domingo, 6 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais /Opiniões

Lula deveria vestir a camisa da seleção — como todos nós

O Globo

Nada seria tão eficaz para resgatar o símbolo que é de todos os brasileiros, mas foi sequestrado pelo bolsonarismo

Tendo à frente a bandeira nacional, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aproveitou seu primeiro discurso como presidente eleito para tentar resgatar um símbolo sequestrado pelo adversário, o presidente Jair Bolsonaro (PL). “É preciso trazer de volta a alegria de sermos brasileiros e o orgulho do verde-amarelo e da bandeira do nosso país”, disse. “Esse verde-amarelo e essa bandeira que não pertencem a ninguém, a não ser ao povo brasileiro.”

As camisas amarelas se popularizaram nas manifestações de 2013 e nos atos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas entraram na moda mesmo com o bolsonarismo. Nos últimos quatro anos, a bandeira do Brasil e a camisa “canarinho” da única seleção pentacampeã do mundo passaram a ser uma espécie de uniforme dos apoiadores de Bolsonaro.

O próprio presidente exortou seus eleitores a ir votar vestidos de amarelo — e muitos foram. Sempre enfatizou que essas eram suas cores, e não o vermelho do PT. A duas semanas da eleição, mandou estender uma bandeira brasileira gigantesca na fachada do Palácio do Planalto e disse que ninguém teria coragem de tirá-la. A eleição acabou, Bolsonaro perdeu, a bandeira não está mais lá, mas as camisas amarelas continuam a ser usadas pelos bolsonaristas. Viraram um símbolo identitário. Basta ver as imagens dos protestos golpistas no Dia de Finados ou dos bloqueios ilegais promovidos pelos caminhoneiros país afora. Sob o manto amarelo, tudo se confunde.

A própria seleção, que não tem dono nem partido, ficou com a imagem associada a Bolsonaro, que sempre tentou pegar carona na fama do escrete. Em 2019, quando o Brasil venceu a Copa América, ele deu um jeito de se enfiar na foto dos campeões. Neymar, principal craque da equipe, lhe deu apoio e participou da propaganda eleitoral. Em agosto, a cem dias da Copa, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tentou despolitizar a amarelinha, enfatizando nas peças publicitárias que ela “representa mais de 210 milhões de brasileiros”. A intenção é que não ficasse associada a um campo político. Mas não é improvável que Bolsonaro tente tirar uma casquinha se o time se sagrar campeão no Catar. Pelo sim pelo não, o técnico Tite já avisou que, ganhando ou perdendo, não irá a Brasília.

A confusão é tamanha que produz cenas insólitas. Em Belo Horizonte, capital que deu vitória a Bolsonaro, embora Lula tenha vencido em Minas Gerais, um morador decorou a rua com bandeirinhas verde-amarelas, seguindo a tradição do pai, mas teve de pendurar uma faixa esclarecendo: “Não é política, é Copa”. Para não ferir suscetibilidades, comerciantes da 25 de Março, em São Paulo, passaram a expor o uniforme azul da seleção. Dizem que, com a vitória de Lula, a camisa amarela não tem feito tanto sucesso.

Tudo isso é absurdo. A camisa é da seleção, e a bandeira é do Brasil — não dos bolsonaristas. Todo brasileiro tem não só o direito de usá-las, mas o dever de orgulhar-se delas. É preciso dissociá-las do bolsonarismo e de qualquer facção política. Lula aprendeu, no primeiro mandato, que deveria usar na lapela o broche da bandeira, não a estrela petista. Pois agora, aproveitando o clima de Copa, precisa vestir a camisa do Brasil. Nada seria tão eficaz para resgatar os símbolos nacionais quanto vê-los envergados por Lula e por todos os demais brasileiros. A bandeira do Brasil e a gloriosa camisa amarela não pertencem a Bolsonaro, mas a todos nós.

