Folha de S. Paulo
Esquerda terá de lidar com um bloco maior
da direita e deve só obter apoios picados
Luiz Inácio Lula da
Silva tem uns três meses para montar ao menos um esboço de coalizão
que sustente seu governo.
PT, esquerda e
agregados sempre foram minoritários na Câmara, com algo entre 30% e 35% dos
deputados federais eleitos nos anos em que petistas levaram o governo federal,
por exemplo.
No começo da legislatura e do governo
2023-2026, a
esquerda é um tanto mais minoritária. O problema maior não está aí, porém.
A configuração do Congresso é bem diferente dos anos tucano-petistas
(1994-2014).
A montagem de uma coalizão era, em
princípio, mais difícil para o PT do que para o PSDB nos anos em que os dois
partidos ficaram com o governo federal, 1994-2014. A situação piorou.
O partido que dava o lastro maior e central
das alianças, o MDB, é diminuto, assim como o centro. Partidos menores dessas
coalizões do antigo regime, os "fisiológicos", ora são aliados,
dominantes e apoiaram Jair
Bolsonaro na eleição deste ano (PL, PP e Republicanos).
O PT diz que seu primeiro objetivo é levar MDB (42 deputados) e PSD (também 42) inteiros para o governo. "Inteiros" nunca é possível. Neste 2022, ainda menos.
Metade desses partidos aderiu a Lula ou
pode fazê-lo sem grande dificuldade depois da vitória petista. Mas pelo menos
um terço é bolsonarista ou de estados do Sul ou do oeste. Poder e cargos
resolvem parte da questão. O acordo será mais precário e custoso.
A federação Brasil da Esperança, PT, PC do
B e PV, elegeu 80 deputados federais —uma federação é um bloco partidário que
tem de durar quatro anos. A coligação que elegeu Lula tem, por ora, 122
cadeiras da Câmara (junta ainda a federação PSOL/Rede, PSB, Solidariedade e
Avante).
"Sobrando", há os 17 do PDT, do
que o PT pouco trata em público. Seriam então 139. Caso Lula levasse MDB e PSD
de porteira fechada e acreditando em excesso nessa aritmética política, seriam
223 deputados. Pouco.
Petistas dizem que vão procurar a federação
PSDB-Cidadania, de apenas 18 deputados. Deles, 13 são dos tucanos, não raro
bolsonaristas disfarçados.
Não há um MDB, como entre 1994 e 2014,
grande, bem distribuído por estados e cidades, em geral sem pretensão de
disputar o Planalto, no centro do jogo. Os tucanos contavam ainda com a
facilidade de ter um aliado constante e então numeroso, o PFL (depois DEM).
O MDB nesse período elegeu em média 83
deputados. Nos anos tucanos, o PFL elegeu em média 94. Partidos
"fisiológicos" de algo entre 20 e 40 deputados, raramente 50, e
desgarrados de outras legendas completavam o tabuleiro.
Esse sistema ficou moribundo a partir
do Junho
de 2013 e dos escândalos de corrupção. Morreu em 2018.
Em 2022, dominante é a coligação
bolsonarista, PL, PP e os Republicanos da Igreja Universal, com 187 cadeiras.
Há a ameaça, para Lula, de que se forme um bloco ainda maior de direita, com o
União Brasil, de 246 deputados, ameaça remota, mas já explicitada por Arthur Lira
(PP-AL), presidente da Câmara candidato à reeleição.
PP e mesmo o PL, que ora abriga Bolsonaro,
são maleáveis, mesmo tendo eleito parlamentares comprometidos com a direita
dura ou extrema. Lira troca apoio para o comando da Câmara e emendas gordas por
vida menos difícil para Lula, como se sabe.
O União Brasil, juntado do DEM com o resto
do PSL, é a incógnita maior, mas também não iria em bloco para o governo, pois
parte da legenda é antipetista militante.
Em resumo, Lula terá de negociar com um
bloco de direita mais dura ou negocista que é dominante. Pior de tudo, talvez
possa levar apenas pedaços dos partidos rachados com que vai negociar. Mesmo se
der certo, é um quadro mais instável.
É uma sopa de siglas infindável.
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