O Globo
Propostas de Jereissatti e Alessandro
Vieira abrem caminho para uma solução para a PEC de transição que corresponde à
necessidade, com controle fiscal
O desagrado dos agentes do mercado
financeiro com a fala do provável futuro ministro da Fazenda Fernando Haddad
reflete bem a relação conflituosa entre o presidente eleito Lula e o mundo
financeiro que sempre existiu, uma tradução política da tendência anacrônica
esquerdista do PT que, depois da China, deveria ter sido adaptada.
Apesar de o pessimismo do mesmo mercado ter sido desmentido na prática no primeiro governo Lula, que deu continuidade à política econômica de Fernando Henrique, ficou um gosto amargo devido ao final do segundo mandato e, principalmente, aos dois mandatos desastrosos de Dilma Rousseff, quando o PT implantou suas ideias econômicas próprias e levou o país a uma grave crise financeira.
Quando Lula diz, com razão, que já mostrou
ser responsável fiscalmente, há que se levar em conta também que o PT não prima
por essa preocupação, e é generalizada no partido a ideia de que crescimento
econômico justifica investimentos (ou gastos) sem as amarras do teto de gastos.
O mercado, se for entendido como um instrumento da democracia no capitalismo,
pode ser um bom termômetro dos riscos econômicos e sociais, como expressão da
opinião pública.
O ex-presidente do Banco Central Arminio
Fraga relembrou recentemente em entrevista que não existe um único caso de
economia que tenha se desenvolvido plenamente sem ser através do mercado,
destacando que mesmo a China evoluiu nessa direção. A negociação, portanto, da
PEC de transição, precisa ser feita do ponto de vista político, e foi este o
erro cometido até agora pelo PT, não levar em conta os interesses dos agentes
em disputa, mas apenas o seu interesse.
Claro que o orçamento apresentado pelo
governo que se despede é uma peça de ficção, que seria modificado mesmo que
Bolsonaro se reelegesse. A chegada de Lula em Brasília para assumir essa
negociação pode destrava-la, o que nem Haddad, nem Mercadante, conseguiram até
agora. Sem querer, o dono do Partido Liberal, Valdemar da Costa Neto, pode
ajudar a resolver o impasse, já que ele anunciou que pretende barrar a PEC em
represália à multa aplicada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) devido à infame
ação que protocolou tentando reverter pateticamente o resultado da eleição
presidencial.
PP e Republicanos já deixaram claro que não
estão neste barco com o PL, fazendo com que a aliança política que apoiou
Bolsonaro na eleição presidencial esteja rachada, e dificilmente voltará a ser
emendada. Os tempos já são outros, e, com seu faro político aguçado, Bolsonaro
já entendeu que inevitavelmente ficará isolado com a realidade a seu desfavor a
partir da posse do presidente eleito.
Propostas autônomas, como as dos senadores
tucanos Tasso Jereissatti e Alessandro Vieira, que aceitam gastos excedentes
entre R$ 70 e 80 bilhões, com prazo de validade máximo de dois anos, abrem
caminho para uma solução que corresponda à necessidade, mas não abre mão da
realidade, que exige um controle fiscal. Um dos erros cometidos por Haddad na
palestra com banqueiros foi não ter se aprofundado, provavelmente por receio de
ir além do que estava autorizado a dizer, na questão do equilíbrio fiscal,
ponto de honra de um projeto futuro.
Desde sempre a situação da economia não
apenas interfere no resultado das eleições como também a situação política na
economia. Bolsonaro, embora tenha sido competitivo, foi derrotado por sua
atuação catastrófica na pandemia de COVID como também pela proposta desastrada
do ministério da Fazenda de não levar em conta a inflação para reajustar
aposentadorias, pensões e salário-mínimo. “É a economia, estúpido”, já advertiu
o marqueteiro James Carville na campanha que elegeu Bill Clinton presidente dos
Estados Unidos. Lula, ao contrário, com o histórico de se preocupar com os mais
pobres, prometeu mundos e fundos, levando Bolsonaro a fazer o mesmo.
Já na fixação de R$ 600 para o Auxílio
Brasil o Congresso fizera a mesma coisa com Bolsonaro, obrigando-o a acatar
esse valor, e não os R$ 400 propostos. O governo Bolsonaro “fez o diabo” para
se reeleger, como a ex-presidente Dilma admitiu que todo presidente faz, e
ficou com um orçamento fictício, que precisaria ser revisto. Com a maioria do
Congresso a seu favor, provavelmente conseguiria até mais do que o PT de Lula
está pedindo.
Agora, a reação antipetista do Congresso
precisa ser abrandada com negociações politicas, e o PT ainda não tem um
coordenador nessa área, nem definições sobre questões fundamentais como o
ministério da Fazenda ou da Defesa, para colocar na mesa de negociação. Lula
vai ter que explicitar essas definições.
Bolsonaro fez o que podia e o que não podia para se reeleger,mas...
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