Brasil precisa acompanhar de perto as eleições nos Estados Unidos

O Globo

Trumpismo tem sido laboratório das teses conspiratórias e práticas estapafúrdias do bolsonarismo

Na última quarta-feira, o presidente americano, Joe Biden, foi à TV em horário nobre denunciar candidatos republicanos que disputarão as eleições de meio de mandato nesta terça-feira, mas sem comprometer-se previamente a aceitar o resultado do pleito, a exemplo do que fez Donald Trump depois da derrota em 2020.

Com a popularidade abaixo de 50% e a campanha concentrada em questões econômicas — a inflação mantém-se acima de 8%, e os juros sofreram a quarta alta consecutiva para 4% —, Biden vinha evitando entrar na agenda trumpista de questionamento ao sistema eleitoral. Mas não se conteve diante do ataque a Paul Pelosi, marido da presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, por um radical usando palavras e gritos de guerra dos manifestantes que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 para tentar impedir a oficialização da vitória de Biden.

Ele relacionou o crime e a resistência de candidatos em aceitar o resultado das próximas eleições ao que os democratas chamam de “grande mentira”, a teoria conspiratória de Trump segundo a qual a eleição de 2020 lhe foi roubada. A crença de boa parte dos republicanos nessa tese estapafúrdia tem mantido uma atmosfera tensa e insuflado atos de violência no país. “É o caminho para o caos nos Estados Unidos. Algo sem precedentes, ilegal e antiamericano”, afirmou Biden em seu pronunciamento.

No pleito, serão renovadas 35 cadeiras do Senado, todas as 435 da Câmara, 36 governos estaduais e outros cargos eletivos. É uma votação-chave para as pretensões do Partido Democrata nas próximas eleições presidenciais. A legenda tem uma pequena maioria na Câmara e depende, no Senado, do voto de desempate da vice-presidente Kamala Harris, também presidente da Casa.

A expectativa é que os republicanos retomem o controle da Câmara, com perto de 230 cadeiras. No Senado, apesar da disputa mais apertada, há também ligeiro favoritismo republicano, de acordo com as últimas pesquisas. Ao mesmo tempo, Trump enfrenta pelo menos quatro processos federais, enquanto avalia se lançar novamente à Casa Branca, em 2024. Candidatos que se aproximaram dele e do discurso da “grande mentira” obtiveram sucesso nas primárias e deverão ampliar a representação da ala radical trumpista no Legislativo.

O trumpismo tem sido uma espécie de campo de provas de práticas depois adotadas pelo bolsonarismo. Não apenas no delírio das versões sobre a eleição espalhadas nas redes sociais por caminhoneiros e manifestantes golpistas. O clã Bolsonaro tem relações estreitas com o movimento extremista que se tornou uma ameaça às instituições da mais longeva democracia do planeta. Por isso as eleições nos Estados Unidos precisam ser acompanhadas de perto por todo interessado no futuro do Brasil.

Limite ao presidente

Folha de S. Paulo

De uma costura política difícil depende a agenda distributiva esperada de Lula

Os poderes inicialmente conferidos ao presidente da República pela Constituição de 1988 estão hoje, 34 anos depois, mais limitados.

Houve disciplinamento das medidas provisórias e da discricionariedade na indicação de dirigentes de empresas estatais. A regulação econômica, inclusive a do Banco Central, conquistou autonomia.

O Congresso Nacional retirou de governantes enfraquecidos —Dilma Rousseff em 2015 e Jair Bolsonaro em 2019— a faculdade de escolher os parlamentares que recebem as emendas individuais e coletivas ao Orçamento. A execução de todas elas se tornou obrigatória.

O escândalo da Lava Jato levou o Supremo Tribunal Federal, em decisão questionável, a proibir doações empresarias a partidos e campanhas. Em reação criaram-se fundos públicos multibilionários para sustentar a atividade política, que agora depende menos de estar atrelada ao Executivo.

