Folha de S. Paulo
A 'rendição' de Bolsonaro se deu perante um
tribunal que não se curvou aos seus ataques
"Acabou". Essa é a expressão
empregada pelo presidente Jair
Bolsonaro ao reconhecer sua derrota eleitoral aos ministros do Supremo Tribunal
Federal. É significativo que a "rendição" tenha se dado perante
um tribunal que não se curvou aos seus ataques, ameaças e desmandos.
Uso o termo rendição pois Bolsonaro sempre
teve uma visão degenerada da política. Como outros líderes de extrema direita,
Bolsonaro concebe a política não como uma disputa entre adversários, mediada
por regras e instituições, mas como uma guerra. Guerra que tem por finalidade
eliminar os inimigos e subjugar as instituições voltadas a limitar o poder.
Há um velho ditado da caserna que vaticina: "Na vida militar, ou você coloca os demais em forma ou te colocam em forma". Ao longo desses quatro anos de governo, Bolsonaro buscou enquadrar o Supremo. Ameaçou desrespeitar suas decisões. Ofendeu de forma vulgar ministros. Atiçou seus acólitos contra o tribunal. Incitou o pedido de impeachment de magistrados. Instigou as Forças Armadas contra o Supremo, insinuando que elas, e não o Supremo, receberam a missão de guardar a Constituição. Derrotado nas urnas e sem o proclamado apoio das Forças Armadas, viu-se obrigado a se submeter à autoridade do Supremo.
Para alguns, o Supremo foi além de suas
atribuições nestes últimos anos. Discordo. O Supremo, apesar de seus defeitos,
apenas reagiu aos ataques à democracia e
aos direitos fundamentais desfechados pelo presidente, cumprindo a atribuição
que lhe foi conferida pela mais democrática de nossas constituições.
Uma das mais amargas lições deixadas pela
ascensão de Hitler ao
poder —reiterada pela nova onda de populistas autoritários— é que o povo pode,
pelo voto ou por meio de seus representantes, destruir a democracia e os direitos
humanos.
Por essa razão, muitos países que se
reconstitucionalizaram após as barbáries da Segunda
Guerra, ou as experiências perversas da colonização, da segregação racial,
dos regimes militares ou de partido único, optaram por conferir às suas cortes
constitucionais a tarefa de defender a democracia e os direitos humanos.
Não se trata de uma tarefa fácil e
destituída de riscos. Afinal, tribunais não têm artilharia. Muitas cortes
altivas sucumbiram nessa jornada. Outras preferiram se omitir em relação aos
avanços autoritários, na esperança de serem as últimas a serem devoradas, para
tomar emprestado a imagem de Churchill.
Com audácia, o Supremo não se deixou
intimidar e agiu para conter o vandalismo institucional de Bolsonaro e seus
aliados. Seus tropeços não o impediram de cumprir sua missão. Essa postura
independente só foi possível pela conjugação de três fatores. De um lado, as
prerrogativas, garantias e incentivos superlativos recebidos pelo Supremo para
servir como guardião da ambiciosa Constituição de 1988. De outro, a musculatura
política e institucional adquirida ao longo das últimas décadas, em decorrência
das inúmeras crises e insuficiências do próprio sistema político que impuseram
ao tribunal a necessidade de tomar decisões com forte impacto político. Por
fim, o compromisso da maioria de seus ministros com o Pacto de 1988.
O fato é que o Supremo brasileiro, assim
como o Tribunal
Superior Eleitoral, não capitulou. Deixou claro à extrema direita que não
abriria mão de sua obrigação de defender a Constituição. Que não aceitaria um
golpe transvestido de legalidade. Enquadrado pelo Supremo, o presidente
finalmente reconheceu sua derrota.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
Excelente artigo!!
ResponderExcluirBravo!, inconteste!
ResponderExcluirMuito bom.
ResponderExcluirExcelente artigo! A delinquência política de Bolsonaro exigiu que o STF fosse bravo e inflexível.
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