados e acadêmicos. A mais de um mês da posse, um ex-ministro de Lula I,
que foi alijado da transição, sentiu-se à vontade até para fazer um chiste com
o presidente eleito e o conhaque.
Este mau humor, embalado pela zoada
golpista, vem a calhar para a chantagem daqueles que resistem a perder os
pedágios que o bolsonarismo lhes deu - da presidência das mesas do Congresso ao
orçamento secreto, da Codevasf ao FNDE. Esperam ainda arrancar nomeações para
agências reguladoras, represadas há anos, e com as quais podem manter as
políticas públicas do próximo governo sob rédea curta. Os preços serão
pactuados na PEC da Transição, mas os ruídos do golpismo ensurdecem a
conjuntura porque mantêm a prática bolsonarista de dobrar a aposta das tensões.
A demora na definição do grupo da Defesa na
transição, o único que resta a ser anunciado, demonstra que o governo eleito
minimiza os danos trazidos pelo golpismo recalcitrante. Ou, pelo menos, confia
que os tribunais deem conta dele. Há decisões importantes, como a quebra de
sigilo de 43 financiadores dos atos golpistas ou a multa de R$ 22 milhões
imposta ao PL de Valdemar Costa Neto por litigância de má fé no questionamento
da eleição. Mas há um desmonte que só a política é capaz de fazer.
Um ex-ministro da Defesa resume a
importância de se definir o interlocutor com os quartéis. É este nome que
poderá entabular conversas com o Alto Comando das Forças Armadas - instância de
onde sairá os próximos comandantes. São conversas como essas, que não saem no
jornal, que acenam para os rumos da relação da caserna com o próximo governo e
têm capacidade de mudar atitudes que vão da omissão ao apoio ao golpismo. Até
porque já há quem defenda, nas FAs, que os comandantes passem o bastão para os
indicados de Lula antes da posse. Armadilha pura.
Tome-se, por exemplo, o que aconteceu na
semana passada em Fortaleza. Num vídeo divulgado por Chico Alves, do UOL, o
comandante da 10ª Região Militar do Exército, em Fortaleza, general André
Campos Allão, diz que tem atuado para que as pessoas que se manifestam em
frente ao quartel sejam protegidas, “ainda que existam ordens de outros Poderes
no sentido contrário” e que “toda manifestação pacífica e ordeira, não
interessa o que peça, é justa”.
Quando soube que a fala vazara, Allão ligou
para o comandante militar do Nordeste, o general Richard Nunes, para avisá-lo
do que havia acontecido. Nunes é um dos generais tachado de “melancia” pelas
redes sociais bolsonaristas. A atitude do comandante, aliada a decisões
recentes que Allão tomou, como a prisão do major João Paulo Araújo Alves, detido
em maio (e solto pelo STM em junho) por fazer postagens em defesa de Bolsonaro,
foi considerada um atenuante. A localização do quartel, no miolo de Fortaleza,
outro. A avaliação interna foi de que Allão “passou do ponto” nas declarações.
Houve uma “correção de rumos” sem punição pública do ocorrido.
Ao longo dos governos Lula e Dilma, dois
episódios semelhantes, envolvendo generais quatro estrelas (Allão tem três e
estava para entrar na lista da quarta em 2024) tiveram desfechos distintos. Em
abril de 2008, o general Augusto Heleno Ribeiro, hoje no Gabinete de Segurança
Institucional de Bolsonaro, criticou a política indigenista de Lula. Perdeu o
Comando Militar da Amazônia e foi transferido para um cargo burocrático em
Brasília.
Em 2015, o vice-presidente Hamilton Mourão
estava no Comando Militar do Sul e teve o mesmo destino ao criticar o governo
Dilma Rousseff. Como quem determina a remoção é o presidente, Allão continuará
a chefiar tropas e os baderneiros, a ocupar o entorno dos quartéis, áreas de segurança
nacional, sob a anuência dos comandantes. Pelo menos enquanto Bolsonaro estiver
na cadeira.
A ausência de uma interlocução com o Alto
Comando fez com que o senador eleito Flávio Dino (PSB-MA), coordenador do grupo
de Justiça e Segurança, ocupasse o vácuo. Está a promover reuniões com os
secretários estaduais de segurança e com os comandantes das polícias militares
atraídos a Brasília pelo presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes. É uma
interlocução importante, principalmente pela bagunça que os bolsonaristas
anunciam para a posse, mas é capenga se não envolver os militares.
Nos contatos embrionários, que envolveram
ex-ministros da Defesa petistas com ex-comandantes, já houve sinalização de que
não se reverterá a reforma da Previdência que os militares arrancaram deste
governo. Há, porém, quem defenda uma repactuação a partir da autocrítica em
relação às imersões militares na política, do governo Bolsonaro, ao golpe de
1964, da intentona comunista à revolta de Jacareacanga. Um ex-ministro da Defesa,
cotado para o cargo, não vê clima para algo do gênero embora reconheça que o
tema tem defensores na transição. Urgente é definir a interlocução. Para
desanuviar o horizonte das nuvens que os chantagistas insistem em carregar.
Lula ladrão seu lugar é na prisão!
ResponderExcluirgritava em coro a torcida brasileira no jogo da seleção no Qatar
Eu estava com medo dos milicos colocarem os tanques na rua.
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