Há virtudes nesse movimento de décadas que vem moderando o alcance do poder presidencial. O entrechoque institucional mais equilibrado apara o extremismo e evita o arbítrio, além de estimular as negociações de consensos para equacionar os problemas nacionais.

O aspecto de atenção sobre esse reposicionamento repousa no risco do descasamento entre poder e responsabilidade. Esta se exige concentradamente do presidente da República no regime brasileiro, mas apenas de forma difusa de congressistas. Viu-se nesta quadra o estrago que parlamentares sem freios podem fazer, impunemente, nas contas nacionais.

A máquina de arregimentação política à disposição do chefe do Executivo federal, contudo, ainda está longe da irrelevância. Prova disso foi a boa vontade instantânea demonstrada por líderes do centrão em relação ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Por outro lado, a costura de aliança que viabilize uma agenda efetiva de governo tornou-se um desafio maior que na primeira passagem de Lula pelo Planalto. O fracasso nessa tarefa facilmente acarretará impasse administrativo, num ambiente em que o candidato derrotado por margem estreita permanecerá como perspectiva de poder.

Não é à toa que o círculo de Lula repensa a sua oposição às chamadas emendas de relator. Por não serem de execução obrigatória, elas poderão compor o acervo de prêmios oferecidos a parlamentares fiéis à base do futuro presidente.

Embora a miudeza dos acordos políticos por vezes ofusque o jogo maior, trata-se de saber até que ponto Lula e o PT estarão dispostos a reprimir o seu pendor sectário e dogmático em troca de deslanchar um programa modernizante, distributivo e republicano, compatível com o país que saiu das urnas.

O teste de Biden

Folha de S. Paulo

Americano arrisca tornar-se o proverbial pato manco em pleito vital para governo

Termo originário do mercado acionário britânico do século 18, "pato manco" passou a designar políticos com mandato, mas sem poder, nos Estados Unidos cem anos depois.

Na terça-feira (8), o presidente americano, Joe Biden, terá sua gestão colocada à prova em eleições para o Congresso e em 36 dos 50 estados do país, arriscando-se a assumir o jocoso apelido com apenas dois anos de governo.

As chamadas "midterms", eleições de meio de mandato, renovam 35 das 100 cadeiras do Senado e todas as 435 vagas na Câmara dos Representantes.

Biden foi eleito em 2020 tendo maioria de seu Partido Democrata em ambas as Casas, com folga mais estreita entre senadores. Agora, as chances de um duplo comando da oposição são altas.

Segundo o site de análise estatística FiveThirtyEight, na sexta-feira (4), o Partido Republicano tinha 85% de chances de obter maioria na Câmara e 55%, no Senado. Isso tende a amarrar as mãos de Biden pelo restante de seu governo e talvez inviabilize uma reeleição.

Apesar das imperfeições, a democracia americana tem como virtude basilar um sistema de freios e contrapesos que visa impedir o domínio de um Poder sobre outro.

Com a virulência que abate a política local desde a ascensão do trumpismo, em 2016, é fácil antever como se comportaria um Congresso republicano no próximo biênio.

O Legislativo pode bloquear o Executivo, ainda mais ante um Biden enfraquecido e enfrentando o maior surto inflacionário em décadas —preços de energia acumularam alta de 19,8% em 12 meses devido à Guerra da Ucrânia.

Talvez surjam comissões de inquérito contra iniciativas de Biden, como a retirada desastrosa do Afeganistão —da mesma forma com que democratas escrutinaram a intentona com ares golpistas de Trump em 2021.

O pleito tem implicações globais, a começar pelo empenho na ajuda a Kiev contra a invasão russa. Até aqui, os EUA aprovaram o envio de US$ 18,3 bilhões (R$ 92,5 bilhões) em ajuda militar aos ucranianos.

Se republicanos endossaram o aporte, nada garante que a proximidade de Trump com Vladimir Putin não possa mudar o cenário.

