quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Vinicius Torres Freire - Lula terá de fazer milagre no Congresso

Folha de S. Paulo

Esquerda terá de lidar com um bloco maior da direita e deve só obter apoios picados

Luiz Inácio Lula da Silva tem uns três meses para montar ao menos um esboço de coalizão que sustente seu governo.

PT, esquerda e agregados sempre foram minoritários na Câmara, com algo entre 30% e 35% dos deputados federais eleitos nos anos em que petistas levaram o governo federal, por exemplo.

No começo da legislatura e do governo 2023-2026, a esquerda é um tanto mais minoritária. O problema maior não está aí, porém. A configuração do Congresso é bem diferente dos anos tucano-petistas (1994-2014).

A montagem de uma coalizão era, em princípio, mais difícil para o PT do que para o PSDB nos anos em que os dois partidos ficaram com o governo federal, 1994-2014. A situação piorou.

O partido que dava o lastro maior e central das alianças, o MDB, é diminuto, assim como o centro. Partidos menores dessas coalizões do antigo regime, os "fisiológicos", ora são aliados, dominantes e apoiaram Jair Bolsonaro na eleição deste ano (PL, PP e Republicanos).

O PT diz que seu primeiro objetivo é levar MDB (42 deputados) e PSD (também 42) inteiros para o governo. "Inteiros" nunca é possível. Neste 2022, ainda menos.

Metade desses partidos aderiu a Lula ou pode fazê-lo sem grande dificuldade depois da vitória petista. Mas pelo menos um terço é bolsonarista ou de estados do Sul ou do oeste. Poder e cargos resolvem parte da questão. O acordo será mais precário e custoso.

A federação Brasil da Esperança, PT, PC do B e PV, elegeu 80 deputados federais —uma federação é um bloco partidário que tem de durar quatro anos. A coligação que elegeu Lula tem, por ora, 122 cadeiras da Câmara (junta ainda a federação PSOL/Rede, PSB, Solidariedade e Avante).

"Sobrando", há os 17 do PDT, do que o PT pouco trata em público. Seriam então 139. Caso Lula levasse MDB e PSD de porteira fechada e acreditando em excesso nessa aritmética política, seriam 223 deputados. Pouco.

Petistas dizem que vão procurar a federação PSDB-Cidadania, de apenas 18 deputados. Deles, 13 são dos tucanos, não raro bolsonaristas disfarçados.

Não há um MDB, como entre 1994 e 2014, grande, bem distribuído por estados e cidades, em geral sem pretensão de disputar o Planalto, no centro do jogo. Os tucanos contavam ainda com a facilidade de ter um aliado constante e então numeroso, o PFL (depois DEM).

O MDB nesse período elegeu em média 83 deputados. Nos anos tucanos, o PFL elegeu em média 94. Partidos "fisiológicos" de algo entre 20 e 40 deputados, raramente 50, e desgarrados de outras legendas completavam o tabuleiro.

Esse sistema ficou moribundo a partir do Junho de 2013 e dos escândalos de corrupção. Morreu em 2018.

Em 2022, dominante é a coligação bolsonarista, PL, PP e os Republicanos da Igreja Universal, com 187 cadeiras. Há a ameaça, para Lula, de que se forme um bloco ainda maior de direita, com o União Brasil, de 246 deputados, ameaça remota, mas já explicitada por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara candidato à reeleição.

PP e mesmo o PL, que ora abriga Bolsonaro, são maleáveis, mesmo tendo eleito parlamentares comprometidos com a direita dura ou extrema. Lira troca apoio para o comando da Câmara e emendas gordas por vida menos difícil para Lula, como se sabe.

O União Brasil, juntado do DEM com o resto do PSL, é a incógnita maior, mas também não iria em bloco para o governo, pois parte da legenda é antipetista militante.

Em resumo, Lula terá de negociar com um bloco de direita mais dura ou negocista que é dominante. Pior de tudo, talvez possa levar apenas pedaços dos partidos rachados com que vai negociar. Mesmo se der certo, é um quadro mais instável.

 

 

 

 

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