Folha de S. Paulo
Juros na praça do mercado dão salto grande;
Senado diz que PEC não passa como está
Se o governo quisesse tomar dinheiro
emprestado nesta quarta-feira (16), pagaria muito mais do que na quarta
passada, um dia antes do "Lula
Day", como dizem os povos dos mercados. As taxas
de juros deram um salto no mercado de títulos da dívida pública. Foram
ao pico recente, de julho passado, e estão no nível mais alto desde o início do
desastroso 2016.
O governo, o Tesouro Nacional, não precisa tomar dinheiro emprestado durante esses tumultos. Pode (ainda) esperar por uns dias, por um preço melhor. Se o caldo engrossar por mais tempo, o Tesouro acaba tendo de engolir a coisa. Isto é, pagar taxas de juros mais altas para cobrir a despesa para a qual não há receita e para rolar a dívida que vence, grosso modo.
O motivo do tumulto é, como se sabe,
a "PEC
da Transição", a emenda constitucional que vai permitir uma despesa
além do teto. No Senado, estão dizendo ao governo de transição que não vai
passar. E se passar?
A PEC previa que a despesa com o Bolsa Família não
seja considerada no teto. Não apenas o teto é furado. O déficit primário pode
aumentar em pelo menos R$ 175 bilhões (pode haver mais despesa extra, como está
no rascunho da PEC).
Em relação ao tamanho da economia, o
déficit seria de 2,2% do PIB (em vez dos 0,6% do PIB previstos pelo Orçamento
inviável deixado por Jair
Bolsonaro). Seria o terceiro maior déficit primário (que nem leva em conta
a despesa com juros) desde 1991, abaixo daquele do ano da explosão da epidemia,
2020, e o de Michel Temer em 2016, quando a receita era muito menor.
Se o caldo continuar grosso, as taxas de juros continuarão altas ou subirão ainda mais. Com juros altos e déficit grande a perder de vista, a dívida pública crescerá rapidamente. Isto é, afora um "milagre do crescimento" da economia.
Por ora, a PEC é assunto da "equipe
política" da transição, dizem parlamentares; os economistas da transição
estavam de fora da conversa. Não faz sentido.
Muita gente diz que um problema da PEC é
que a licença para o gasto acima do teto vai além de 2023. Mas essas pessoas
precisam explicar como, mesmo com licença apenas em 2023, como um déficit
primário de 2,2% do PIB seria reduzido em tempo hábil.
Aumento de imposto? Algum seria inevitável,
mesmo para lidar com a conta anterior à da PEC. Agora, complicou.
A receita do
governo federal já está em nível recorde.
Imagina-se conter despesas com uma reforma
administrativa (salários de servidores, no que interessa aqui). Uma nova
reforma da Previdência, se houvesse, levaria tempo para fazer efeito. Por aí, é
difícil arrecadar mais, diz Armínio Fraga, que acaba de propor as linhas gerais
de um método de contenção de dívida e déficit, com Marcos Mendes, em
artigo nesta Folha.
Cancelar gastos tributários (descontos de
impostos para tal ou qual tipo de setor, empresa ou pessoa física) pode render.
Mas qualquer tributação extra, ainda que necessária, pode ter seus custos,
lembra Fraga. Pode provocar ineficiências econômicas, o impacto do aumento da
receita do governo pode não compensar as perdas privadas etc. Um aumento brusco
pode ser até recessivo.
Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro
de Temer e ora economista-chefe do banco BTG Pactual, escreveu em uma rede
social que, com um déficit inicial de 2% do PIB, será muito difícil que, ao fim
de 4 anos, se chegue a um superávit primário de 2% do PIB necessário para
estabilizar a dívida (seria uma virada de uns R$ 400 bilhões).
O economista estima que, se a PEC da Transição tirar R$ 175 bilhões por ano durante o governo Lula 3, a dívida pública, em 2023, crescerá entre 3 e 4 vezes o ritmo dos últimos quatro anos, com juros altos, o que "não vai ajudar na redução da pobreza".
Preocupante, haja coração!
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