No caso do Brasil, Trump apoiou seu pupilo Jair Bolsonaro (PL). Assim, o resultado das "midterms" pode afetar também o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que recebeu promessas de cooperação, até aqui inauditas, de Biden.

É preciso reconstruir a genuína política

O Estado de S. Paulo

Ninguém deve se enganar. A intensa polarização nas eleições é parte de uma grave despolitização da sociedade. É urgente resgatar a política, que é também revalorizar a esfera cívica

As eleições de 2022 não se caracterizaram somente pela ausência de propostas sobre temas relevantes para o País. Ao longo da campanha, verificou-se um fenômeno ainda mais deletério para a democracia: uma profunda despolitização da sociedade. Por isso, passada essa que foi a pior campanha eleitoral da história brasileira, é preciso reconstruir a política genuína, em suas variadas dimensões e modalidades.

Pode parecer extravagante que se fale em despolitização diante de um quadro de tão intensa polarização. Afinal, em praticamente todos os âmbitos da vida de cada cidadão, tudo – valores, comportamento e visão de mundo – parecia ser julgado e ditado pelas preferências de cada um, seja pelo petista Lula da Silva ou pelo presidente Jair Bolsonaro. Mas isso nada tem a ver com política republicana e democrática, aquela que, por maiores que sejam as divergências, opera sobre uma base comum de entendimento da realidade. No embate das eleições passadas, o que se viu foi a conversão do cotidiano – familiar e profissional – em arena permanente de luta política, na qual o divergente é tratado como inimigo a ser destruído. Isso trai não uma cultura democrática, e sim uma pretensão totalitária. 

A campanha eleitoral do bolsonarismo usou essa tática à farta. Para evitar falar de política – isto é, do diagnóstico sobre o País e das correspondentes propostas nas diversas áreas –, o presidente Jair Bolsonaro trouxe à arena eleitoral temas alheios ao exercício da Presidência da República, como liberdade religiosa e liberdade de expressão. A ideia era gerar engajamento entre seus apoiadores e despistá-los a respeito do que, de fato, ia ser decidido nas urnas. Era, portanto, um paradoxo. A polarização política, que aparentemente envolvia a população com os temas discutidos na campanha eleitoral, era apenas um truque para não falar sobre o que verdadeiramente importa numa campanha: a política.

Ausente nas eleições de 2022 e necessitada de urgente resgate, a política republicana e democrática refere-se ao debate, à articulação e à organização da sociedade a respeito de seus interesses, desafios e prioridades. Trata-se de um tema fundamental, com muitos aspectos e camadas. Pode-se dizer que a necessidade da política, isto é, dessa mobilização e organização social em torno dos assuntos públicos, é reflexo dessa realidade basilar de um Estado Democrático de Direito: todo o poder emana do povo. A política é expressão da cidadania.

Entender bem essa realidade é um antídoto contra o sofisma, constante em todos os populismos, de que haveria uma oposição entre instituições e vontade popular. A organização e a articulação políticas de uma sociedade proporcionam precisamente a representatividade da população nas instituições democráticas – que, por isso mesmo, são chamadas de instituições democráticas. Elas estão informadas pela vontade popular, que se organiza e se expressa por meio da política.

O cenário das eleições de 2022 representa, portanto, um grande desafio para os partidos políticos, cuja razão de existir é justamente debater, organizar e articular politicamente os interesses da população. Por isso, quando proíbe a existência de candidaturas independentes, a Constituição de 1988 não está criando um requisito burocrático, mas reconhecendo e assegurando um aspecto central da democracia representativa. Os interesses da população devem ser organizados politicamente e ser defendidos de forma coletiva, não individual. Nesse sentido, é sintomático que Jair Bolsonaro tenha sido incapaz de criar seu próprio partido e que, ao longo de toda sua trajetória política, tenha passado por tantas legendas.

