domingo, 27 de novembro de 2022

Míriam Leitão - A verdade muito além do fiscal

O Globo

O que gera mais incerteza? O golpismo de Bolsonaro ou a falta de definição sobre a âncora fiscal do novo governo?

O ex-ministro Fernando Haddad foi falar com os banqueiros, em nome do presidente Lula, na sexta-feira e defendeu ideias civilizatórias, democracia, normalidade na relação entre poderes e respeito ao pacto federativo. A bolsa caiu e o dólar subiu. A explicação é que acharam que ele foi “vago”. Haddad não podia dar detalhes de coisa alguma, nem ministro é. Mas cabe pensar neste tipo de reação. Bolsonaro abriu guerra com o Judiciário, brigou com estados e municípios, não reconheceu a derrota nas urnas e até hoje conspira contra a democracia. O que gera mais incerteza? O golpismo de Bolsonaro ou a falta de definição sobre a âncora fiscal do novo governo?

Maldita é palavra feia e forte, mas a única possível para definir a herança deixada por Bolsonaro. Há uma devastação no país. Quem seleciona números para dizer que o país melhorou comete erros. Números nada dizem sem o contexto. O orçamento é inexequível. E é também uma arapuca que está tirando capital político e drenando as forças do governo eleito.

Na economia, a arrecadação subiu? Sim, mas em grande parte pela alta da inflação, o que é uma forma espúria de melhorar os dados fiscais. Algumas despesas cresceram em ritmo menor? Sim, mas porque não houve aumento real de salário mínimo em quatro anos e os salários dos servidores civis foram congelados, enquanto os dos militares subiam. A visão seletiva de alguns indicadores não permite uma análise do que está ocorrendo no país.

No mercado se ouve que o temor agora é o tamanho da expansão fiscal do novo governo. Como o ex-ministro Nelson Barbosa explicou, se o governo do presidente Lula gastar os mesmos 19% do PIB que foram gastos neste último ano do governo Bolsonaro, as despesas previstas no orçamento podem aumentar em mais de R$ 140 bi. É que Bolsonaro projetou um aperto fiscal para 2023 em relação à despesa que ele mesmo fez.

Se um liberal na economia quiser dizer que a herança do governo Bolsonaro foi boa terá que abstrair muita coisa. Bolsonaro desmoralizou a governança da Petrobras, subsidiou e manipulou preços dos combustíveis com interesses eleitorais, usou a Caixa Econômica como centro de propaganda, rompeu o teto de gastos várias vezes e em uma delas embutiu um calote, o não pagamento dos precatórios.

Quem for de fato liberal tem que honrar a palavra e repudiar os ataques à liberdade. Bolsonaro durante todo o seu governo ameaçou as liberdades democráticas. Derrotado, conspira para a manutenção do criminoso bloqueio das estradas, que revoga o direito de ir em vir da população. Conspira com a ajuda de “Valdemort” Costa Neto, que inventou mais uma mentira contra as urnas para tentar reverter o resultado legítimo da eleição. Isso eleva muito a incerteza econômica. Num país em que o contrato mais importante, a Constituição, está em risco, tudo está em risco.

Na saúde, o grupo de transição alertou que existem R$ 2 bilhões de vacinas e remédios vencidos ou por vencer. As crianças têm a menor cobertura vacinal em décadas e podem contrair doenças que já haviam sido erradicadas. Na educação, foram cortados 97,5% das verbas para a construção de creches, a merenda escolar está sem reajustes há cinco anos, quando a inflação de alimentos foi de 43%, o programa de combate à violência contra a mulher teve um corte de 90%, o fornecimento de remédios para os pobres tem no orçamento proposto um terço dos recursos que teve no último ano do governo Temer. É exequível esse orçamento? Qual é a previsibilidade que dá um orçamento assim?

A herança do governo Bolsonaro na área ambiental é a maior taxa de desmatamento em dez anos e quatro anos consecutivos de alta da destruição. O crime está mais forte na Amazônia. A conexão entre grileiros, traficantes, garimpeiros ilegais e invasores de terras indígenas provocou vítimas. Será muito difícil para o Estado restabelecer o primado da lei na floresta.

O fiscal não é um tema solto no ar, sem relação com o resto. Consertar toda essa bagunça implica em aumentar gastos. Não permitir a recomposição desses itens de despesas é condenar ao fracasso o governo que nem começou. Como jornalista de economia, tenho sempre defendido e continuarei defendendo a sustentabilidade da dívida pública e o rigor nos gastos do governo. Mas, sejamos sinceros, o país está em escombros.

8 comentários:

  1. "Como jornalista de economia, tenho sempre defendido e continuarei defendendo a sustentabilidade da dívida pública e o rigor nos gastos do governo. Mas, sejamos sinceros, o país está em escombros."

    Verdade. O genocida, na ânsia de se reeleger, quebrou o Brasil. O desastre q a dupla dos infernos bozo/jegues produziu é imenso!
    Bozo é tão ruim q, mesmo tendo comprometido o futuro do país, ainda assim PERDEU.

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    1. Não sou apoiador incondicional do novo governo eleito, pois não acho que tenha reunido uma frente tão ampla como seria necessário para as tarefas descomunais que são necessárias, mas estou torcendo para que consiga fazer pelo menos com que o governo federal volte a ser cível.

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    2. *crível

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  2. O País sempre esteve sobre a égide dos grandes aplicadores ( grande cassino ),
    que nunca se preocuparam com nenhuma causa social , ganham sempre , estão sempre vigilantes e com muito poder monetário para atravancar qualquer projeto que induz maior distribuição de renda .

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  3. Cível, não! Crível! O corretor atrapalhou.

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  4. "Jornalista de economia"

    What the hell is this Brazilian shit?

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  5. Belo texto da colunista!

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  6. Míriam Leitão sabe das coisas.

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