quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Cristiano Romero - A inútil batalha contra os mercados

Valor Econômico

Lula, com declarações e hesitações, piora já juro, câmbio e bolsa

As declarações do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, desde a vitória e o mistério com que vem tratando a nomeação do futuro ministro da Fazenda estão impondo custos desnecessários à economia brasileira. Trata-se de algo de difícil compreensão, afinal, o período eleitoral acabou e, portanto, se há algo inútil neste momento são as arengas dirigidas ao mercado.

Quando três autoridades de Brasília - o presidente da República, o chefe da equipe econômica e o presidente do Banco Central - abrem a boca para dizer qualquer coisa, a atenção dos mercados é absoluta. E por que é assim? Porque o que eles declaram é capaz de mudar imediatamente as condições financeiras do país, isto é, a taxa de câmbio, os valores das ações de empresas negociadas na B3 (a bolsa de valores de São Paulo) e os juros de contratos também negociados na bolsa.

Olhemos mais de perto para entender por que isso ocorre. Eleito pela maioria dos brasileiros com direito a votar, o primeiro mandatário da República é o responsável, em última instância, pelas decisões sobre a partilha dos recursos orçamentários entre os vários setores da vida nacional; o endividamento do setor público; o envio ao Poder Legislativo de reformas para, por exemplo, fortalecer (ou desmantelar) áreas como educação e saúde públicas e melhorar (ou piorar) a eficiência dos serviços prestados à população.

Mesmo em meio a um modelo político sem incentivos para a existência de partidos fortes, o Presidente da República detém, no Brasil, poder extraordinário. Dois exemplos: a edição de medidas provisórias (MPs), instrumento que muda legislações ou cria novas e passam a vigorar imediatamente, sem a necessidade de aprovação pelo Congresso Nacional; e o direito autóctone de órgãos públicos de interpretar leis, ao arrepio do que determinam marcos aprovados por deputados e senadores.

No segundo caso, só o presidente tem condições de conter a sanha legisladora, logo, ilegal, de órgãos públicos; se não o faz, é porque concorda com essa flagrante distorção que enfraquece a democracia. No caso das MPs, há ainda terrível agravante: durante as negociações no parlamento, são incluídos itens desprovidos de qualquer relação com o conteúdo original da proposta. A ditadura militar acabou em 1985, mas, as MPs são as sucedâneas dos decretos presidenciais que os generais usavam para decidir nosso destino.

O Estado brasileiro é o maior consumidor da poupança doméstica. Isto significa o seguinte: como jamais equilibra receitas e despesas, o setor público precisa sempre ir ao mercado, via emissão de títulos públicos, para tomar dinheiro emprestado. Quanto maior a necessidade de endividamento do governo, maior se torna ao longo do tempo a taxa de juros exigida pelo investidor para financiá-lo e mais curto o prazo de financiamento.

O resultado colateral dessa equação para a sociedade é dado pelo aumento do custo do crédito para pessoas físicas e para as micro, pequenas e médias empresas, uma vez que a poupança privada é destinada, em sua maior parte, à compra de títulos públicos. Embora o financiamento fique mais caro também para grandes empresas, estas têm possibilidades alternativas inexistentes às MPE - emissão de ações na bolsa, lançamento de debêntures, acesso a crédito externo incomparavelmente mais barato que o existente e, por último mas não menos importante, como se viu até o governo Dilma Rousseff, empréstimo de dinheiro público hiper-subsidiado (juro real negativo).

É desnecessário mencionar que dívida pública existe não só aqui, mas também, no mundo inteiro e, provavelmente, em civilizações de outras galáxias. Nações ricas como Estados Unidos, Itália e Japão possuem dívida, em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), mais elástica do que a brasileira. Bem, além de, respectivamente, não emitir dólar, não integrar a União Europeia e de não ser a quarta. maior economia planeta (com histórico de equilíbrio fiscal e, portanto, capacidade de honrar seus débitos), o Brasil aplicou 11 traumáticos calotes no pagamento da dívida pública desde o início da República.

Deixemos de lado, por ora, a indispensável discussão sobre o tamanho do Estado brasileiro, uma vez que, onde deveria ser absoluto - na transferência de renda direta a pobres e miseráveis e na oferta de educação e saúde públicas de qualidade, melhor maneira de igualar oportunidades para nos tornar uma democracia de fato -, é justamente onde está a sua maior fraqueza. Mas, esse debate só é honesto se não houver comparação entre despesa primária (receitas menos despesas, excluído o gasto com juros da dívida) e financeira. Esta não é nem poderia ser discricionária.

Um governante, por mais poderoso que seja, não tem como definir quanto gastará com juros num determinado ano fiscal. É impossível saber porque essa rubrica do orçamento depende das condições financeiras (a esperada taxa de juros 12 meses à frente), de qual será a evolução da dívida doravante e do PIB, das condições internacionais de liquidez. Ora, o custo da dívida é dado pelo impacto de decisões do governo sobre as finanças públicas, se estas vão expandir-se, elevando-se a necessidade de endividamento da União.

Os três indicadores das condições financeiras andam juntos, de mãos dadas. O primeiro impacto de uma declaração ou decisão do governo se dá na taxa de juros dos contratos negociados na B3. Se o governante diz que gastará mais e não diz de onde virá o dinheiro, até as pedras portuguesas das calçadas interna e externa do Conjunto Nacional, da Avenida Paulista, concluem que haverá deterioração das finanças públicas e, consequentemente, alta dos juros dos contratos futuros da bolsa.

Os outros dois indicadores se movem por gravidade: se o governo pedirá mais dinheiro ao mercado para financiar as despesas públicas, a taxa de juros de papéis públicos aumenta, diminuindo a atratividade do rendimento das ações na bolsa; as aplicações fluem da bolsa para o Tesouro, derrubando as cotações. O real se desvaloriza em relação ao dólar pela mesma razão: investidores estrangeiros e nacionais, mesmo vendo o juro interno mais alto, preferem tirar o dinheiro daqui e aplicá-lo em outros mercados, em busca muitas vezes apenas de maior segurança.

Para tudo isso não parecer mero economês, lembremo-nos: a persistência desse ambiente prejudica a todos, mas, principalmente, aos miseráveis e aos mais pobres. Além das consequências assinaladas, o produto da inútil “batalha” de um governo contra os mercados é inflação mais alta. As razões são óbvias: juro alto encarece custo de financiamento, inibindo investimento das empresas e tomada de crédito por consumidores; dólar mais alto torna bens importados e seus concorrentes no mercado doméstico mais caros; perda de valor de empresas na bolsa reduzem sua capacidade de investir.

 

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