Mas a necessária politização da sociedade não se relaciona apenas com partidos ou com o âmbito estatal. Seu fundamento é a participação cívica, nas mais diversas esferas associativas e colaborativas. A política não se faz apenas nos palácios e Parlamentos. Ela é feita nas entidades de classe, nas instituições civis e beneficentes, nas associações de moradores, nos variadíssimos coletivos e projetos sociais existentes. Dessa forma, o resgate da política significa também a revalorização da esfera cívica e do protagonismo dos cidadãos. Não há atalhos. Esse é o caminho para preservar e fortalecer nossa democracia.

Basta de desperdiçar comida

O Estado de S. Paulo

Poder público e iniciativa privada precisam cooperar em estratégias para reduzir desperdício que tantos danos gera à economia, ao meio ambiente e à segurança alimentar

Quando se fala em insegurança alimentar no Brasil, frequentemente se aponta o paradoxo de um país que é considerado o “celeiro do mundo” onde milhões de pessoas passam fome. A rigor, não há contradição: se tantos brasileiros fustigados por um desempenho medíocre da economia nacional não têm emprego e renda para pagar pelos alimentos produzidos, então outras pessoas ao redor do mundo pagarão. O fato de que a contradição entre a abundância (da produção) e a carência (no consumo) seja só aparente não a torna menos chocante.

Tão ou mais chocante é o contraste entre a quantidade de pessoas que passam fome e a quantidade de comida jogada no lixo. Não só no Brasil, mas no mundo. Segundo a ONU, até 828 milhões de pessoas, quase 10% da população mundial, passam fome. Ao mesmo tempo, cerca de um terço de todo alimento produzido no mundo é perdido ou desperdiçado – o suficiente para alimentar 1 bilhão de pessoas.

A ONU estima que, descontadas as perdas durante a produção, só a comida desperdiçada chegue a 931 milhões de toneladas por ano (121 kg per capita): 61% nas casas, 26% nos serviços de alimentação e 13% no varejo. Segundo a Embrapa, no Brasil o desperdício do varejo em diante chega a 60 kg per capita por ano.

Reduzir as perdas e desperdícios implicaria ganhos como o aumento da produtividade e do crescimento econômico; mais segurança alimentar e nutrição; e mitigação de impactos ambientais, em particular a redução da pressão sobre o uso de recursos naturais (terras e águas) e dos gases de efeito estufa emitidos pela comida em decomposição. Calcula-se que o desperdício de alimentos seja responsável por 8% a 10% das emissões globais, pelo menos o dobro das emissões da aviação.

Como mostrou reportagem do Estadão, o problema do desperdício não é um só, mas muitos, desde falhas na estocagem e refrigeração a padrões excessivamente rigorosos ou meramente estéticos dos supermercados, mau planejamento nas compras domésticas ou porções excessivas em restaurantes. Nos EUA, por exemplo, 75% do que é descartado em restaurantes vêm de alimentos pagos, mas não consumidos.

Há uma série de iniciativas ao redor do mundo voltadas a promover a prevenção do desperdício e o reaproveitamento de alimentos. Nos EUA, por exemplo, uma startup facilita a compra de produtos defeituosos, mas aptos ao consumo, rejeitados pelos supermercados. Outra desenvolveu um revestimento à base de plantas para fazer com que as frutas durem mais. Há vários aplicativos que oferecem descontos em comida de restaurantes prestes a ser jogada fora.

Além de programas de conscientização, incentivos e instrumentos para vendedores e consumidores reduzirem o desperdício, há medidas mais ambiciosas. Na França e na Califórnia, por exemplo, foram promulgadas leis que obrigam supermercados e restaurantes a doar alimentos consumíveis que seriam descartados.

O Brasil aprovou em 2020 uma lei que permite a produtores e fornecedores doar excedentes não comercializados, desde que estejam dentro do prazo de validade, não tenham comprometidas sua integridade e sua segurança sanitária e tenham mantidas suas propriedades nutricionais. A lei removeu uma barreira importante às doações, ao determinar que os doadores só serão responsabilizados penalmente por possíveis danos se agirem com dolo. Mas isso, por si só, não tem sido suficiente. Ainda será preciso desenvolver sistemas mais eficientes de coleta e distribuição.

De um modo geral, falta uma maior cooperação entre o poder público e a iniciativa privada, seja na formulação de dados e indicadores sobre a perda e desperdício, seja nas estratégias de redução, seja nas estratégias de resgate e reutilização, seja, por fim, na infraestrutura de compostagem e reciclagem (para os alimentos inaptos ao consumo humano).

Se tantos brasileiros passam fome, não é por falta de comida. O Brasil produz abundantemente. O que falta é renda. Além disso, entre produtores, vendedores e consumidores há um imenso desperdício. Neste caso, estão faltando inteligência, vontade e cooperação.

Mais concessões para as estradas

O Estado de S. Paulo

Muito melhor do que as estradas estatais, a malha rodoviária sob gestão privada pode e deve ser expandida

O pouco tempo que resta ao governo de Jair Bolsonaro e a tensão que marcou a campanha do segundo turno e turvou o ambiente político, social e econômico tornam pouco provável que novos projetos de concessão de rodovias por meio de leilões se tornem realidade ainda neste ano. Há, porém, um conjunto expressivo de rodovias sob controle federal ou estadual que pode ser concedido à iniciativa privada nos próximos anos, a começar por 2023, e duplicar os trechos sob gestão particular. Como mostrou reportagem do Estadão (31/10), ao total de pouco mais de 26 mil quilômetros de rodovias concedidas até agora poderão se somar outros 27 mil quilômetros nos próximos seis anos, com investimentos estimados em quase R$ 140 bilhões.

A precariedade da infraestrutura rodoviária, por onde é escoada grande parte da produção agropecuária, tem sido apontada com frequência como fator de encarecimento e de perda de competitividade do produto nacional. A falta de investimentos do setor público – responsável por grande parte da malha rodoviária nacional – tem sido apontada como um dos principais fatores para a gradativa perda de qualidade das estradas brasileiras. A alta do custo do transporte rodoviário e o alto índice de acidentes são consequências diretas do mau estado de conservação das rodovias sob gestão pública.

Os investimentos do governo federal na malha rodoviária vêm diminuindo há anos, a ponto de organizações do setor privado, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), terem apontado que os valores previstos no Orçamento da União de 2022 para o setor eram insuficientes até mesmo para a manutenção das estradas. Modernização, melhoria ou expansão da malha não cabiam nessas verbas.

O resultado não poderia ser diferente daquele que há anos a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) vem apontando. É cada vez maior a distância da qualidade das rodovias concedidas à gestão privada da das que permanecem sob controle do setor público. Na pesquisa mais recente, das rodovias administradas pelo governo (federal ou estadual), 71,8% foram classificadas como regulares, ruins ou péssimas no estado geral. Apenas 28,2%, menos de um terço, tiveram a classificação ótimo ou bom. Já dos trechos sob gestão privada, 74,2% foram classificados como ótimos ou bons. Das 25 melhores rodovias do País, 21 são concedidas.

Números como esses não deixam dúvida quanto à necessidade urgente que o País tem de melhorar sua malha rodoviária, o que poderá ser feito com maior eficiência e rapidez por meio de sua concessão para a gestão privada. O cenário internacional mais sombrio, com o risco de recessão no mundo desenvolvido, e o novo modelo de concessão, que deve combinar trechos mais promissores com outros menos rentáveis, entre outros motivos, tendem a tornar mais difícil a atração de capitais privados. Gestores desses capitais serão mais seletivos. Ainda assim, é possível elaborar modelos de concessão que possam atraí-los. É tarefa, mais uma entre tantas, a que o futuro governo precisa se dedicar com urgência. 

 

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